sábado, 12 de janeiro de 2019

A Partida para o Deserto

(Comentário Êxodo 15)

"Depois, fez Moisés partir os israelitas do Mar Vermelho, e saíram ao deserto de Sur, e andaram três dias no deserto; e não acharam águas" (versículo 22). É quando entramos na experiência do deserto que somos postos à prova, a fim de que se manifeste até que ponto conhecemos Deus e o nosso próprio coração. O princípio da nossa vida cristã é acompanhado por uma vivacidade e de um gozo exuberantes, que logo as rajadas de vento do deserto procuram deter; e então, a não ser que haja um profundo sentimento daquilo que Deus é para nós, acima e além de tudo mais, sentimo-nos desfalecer, e em nossos corações tornamos ao Egito (Atos 7:39). A disciplina do deserto é necessária, não para nos dar o direito a Canaã, mas para nos tornar familiarizados com Deus e os nossos próprios corações, para nos habilitar a compreendermos o poder do nosso parentesco e para nos dar capacidade para gozarmos da terra de Canaã, quando lá chegarmos (veja-se Deuteronômio 8:2-5).

A verdura, a frescura e a exuberância da primavera têm atrativos peculiares, os quais desaparecem perante o calor abrasador do verão; porém, com os devidos cuidados, este mesmo calor que destrói os traços esplêndidos da primavera, produz os frutos maduros e sazonados do outono. O mesmo acontece na vida cristã; pois existe, como sabemos, uma analogia notável e profundamente instrutiva entre os princípios que regem o reino da natureza e aqueles que caracterizam o reino da graça, sendo uns e outros obra do mesmo Deus.

Podemos contemplar Israel sob três posições distintas, a saber: no Egito, no deserto, e na terra de Canaã. Em todas estas posições, eles são "nossas figuras"; enquanto que nós nos achamos nas três ao mesmo tempo. De fato, nós encontramo-nos, por assim dizer, no Egito, rodeados de coisas da natureza, que se adaptam perfeitamente ao coração natural. Todavia, porquanto fomos chamados pela graça de Deus à comunhão de Seu Filho Jesus Cristo, nós, segundo os afetos e desejos da nova natureza, encontramos, necessariamente, o nosso lugar fora de tudo que pertence ao Egito (*) (o mundo no seu estado natural), e isto faz-nos passar pelas experiências do deserto, ou, por outras palavras, põe-nos, quanto às experiências, no deserto.

(*) Existe uma grande diferença moral entre o Egito e Babilônia, que é importante conhecer. O Egito foi o país de onde veio o povo de Israel; Babilônia foi a terra para onde eles foram deportados mais tarde (comparem-se Amós 5:25-27 com Atos 7:42-43). O Egito significa aquilo que o homem fez do mundo; Babilônia expressa o que Satanás tem feito, faz ou fará da Igreja professa. Por isso, não estamos apenas rodeados das circunstâncias do Egito, como também pelos princípios morais de Babilônia.

Isto faz dos nossos "tempos" o que o Espírito Santo considera "trabalhosos" — difíceis. São necessárias a energia do Espírito de Deus e uma sujeição completa à autoridade da Palavra de Deus para se poder enfrentar a influência combinada das realidades do Egito e o espírito e os princípios de Babilônia. Aquelas satisfazem os desejos naturais do coração; enquanto que estes se ligam e dirigem à religiosidade da natureza, que lhes dá um acolhimento peculiar no coração. O homem é um ente religioso e peculiarmente susceptível das influências da música, da escultura, da pintura, ritos pomposos e cerimônias. Quando estas coisas se acham ligadas com o suprimento das necessidades naturais—sim, com a facilidade e a luxúria da vida, nada senão o poder da Palavra de Deus e do Espírito pode manter alguém fiel a Cristo.

Devemos notar também que existe uma grande diferença entre os destinos do Egito e os de Babilônia. O capítulo 19 de Isaías apresenta-nos as bênçãos que estão guardadas para o Egito. Esta é a conclusão: "E ferirá o Senhor aos egípcios e os curará; e converter-se-ão ao Senhor, e mover-se-á às suas orações, e os curará: ...Naquele dia, Israel será o terceiro com os egípcios e os assírios, uma bênção no meio da terra. Porque o Senhor dos Exércitos os abençoará, dizendo: Bendito seja o Egito, meu povo, e a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança" (versículos 22-25).

O fim da história da Babilônia é muito diferente quer o encaremos como uma cidade literal ou um sistema espiritual. "E reduzi-la-ei a possessão de corujas e a lagoas de águas; e varrê-la-ei com vassoura de perdição, diz o Senhor dos Exércitos" (Isaías 14:23). "Nunca mais será habitada, nem reedificada de geração em geração" (Isaías 13:20). Isto quando a Babilônia, literalmente; sob o ponto de vista místico ou espiritual vemos o seu destino em Apocalipse, capítulo 18. Esse capítulo é uma descrição de Babilônia, e termina com estas palavras: "E um forte anjo levantou uma pedra como uma grande mó e lançou-a no mar, dizendo: Com igual ímpeto será lançada Babilônia, aquela grande cidade, e não será jamais achada" (versículo 21).


Com que imensa solenidade deveriam essas palavras soar aos ouvidos de todos aqueles que estão ligados, de qualquer modo, com Babilônia—isto é, com a Igreja professa. "Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados e para que não incorras nas suas pragas" (Apocalipse 18:4). O "poder" do Espírito Santo operará necessariamente ou expressar-se-á numa certa "forma" de piedade, e o alvo do inimigo tem sido sempre defraudar a Igreja professa do poder, ao mesmo tempo que a induz a apoiar-se na forma e a perpetuá-la—a imprimir a forma depois de todo o espírito e a vida haverem desaparecido. É assim que ele edifica a Babilônia espiritual. As pedras com que esta cidade é edificada são os professos sem vida espiritual; e o martelo com que ele liga essas pedras é "a forma de piedade sem poder".


A natureza divina suspira ardentemente por uma ordem de coisas diferentes — por uma atmosfera mais pura do que aquela que nos rodeia, e desta forma faz-nos sentir que o Egito é como um deserto moral. Porém, visto que estamos, aos olhos de Deus, eternamente ligados Àquele que penetrou nos céus, e se assentou à destra da Majestade, é nosso privilégio saber, pela fé, que estamos assentados com Ele ali (Efésios 2:6). De forma que, apesar de estarmos, quanto aos nossos corpos, no Egito, quanto à nossa experiência estamos no deserto, enquanto que, ao mesmo tempo, a fé nos conduz a Canaã e habilita-nos a alimentarmo-nos "do trigo da terra do ano antecedente" (Os 5:11), isto é, de Cristo, como Aquele que não somente veio à terra, mas que voltou para o céu e Se assentou ali em glória.

C. H. Mackintosh

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