terça-feira, 21 de julho de 2020

A Transgressão Contra os Homens

(Comentário Levítico 5:14-27: OS SACRIFÍCIOS PELA CULPA)

A mesma lei referente a "um quinto" aplica-se ao caso de transgressão contra um homem, pois que lemos: "Quando alguma pessoa pecar e transgredir contra o Senhor* e negar ao seu próximo o que se lhe deu em guarda, ou o que se depôs na sua mão, ou o roubo ou o que retém violentamente ao seu próximo; ou que achou o perdido, e o negar com falso juramento, ou fizer alguma outra coisa de todas em que o homem costuma pecar, será, pois, que, porquanto pecou e ficou culpada, restituirá o roubo que roubou, ou o retido que retém violentamente, ou o depósito que lhe foi dado em guarda, ou o perdido que achou, ou tudo aquilo sobre que jurou falsamente; e o restituirá no seu cabedal e ainda sobre isso acrescentará o quinto; àquele de quem é o dará no dia de sua expiação" (capítulo 6:2-5).

{* Existe um princípio precioso ligado à expressão "contra o Senhor". Embora o caso em questão fosse de dano causado a um próximo, o Senhor vê-o como uma transgressão contra Si. Tudo deve ser encarado em relação com o Senhor. Pouco importa a quem concerne diretamente, Jeová deve ter o primeiro lugar. Assim, quando a consciência de Davi foi traspassada pela frecha da convicção, a respeito do seu procedimento para com Urias, ele exclama, "Pequei contra o Senhor" (2 Samuel 12:13). Este princípio não prejudica em nada os direitos do homem ofendido.}

Assim como Deus, também o homem ganha com a cruz do Calvário. Contemplando essa cruz, o crente pode dizer: "Pouco importa o muito que tenho sido prejudicado, as faltas que têm sido cometidas contra mim, até que ponto tenho sido enganado e o mal que me tem sido feito, ganho muito mais com a cruz. Não só me foi restituído tudo que havia perdido, mas muito mais".

Assim, quer pensemos no ofendido ou no ofensor, em cada caso somos igualmente surpreendidos com os triunfos gloriosos da redenção e os resultados práticos e poderosos daquele evangelho que enche a alma com a ditosa certeza de que todas as transgressões "são perdoadas" e que a raiz de onde brotaram essas transgressões foi julgada. "O evangelho da glória de Deus bendito" é unicamente o que pode enviar um homem ao meio de uma cena que foi testemunha dos seus pecados, suas transgressões e de suas injustiças — pode fazê-lo voltar para junto daqueles que, de qualquer modo, tenham sido vítimas dos seus maus atos, investido da graça, não apenas para reparar o mal feito, mas, muito mais, para permitir que a onda prática de benevolência inunde todos os seus caminhos; sim, para amar os seus inimigos, fazer bem aos que o odeiam, e orar por aqueles que o maldizem e perseguem. Tal é a graça preciosa de Deus, que atua em relação com o nosso grande Sacrifício da Expiação da Culpa e tais são os seus ricos e preciosos frutos!

Que resposta vitoriosa a dar ao questionador que poderia perguntar: "Permaneceremos no pecado para que a graça abunde?" A graça não somente corta o pecado pela raiz, como passa o pecador de um estado de maldição para um de bênção; de uma praga moral para uma conduta de misericórdia divina; de um emissário de Satanás para um mensageiro de Deus; de um filho das trevas para um filho da luz; de um caçador de prazeres para um ser que renuncia a si próprio e ama a Deus; de um escravo abjeto dos prazeres para um servo consagrado de Deus; de um escravo da vil cobiça para um servo dedicado de Cristo, de um avarento insensível para um benéfico provedor das necessidades dos seus semelhantes. Desprezemos, pois, as expressões jocosas frequentemente repetidas: "Não temos nada que fazer? Que maneira maravilhosamente fácil de se ser salvo, hein?". Que todos os que empregam uma tal linguagem considerem aquele que furtava transformado num abnegado doador e fiquem para sempre silenciosos (veja-se Ef 4:28). Não sabem o que quer dizer o vocábulo graça. Nunca sentiram as suas influências elevadas e santificadoras. Esquecem que, ao passo que o sangue do sacrifício da culpa do pecado purifica a consciência, a lei desse sacrifício manda o culpado àquele a quem tem prejudicado com o principal e o quinto em suas mãos. Nobre testemunho este, tanto para a graça como para a justiça do Deus de Israel! Bela manifestação dos resultados desse maravilhoso plano de redenção pelo qual o prejudicado se torna beneficiário! Se a consciência ficou tranquila pelo sangue da cruz quanto às reivindicações de Deus, a conduta deve também estar de acordo com a santidade da cruz quanto às reivindicações da justiça prática. Estas coisas nunca devem ser separadas. Deus juntou-as, e o homem não deve separá-las. Esta santa união nunca será dissolvida por qualquer coração governado pela pura moral do evangelho. Infelizmente, é fácil fazer profissão dos princípios da graça, enquanto que a sua prática e o seu poder são completamente renegados. É fácil falar do descanso do sangue do Sacrifício da Culpa do pecado enquanto "o principal" e "o quinto" são retidos. Mas isto é vão, e pior do que vão. "Qualquer que não pratica a justiça... não é de Deus" (1 Jo 3:10).

Nada pode desonrar tanto a pura graça do evangelho quanto a suposição de que um homem pode pertencer a Deus enquanto que a sua conduta e caráter não mostram os traços formosos da santidade prática. Todas as suas obras são conhecidas de Deus (Atos 15:18), sem dúvida, porém deu-nos na Sua Santa Palavra as provas pelas quais podemos discernir aqueles que Lhe pertencem. "O fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade" (2 Timóteo 2:19). Não temos o direito de imaginar que um malfeitor pertence a Deus. Os santos instintos da natureza divina revoltam-se ante tal suposição. As pessoas têm, por vezes, grande dificuldade em explicar certas obras más por parte daqueles que não podem deixar de considerar como cristãos. A Palavra de Deus resolve o assunto de uma forma tão clara e com tal autoridade que não deixa lugar para tais dificuldades. "Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo. Qualquer que não pratica a justiça e não ama a seu irmão não é de Deus" (1 João 3:10). É bom recordar isto nestes dias de relaxamento e condescendência. Existe muita profissão superficial e sem influência contra a qual o cristão verdadeiro é convidado a resistir a dar testemunho severo — um testemunho resultante da contínua exibição dos "frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus" (Fp 1:11). É deplorável ver como tantos seguem o caminho batido — o caminho largo da profissão religiosa sem contudo manifestarem sinais de amor ou de santidade na sua conduta. Leitor crente, sejamos fiéis. Censuremos, por meio de uma vida de renúncia e genuína benevolência, o egoísmo e inatividade culpável de uma profissão cristã e contudo mundana. Que o Senhor conceda a todo o Seu verdadeiro povo graça abundante para estas coisas!

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 15 de julho de 2020

A Transgressão contra Deus por Ignorância -- Parte 2

(Comentário Levítico 5:14-27: OS SACRIFÍCIOS PELA CULPA)

"Assim, restituirá o que ele tirou das coisas sagradas, e ainda de mais acrescentará o seu quinto, e o dará ao sacerdote; assim o sacerdote, com o carneiro da expiação, fará expiação por ela e ser-lhe-á perdoado o pecado" (versículo 16). No acréscimo de um quinto, como é estipulado aqui, temos um aspecto do verdadeiro sacrifício da culpa, que é de se recear que seja pouco apreciada em geral. Quando pensamos em todo o mal e todas as ofensas que temos cometido contra o Senhor, e, mais, quando recordamos quão prejudicado Deus tem sido nos Seus direitos neste mundo iníquo, com que interesse devemos contemplar a obra da cruz como aquilo em que Deus reaveu não só o que havia perdido, como é também por esse meio beneficiário. Ganhou mais pela redenção do que perdeu pela queda. Recolhe uma mais rica seara de glória, honra e louvor, nos campos da redenção do que jamais poderia ter recolhido nos campos da criação. "Os filhos de Deus" podem entoar um cântico de louvor muito mais magnífico em redor do sepulcro vazio de Jesus do que jamais puderam entoar em vista da obra do Criador. O mal não só foi expiado perfeitamente como também ganhou-se uma vantagem eterna por meio da obra da cruz. Esta é uma verdade admirável. Deus tira proveito com a obra do Calvário. Quem poderia ter imaginado isto? Quando contemplamos o homem e a criação, da qual Ele era Senhor, jazendo em ruínas aos pés do inimigo, como poderíamos conceber que, do meio dessas ruínas, Deus pudesse recolher despojos mais ricos e nobres do que quaisquer que este mundo pudesse oferecer antes da queda? Bendito seja o nome de Jesus por tudo isto! É a Ele que tudo devemos. É por meio da Sua preciosa cruz que pode anunciar-se uma verdade divina tão maravilhosa. Seguramente, essa cruz encerra uma sabedoria misteriosa, "a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória" (1 Coríntios 2:8). Não é de admirar portanto que em volta dessa cruz e ao redor d'Aquele que foi crucificado nela estivessem sempre entrelaçados os afetos de patriarcas, profetas, apóstolos, mártires e santos. Não é de admirar que o Espírito Santo haja pronunciado esse solene e justo decreto: "Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema; maranata" (1 Coríntios 16:22). O céu e a terra farão eco com um grande e eterno amém a este anátema. Não é de admirar que fosse propósito estável e imutável da mente divina que "ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai" (Fp 2:10-11).

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 13 de julho de 2020

A Transgressão contra Deus por Ignorância -- Parte 1

(Comentário Levítico 5:14-27: OS SACRIFÍCIOS PELA CULPA)

Estes versículos contêm a doutrina da Expiação da Culpa, da qual havia duas classes distintas, isto é, transgressões contra Deus e transgressões contra o homem. "Quando alguma pessoa cometer uma transgressão e pecar por ignorância nas coisas sagradas do Senhor, então trará ao Senhor por expiação um carneiro sem mancha do rebanho, conforme à tua estimação em ciclos de prata, segundo o ciclo do santuário, para expiação da culpa". Temos aqui um caso em que foi cometida uma falta positiva nas coisas santas pertencentes ao Senhor; e, embora isto fosse feito "por ignorância", não podia contudo passar em silêncio. Deus pode perdoar toda a espécie de pecado, mas não pode deixar passar um simples jota ou til. A sua graça é perfeita, e pode perdoar tudo. A Sua santidade é perfeita e portanto não pode deixar passar nada. Não pode sancionar a iniquidade, mas pode apagá-la, e isso também segundo a perfeição da Sua graça e de acordo com as exigências justas da Sua santidade.

É um erro muito grave supor-se que contanto que um homem siga os ditames da sua consciência tem razão em tudo e está seguro. A paz que repousa sobre um tal fundamento será eternamente destruída quando a luz do tribunal de Cristo brilhar sobre a consciência. Deus nunca poderia baixar as Suas reivindicações a um tal nível. As balanças do santuário são afinadas por uma escala muito diferente daquela que pode proporcionar a consciência mais sensível. Já tivemos ocasião de insistir sobre este ponto nos comentários sobre a expiação do pecado. Mas nunca é demais insistir sobre este ponto. Duas coisas principais se acham envolvidas nele. A primeira é uma justa percepção do que é realmente a santidade de Deus: a segunda é a compreensão clara do fundamento da paz do crente na presença divina.

Quer se trate do meu estado ou da minha conduta, da minha natureza ou dos meus atos, só Deus pode ser o Juiz daquilo que Lhe convém e daquilo que é próprio à Sua santa presença. Pode a ignorância humana apresentar uma alegação quando se trata dos requisitos divinos? Deus nos guarde de tal pensamento! Cometeu-se uma transgressão "nas coisas sagradas do Senhor" sem que a consciência do homem haja tido conhecimento disso. E então? Nada mais há a fazer? Os requisitos de Deus podem ser satisfeitos assim tão facilmente? Decerto que não. Isto seria subversivo de tudo que diz respeito ao parentesco divino. Os justos são convidados a dar graças em memória da santidade de Deus (Salmos 97:12). Como podem eles fazer isto? Porque a sua paz foi conseguida sobre o fundamento pleno da justificação e do estabelecimento perfeito dessa santidade. Por isso, quanto mais elevado for o seu sentimento do que é essa santidade, tanto mais profunda e segura deve ser a sua paz. Eis uma verdade das mais preciosas. O homem não regenerado nunca poderá regozijar-se com a santidade divina. O seu intento será sempre rebaixar essa santidade, se não puder ignorá-la completamente. Um tal homem consolar-se-á com o pensamento de que Deus é bom, que Deus é misericordioso e que Deus é clemente, mas nunca se regozijará com o pensamento de que Deus é santo. Os seus pensamentos a respeito da bondade de Deus, da Sua graça e misericórdia são profanos. Faria de boa vontade desses atributos benditos uma desculpa para continuar no pecado.

Pelo contrário, o homem regenerado exulta com a santidade de Deus. Vê a sua plena expressão na cruz do Senhor Jesus Cristo. Essa santidade é a mesma que lançou o fundamento da sua paz; e, não somente isto, ele próprio foi feito seu participante e deleita-se nela, aborrecendo o pecado com verdadeiro ódio. Os instintos da natureza divina repugnam-no e aspira à santidade. Seria impossível gozar de verdadeira paz e liberdade de coração se não soubéssemos que todos os requisitos ligados com "as coisas sagradas do Senhor" foram perfeitamente cumpridos pelo nosso divino Sacrifício da Culpa do pecado. Levantar-se-ia sempre ao coração o sentimento penoso de que esses requisitos haviam sido desprezados devido às nossas múltiplas faltas e ofensas. O nosso melhor serviço, os nossos momentos mais santos, os nossos exercícios mais piedosos, podem muito bem representar alguma coisa parecida com transgressão "nas coisas sagradas do Senhor" — "qualquer coisa que não deveria ter sido feita". Quantas vezes não são as nossas horas de serviço público e devoção particular perturbadas e manchadas por distração! Por isso necessitamos da certeza de que todas as nossas transgressões foram divinamente apagadas pelo precioso sangue de Cristo. Desta forma encontramos no bendito Senhor Jesus Aquele que desceu até à medida das nossas necessidades como pecadores por natureza e transgressores por atos. Encontramos n'Ele a resposta perfeita a todos os anseios de uma consciência culpada e a todas as exigências da infinita santidade a respeito de todos os nossos pecados e todas as nossas transgressões; de modo que o crente pode estar com uma consciência tranquila e coração libertado na luz plena daquela santidade que é demasiado pura para contemplar a iniquidade ou ver o pecado.

C. H. Mackintosh

sábado, 11 de julho de 2020

Saiamos a Ele fora do Arraial -- Parte 2

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Todavia, o leitor precisa recordar que o convite impressionante de "sair" implica muito mais do que o distanciamento que deveríamos buscar dos absurdos crassos de uma superstição ignorante ou das intenções de uma astuta cobiça. Há muitos que podem falar poderosa e eloquentemente contra tais coisas, e que estão muito longe, na verdade, de obedecer a essa convocação apostólica de "sair". Quando os homens levantam um "arraial" e se reúnem em redor de um pendão embelezado com qualquer dogma importante de verdade ou alguma instituição valiosa — quando podem recorrer a um credo ortodoxo, a um plano de doutrina avançado e iluminado ou a um esplêndido ritual capaz de satisfazer as mais ardentes aspirações da natureza devocional do homem — quando alguma ou todas estas coisas existem é necessária muita inteligência espiritual para se discernir a força real e adequada aplicação da palavra "Saiamos", e muita energia espiritual e decisão para se atuar em conformidade com ela. Contudo, deve-se atuar em conformidade com ela, porque é absolutamente certo que a atmosfera de um arraial, seja qual for o seu fundamento ou padrão, é destrutivo para a comunhão pessoal com um Cristo rejeitado; e nenhum tipo de "vantagem religiosa" poderá jamais substituir a perda dessa comunhão. É a tendência dos nossos corações caírem em formas frias e estereotipadas. Sempre foi assim na igreja professa. Estas formas podem até ter sido produzidas por verdadeiro poder. Podem até ter resultado de graça positiva do Espírito de Deus. Porém, há a tentação de fixar formas logo que esse espírito e poder deixam de existir. Isto é, em princípio, estabelecer um arraial. O sistema judaico podia vangloriar-se da sua origem divina. Um judeu podia apontar vitoriosamente para o templo, com o seu sistema esplêndido de culto, o seu sacerdócio, os seus sacrifícios, todo o seu equipamento, e mostrar que tudo havia sido dado pelo Deus de Israel. Podia citar o capítulo e o versículo, como costumamos dizer, que dava base a tudo o que se relacionava com o sistema a que ele estava ligado. Onde está o sistema, antigo, medieval ou moderno, que possa apresentar tão elevadas e poderosas pretensões ou descer até ao coração com tal peso de autoridade? E, mesmo assim, a ordem era "SAIAMOS".

Este assunto é profundamente solene, e diz-nos respeito a todos, porque somos todos propensos e esquivarmo-nos da comunhão com Cristo para cairmos em uma rotina morta. Daí o poder prático das palavras, "saiamos, pois a Ele". Não é SAIR de um sistema para outro — de uma ordem de opiniões para outra ou de um grupo de pessoas para outro. Não! Mas sair de tudo que merece a designação de um arraial para Aquele que "padeceu fora do arraial". O Senhor Jesus está tão fora da porta agora como quando padeceu ali há quase vinte séculos. O que foi que o pôs fora da porta? "O mundo religioso" daquele tempo: e o mundo religioso daquele tempo é, em espírito e princípio, o mesmo mundo religioso de nossos tempos. O mundo é ainda o mundo. "Não há nada novo debaixo do sol". Cristo e o mundo não são um. O mundo cobriu-se com a capa do cristianismo; porém fê-lo para que o seu ódio contra Cristo possa desenvolver-se em formas implacáveis. Não nos enganemos. Se andarmos com um Cristo rejeitado, teremos de ser um povo rejeitado. Se o nosso Mestre "padeceu fora do arraial", não podemos esperar reinar dentro do arraial. Se andarmos nas Suas pisadas, aonde nos conduzirão elas? Seguramente que não serão às altas posições deste mundo sem Deus e sem Cristo.

"O caminho dEle, não percorrido por sorrisos terrenos,
Levou apenas à cruz. "

Ele é um Cristo desprezado, um Cristo rejeitado, um Cristo fora do arraial. Oh, então, querido cristão, saiamos, pois, a Ele, levando o Seu vitupério. Não nos deixemos envolver com a luz do favor deste mundo, visto que crucificou e ainda aborrece com ódio implacável o Ente amado a quem devemos tudo quanto possuímos no presente e na eternidade, e que nos ama com um amor que as muitas águas não poderiam apagar. Não aceitemos, quer direta ou indiretamente, aquilo que se cobre com o Seu nome sagrado, mas que, na realidade, odeia os Seus caminhos, odeia a Sua verdade e odeia a simples menção do Seu advento. Sejamos fiéis ao nosso Senhor ausente. Vivamos para Aquele que morreu por nós. Enquanto as nossas consciências repousam sobre o Seu sangue, que os afetos dos nossos corações se enlacem em redor da Sua pessoa; de sorte que a nossa separação "deste presente século mau" não seja meramente um coro de princípios frios, mas uma separação afetuosa porque o objeto das nossas afeições não se encontra aqui. Que o Senhor nos liberte da influência desse egoísmo consagrado e prudente, tão comum no tempo presente, que não pode viver sem religião, mas que é inimigo da cruz de Cristo. O que nós necessitamos, para podermos resistir com êxito a essa forma terrível de mal, não são opiniões peculiares, ou princípios especiais ou teorias singulares ou uma fria exatidão intelectual. Necessitamos de uma profunda devoção pela pessoa do Filho de Deus; uma inteira consagração de nós próprios, de alma, corpo e espírito ao Seu serviço; e de um ardente desejo pelo Seu glorioso advento. Estas são, prezado leitor, as necessidades especiais dos tempos em que vivemos. Queira, portanto, unir-se, do profundo do seu coração, ao grito: "Aviva, ó Senhor, a tua obra"! "Completa o número dos teus eleitos"! "Apressa o teu reino", "Vem, Senhor Jesus"!

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Saiamos a Ele fora do Arraial -- Parte 1

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Consideremos agora o que era feito da "carne" ou "corpo" do sacrifício, no qual, como já foi acentuado, encontramos o verdadeiro fundamento do discipulado. "Todo aquele novilho, levará fora do arraial, a um lugar limpo, onde se lança a cinza, e o queimará com fogo" (Levítico 4:12). Este ato deve ser encarado sob um duplo aspecto: primeiro, como expressão do lugar que o Senhor Jesus tomou por nós, levando sobre Si o pecado; depois, como expressão do lugar para onde foi lançado por um mundo que O havia rejeitado. É para este último ponto que pretendo chamar a atenção do leitor.

O uso que o apóstolo faz em Hebreus 13:13 do fato de Cristo haver padecido "fora da porta" é profundamente prático. "Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério (rejeição)". Se os sofrimentos de Cristo nos têm assegurado uma entrada no céu, o lugar onde Ele sofreu representa a nossa rejeição pela terra. A sua morte tem-nos proporcionado uma cidade nas alturas; o lugar onde Ele morreu priva-nos de uma cidade aqui. Ele "padeceu fora da porta", e, fazendo-o, pôs de lado Jerusalém como centro das operações divinas. Não existe aquilo que poderíamos chamar de um lugar consagrado na Terra. Cristo tomou o Seu lugar, como o Sofredor, fora dos limites da religião deste mundo — da sua política e tudo que lhe pertence. O mundo aborreceu-O e lançou-O fora. Portanto, a Escritura diz "Saiamos". Este é o lema quanto a tudo que os homens levantem como "arraial" não obstante o que esse arraial possa ser. Se os homens levantarem uma "cidade santa" devemos procurar um Cristo rejeitado "fora da porta". Se os homens levantarem um arraial religioso, qualquer que seja o nome que se lhe queira dar, "saiamos" dele a fim de encontrarmos o Cristo rejeitado. Não é que a cega superstição não possa escavar as ruínas de Jerusalém para nelas encontrar as relíquias de Cristo. Certamente que o fará e já o tem feito. Fingirá ter encontrado e honrado o sítio da Sua cruz e do Seu sepulcro. A cobiça da natureza, aproveitando-se da superstição da natureza, também tem levado a efeito durante séculos um mercado lucrativo, com o astuto pretexto de prestar honra aos chamados lugares sagrados da antiguidade. Porém um simples raio de luz da lâmpada da Revelação celestial é suficiente para nos autorizar a dizer que é preciso sair de todas estas coisas a fim de encontrar e desfrutar da comunhão com um Cristo rejeitado.

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A Nossa Posição é Resultado da Obra na Cruz

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

E agora, antes de deixar este ponto fundamental que nos tem ocupado, desejo fazer um apelo sincero e solene ao coração e à consciência do leitor. Permita que lhe pergunte, prezado amigo: você já foi levado a descansar sobre este santo e feliz fundamento? Você já sabe que a questão do seu pecado foi para sempre resolvida? Você já impôs, mediante a fé, a sua mão sobre a cabeça da vítima do sacrifício de expiação? Você já viu o sangue expiatório de Jesus tirar toda a sua culpa e lançá-la às águas do esquecimento de Deus? A justiça Divina tem ainda alguma coisa contra você? Você está livre do pavor inexprimível de uma consciência culpada? Não descanse satisfeito, rogo-lhe, antes que você possa dar uma resposta feliz a estas interrogações. Fique certo de que é privilégio ditoso até do mais fraco crente em Cristo regozijar-se na plena e eterna remissão dos seus pecados, com base numa expiação efetuada. Por isso, se alguém ensina outra coisa, rebaixa o sacrifício de Cristo ao nível de "bodes e bezerros". Se não podemos saber que os nossos pecados estão perdoados, então onde estão as boas novas do evangelho? Não estaria um cristão em melhores circunstâncias, quanto ao sacrifício de expiação, do que um judeu? Este tinha o privilégio de saber que os seus interesses estavam assegurados por um ano por meio do sangue de um sacrifício anual. Poderia aquele não ter nenhuma certeza? Decerto que pode. Pois bem, se há alguma certeza, tem de ser eterna, visto que descansa sobre um sacrifício eterno.

Isto, e isto somente, é o fundamento da adoração. A segurança perfeita do perdão do pecado produz não um espírito de confiança própria, mas um espírito de louvor, gratidão e adoração. Produz, não um espírito de complacência própria, mas de gratidão pela complacência de Cristo, que, bendito seja Deus, é o espírito que há de caracterizar os remidos por toda a eternidade. Não induz alguém a fazer pouco caso do pecado, mas a pensar na graça que o perdoou perfeitamente, do sangue que cancelou esse pecado inteiramente. É impossível que alguém possa contemplar a cruz — que alguém possa ver o lugar que Cristo tomou e meditar em Seus sofrimentos —, e ponderar sobre essas três horas terríveis de trevas e, ao mesmo tempo, olhar o pecado como coisa sem importância. Quando todas estas coisas são compreendidas, no poder do Espírito Santo, devem seguir-se dois resultados, a saber, horror ao pecado, sob todas as suas formas, e amor verdadeiro por Cristo, o Seu povo e a Sua causa.

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Cristo: O Antítipo

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

O pecado foi removido pelo sangue da vítima, e Jeová disse estas palavras: "Ser-lhe-á perdoado". A vítima havia morrido em lugar dele; e ele vivia em lugar da vítima. Tal era o tipo (a figura, a sombra). E, quanto ao Antítipo (a Pessoa real representada pela figura), quando o olhar da fé descansa sobre Cristo como o sacrifício de expiação, vê-O como Aquele que, havendo tomado uma perfeita vida humana, deu essa vida na cruz, porque o pecado foi ali então ligado por imputação a essa vida. Mas vê-O também como Aquele que, tendo em Si mesmo o poder da vida divina e eterna, saiu por meio dele do sepulcro e agora comunica esta Sua vida de ressurreição — divina e eterna — a todos os que creem no Seu nome. O pecado se foi, porque a vida a que foi ligado se foi. E agora no lugar da vida a que fora ligado o pecado, todos os verdadeiros crentes possuem a vida a que está unida a Justiça. A questão do pecado nunca poderá ser levantada quanto à vida ressuscitada e vitoriosa de Cristo; e é esta a vida que os crentes possuem. Não há outra vida. Tudo fora dela é morte, porque fora dela tudo está sob o poder do pecado. "Aquele que tem o Filho tem a vida"; e aquele que tem a vida tem a justiça também. As duas coisas são inseparáveis, porque Cristo é tanto uma como a outra. Se o juízo e morte de Cristo, na cruz, foram realidades, então a vida e a justiça do crente são realidades. Se a imputação do pecado foi uma realidade para Cristo, a imputação da justiça ao crente é uma realidade. São tão reais uma como a outra, porque se não fosse assim Cristo teria morrido em vão. O verdadeiro e incontestável fundamento de paz é este: que as exigências da natureza de Deus, quanto ao pecado, foram perfeitamente satisfeitas. A morte de Jesus satisfê-las todas e satisfê-las para sempre. Qual é a prova disto para a consciência despertada? O grande fato da ressurreição. Um Cristo ressuscitado proclama plena libertação do crente — a sua perfeita absolvição de toda a demanda possível. "O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação" (Romanos 4:25). Para um crente não saber que o seu pecado foi tirado, e tirado para sempre, é fazer pouco caso do sangue da sua divina oferta de expiação. É negar que se fez perfeita apresentação — a aspersão do sangue sete vezes perante o Senhor.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O Fundamento da Paz do Crente

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Bem, por que razão sentia a alma de um judeu descanso, por algum tempo, depois de haver oferecido o seu sacrifício? Como sabia ele que o pecado especial pelo qual havia trazido o seu sacrifício estava perdoado? Porque Deus havia dito "E ser-lhe-á perdoado". A sua paz de coração, a respeito desse pecado particular, repousava sobre o testemunho do Deus de Israel e o sangue da vítima. Assim agora a paz do crente a respeito de "TODO O PECADO" baseia-se sobre a autoridade da Palavra de Deus e "o precioso sangue de Cristo". Se um judeu pecava e negligenciava em fazer a sua oferta de expiação, tinha de ser "cortado de entre o seu povo"; porém, quando tomava o seu lugar como pecador — quando punha as suas mãos sobre a cabeça da oferta de expiação, então a oferta era "cortada em pedaços", em vez dele, e então ele ficava livre por enquanto. A oferta era tratada como merecia o oferente; e, por isso, não saber que o seu pecado estava perdoado seria fazer de Deus mentiroso e tratar o sangue da oferta de expiação divinamente indicada como nula.

E se isto era verdadeiro quanto àquele que só podia descansar sobre o sangue de um bode, "quanto mais" se aplica àquele que tem o precioso sangue de Cristo para descansar. O crente vê em Cristo Aquele que foi julgado por todo o seu pecado — Aquele que, quando foi pendurado na cruz, suportou todo o fardo do seu pecado — Aquele que, havendo-Se tornado responsável por esse pecado, não poderia estar onde agora está se toda a questão do pecado não tivesse sido liquidada segundo todas as exigências da justiça divina. Cristo tomou de tal forma o lugar do crente na cruz — de tal maneira o crente se identificou com Ele — de tal forma Lhe foi imputado todo o pecado do crente, ali e então, que toda a questão da culpabilidade do crente — todo o pensamento da sua culpa —, toda a ideia de exposição à ira ou ao juízo está eternamente posta de parte*. Tudo foi resolvido na cruz entre a Justiça Divina e a Vítima Imaculada. E agora o crente está tão intimamente identificado com Cristo no trono quanto Cristo Se identificou com ele na cruz. A justiça não tem nenhuma acusação a fazer ao crente, porque não tem acusação alguma a fazer contra Cristo. A questão está assim liquidada, para sempre. Se pudesse apresentar-se uma acusação contra o crente, seria pôr em dúvida a realidade da identificação de Cristo com ele na cruz e a perfeição da obra de Cristo a seu favor. Se quando o adorador da antiguidade regressava a sua casa, depois de haver oferecido a sua expiação, alguém o tivesse acusado do mesmo pecado pelo qual havia sido derramado o sangue da vítima do seu sacrifício, qual teria sido a sua resposta? Só poderia ser esta: "O pecado foi removido pelo sangue da vítima, e Jeová disse estas palavras: 'Ser-lhe-á perdoado'". A vítima havia morrido no lugar dele; e ele vivia no lugar da vítima.

{* Temos um exemplo notavelmente belo na precisão divina das Escrituras em 2 Coríntios 5:21: ""Ele o fez pecado (hamartian epoiesen) por nós, para que nos tornássemos (ginometha) a justiça de Deus nele". O significado do vocábulo "fez" e "tornar" não é, como poderia supor-se, o mesmo em ambas as cláusulas desta passagem. }

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Uma Aplicação Prática para a Adoração

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Comparando o que se fazia do "sangue" com o que se fazia da "carne" ou do corpo do sacrifício, duas grandes ramificações da verdade se apresentam aos nossos olhos, isto é, a adoração e o discipulado. O sangue que era levado ao santuário é o fundamento da primeira. O corpo queimado fora do arraial é a base da segunda. Antes que possamos adorar, em paz de consciência e tranquilidade de coração, temos de saber, com base na autoridade da Palavra e pelo poder do Espírito, que a questão do pecado foi inteiramente resolvida para sempre pelo sangue da oferta divina de expiação — que o Seu sangue foi espargido com perfeição perante o Senhor — que todas as exigências de Deus e todas as nossas necessidades, como pecadores culpados e arruinados, foram satisfeitas para sempre. Este conhecimento dá perfeita paz; e, no gozo desta paz, adoramos a Deus. Quando um israelita da antiguidade oferecia a sua oferta de expiação, a sua consciência ficava em paz, na medida em que esse sacrifício era capaz de dar paz. E verdade é que era somente uma paz -- um descanso -- temporário, sendo o fruto de um sacrifício temporário. Porém, é claro que, qualquer que fosse o tipo de descanso que o sacrifício podia proporcionar, o oferente podia desfrutá-la. Portanto, sendo o nosso sacrifício divino e eterno, o nosso descanso é também divino e eterno. Assim como é o sacrifício, tal é o descanso baseado nele. Um judeu nunca poderia ter uma consciência eternamente purificada, simplesmente porque não tinha um sacrifício eternamente eficaz. Podia, de certo modo, ter a sua consciência purificada por um dia, um mês ou um ano; mas não podia tê-la purificada para sempre. "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. Porque se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?" (Hb 9:11-14).

Temos aqui a exposição plena e explícita da doutrina. O sangue de bodes e bezerros proporcionava uma redenção temporária; o sangue de Cristo proporciona eterna redenção. A primeira purificava a carne exteriormente; a última purifica interiormente. Aquela purificava a carne por algum tempo; esta purifica a consciência para sempre. A questão toda gira em torno, não do caráter ou condição do ofertante, mas, sim, do valor do sacrifício. A questão não é, de modo algum, se um cristão é melhor do que um judeu, mas se o sangue de Cristo é melhor do que o sangue de um novilho. Seguramente, é melhor. Melhor, até que ponto? Infinitamente melhor. O Filho de Deus comunica toda a dignidade da Sua pessoa divina ao sacrifício que ofereceu; e, se o sangue de um novilho purificava a carne por um ano, "quanto mais o sangue" do Filho de Deus purificará a consciência para sempre? Se aquele tirava algum pecado, quanto mais este tirará todo o pecado? 

C. H. Mackintosh

O Corpo da Vítima é Queimado fora do Arraial

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Havendo assim procurado indicar, em primeiro lugar, o que se fazia com "o sangue", e, em segundo lugar, o que se fazia da "gordura", temos agora de considerar o que se fazia da "carne". "Mas o couro do novilho e toda a sua carne..., todo aquele novilho, levará fora do arraial a um lugar limpo, onde se lança a cinza e o queimará com fogo sobre a lenha; onde se lança a cinza se queimará" (versículos 11,12). Neste fato temos a principal fase da oferta de expiação — aquela que a distingue tanto do holocausto como do sacrifício pacífico. A sua carne não era queimada sobre o altar, como no holocausto; nem tampouco era comida pelo sacerdote ou o adorador, como no sacrifício pacífico. Era queimada inteiramente fora do arraial*. "Porém nenhuma oferta pela expiação de pecado, cujo sangue se traz à tenda da congregação, para expiar no santuário, se comerá; no fogo será queimada" (Levítico 6:30). "E, por isso, também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta" (Hb 3:12).

{* O texto diz respeito unicamente à expiação de pecados em que o sangue era trazido para dentro do santuário. Havia ofertas pelo pecado das quais Arão e seus filhos participavam (veja-se Levítico 6:26-29; Números 18:9-10). }

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 12 de junho de 2020

A Gordura da Vítima: Imagem da Excelência de Cristo em sua Morte pelo Pecado

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Contudo, embora o objetivo principal na oferta de expiação do pecado seja mostrar o que Cristo se fez por nós, e não o que Ele era em Si mesmo, há um rito em relação a este símbolo que revela claramente a Sua aceitabilidade pessoal por Jeová. Este rito é estabelecido nas seguintes palavras: "E toda a gordura do novilho da expiação tirará dele: a gordura que cobre a fressura, e toda a gordura que está sobre a fressura, e os dois rins, e a gordura que está sobre eles, que está sobre as tripas, e o redenho de sobre o fígado, com os rins, tirará, como se tira do boi do sacrifício pacífico; e o sacerdote a queimará sobre o altar do holocausto" (versículos 8-10). Assim, a excelência intrínseca de Cristo não é omitida, nem mesmo na oferta de expiação do pecado. A gordura queimada sobre o altar é a expressão adequada da apreciação divina do valor da pessoa de Cristo, qualquer que fosse o lugar que, em perfeita graça, tomasse, em nosso favor ou em nosso lugar; foi feito pecado por nós, e a oferta de expiação é a sombra (a figura) divinamente indicada que O apresenta sob este aspecto. Porém, visto que era o Senhor Jesus Cristo, o eleito de Deus, o Santo, o Seu Filho puro, imaculado e eterno que foi feito pecado, a gordura da oferta de expiação era portanto queimada sobre o altar, como o material adequado para aquele fogo que era a exibição da santidade divina.

Mas até mesmo neste ponto vemos o contraste entre a oferta de expiação e o holocausto. No caso do último, não era apenas a gordura, mas toda a oferta que era queimada sobre o altar, porque representava Cristo sem relação alguma com o pecado. No caso da primeira, não havia nada a queimar sobre o altar senão a gordura, porque se tratava de uma questão de levar o pecado, embora o próprio Cristo tenha sido o que levou o pecado sobre Si. A glória divina da pessoa de Cristo brilha até mesmo por entre as trevas espessas desse madeiro de maldição a que consentiu que O pregassem como maldição por nós. A aversão daquilo com que, no exercício do amor divino, Ele ligou a Sua bendita pessoa, na cruz, não podia evitar que o cheiro suave do Seu valor subisse até ao trono de Deus. Vemos assim a revelação do profundo mistério da face de Deus se ter ocultado daquilo que Cristo se fez, e o modo como o coração de Deus se deleitou no que Cristo era. É isto que dá um encanto peculiar à oferta de expiação. Os raios brilhantes da glória pessoal de Cristo resplandecendo por entre a terrível escuridão do Calvário, o Seu valor pessoal destacando-se nas próprias profundidades da Sua humilhação, o deleite de Deus n'Aquele de quem havia ocultado a Sua face, em justificação da Sua justiça inflexível, tudo isto é mostrado no fato de a gordura da oferta de expiação do pecado ser queimada sobre o altar.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Outros Aspectos da Diferença entre o Holocausto e a Expiação do Pecado

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Bem, quanto mais compararmos todos os pormenores do holocausto e da oferta de expiação do pecado, tanto mais claramente compreenderemos a verdade do que tem sido acentuado a respeito do ato de impor as mãos e dos seus resultados, em ambos os casos.

No capítulo primeiro deste volume notamos o fato que "os filhos de Arão" são introduzidos no holocausto, mas não na oferta de expiação do pecado. Como sacerdotes, tinham o privilégio de permanecer em redor do altar e de contemplar a chama de um sacrifício aceitável subindo para o Senhor. Porém, na oferta de expiação do pecado, em seu aspecto primário, tratava-se de uma questão de julgamento solene do pecado, e não de adoração ou admiração sacerdotal; e, portanto, os filhos de Arão não aparecem. É como pecadores convictos que temos de tratar em relação a Cristo como o Antítipo da oferta de expiação do pecado. É como sacerdotes em adoração, vestidos com as vestes da salvação, que contemplamos Cristo como o Antítipo do holocausto.

Demais, o leitor poderá notar que o holocausto era "esfolado", enquanto que a oferta de expiação do pecado não o era. O holocausto era "partido em pedaços", mas a oferta de expiação do pecado não o era. A "fressura e as pernas" no holocausto eram "lavadas com água", cujo ato era inteiramente omitido na oferta de expiação do pecado. Finalmente, o holocausto era queimado em cima do altar; a oferta de expiação do pecado era queimada fora do arraial. São pontos de grande diferença provenientes do caráter distinto das oferendas. Sabemos que não há nada na Palavra de Deus sem o seu significado específico; e todo o estudioso inteligente e atento das Escrituras notará estes pontos de diferença; e, notando-os, procurará, naturalmente, determinar sua verdadeira importância. Pode haver ignorância quanto ao seu valor; mão não deveria haver indiferença a seu respeito. Em qualquer parte das páginas inspiradas, sobretudo uma tão rica como aquela que temos perante nós, omitir um simples ponto seria desonrar o Autor Divino e privar as nossas próprias almas de muito proveito. Deveríamo-nos debruçar sobre o mais simples pormenor, seja para louvar a Deus pela sabedoria nelas revelada por Ele, seja para confessar a nossa própria ignorância deles. Desprezá-los, com espírito de indiferença, é supor que o Espírito Santo tomou o incômodo de escrever coisas que não julgamos dignas de intentar compreender. Nenhum cristão reto deveria supor tal coisa. Se o Espírito, escrevendo sobre a ordenação da oferta de expiação do pecado, omitiu os diversos ritos a que nos referimos — ritos que ocupam um lugar proeminente na ordenação do holocausto — deve haver seguramente alguma razão para isso e qualquer propósito importante em o fazer. Devemos procurar compreender estes pontos; e, sem dúvida, eles resultam do propósito especial da mente divina em cada oferta. A oferta de expiação do pecado mostra aquele aspecto da obra de Cristo em que O vemos tomando judicialmente o lugar que nos pertencia moralmente. Por esta razão, não podemos procurar essa expressão intensa daquilo que Ele era em todos os motivos secretos de ação, patenteados no ato simbólico de "esfolar" o holocausto. Tampouco podia existir essa ampla exibição do que Ele era, não apenas como um todo, mas nos mais minuciosos traços do Seu caráter, conforme se vê no ato de partir o holocausto "em pedaços". Nem, ainda, podia haver aquela manifestação do que Ele era pessoal, prática e intrinsecamente, como se mostra no ato significativo de lavar a fressura e as pernas do holocausto com água.

Todas estas coisas pertenciam à fase de nosso bendito Senhor como Antítipo do holocausto, e só a essa, porque nela vêmo-Lo oferecendo-Se à vista, ao coração, e ao altar de Jeová, sem imputação de pecado, de ira ou de juízo. Na oferta de expiação do pecado, pelo contrário, em vez da ideia proeminente daquilo que Cristo é, temos o que é o pecado. Em vez da preciosidade de Jesus, encontramos a odiosidade do pecado. No holocausto, visto que é Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus e sendo aceito por Ele, vemos que se faz tudo para mostrar o que Ele era em todos os aspectos. Na oferta de expiação do pecado, visto tratar-se do pecado julgado por Deus, dá-se um caso precisamente oposto. Tudo isto é tão claro que não exige esforço da mente para o compreender. Deriva naturalmente do caráter distinto dessa figura.

C. H. Mackintosh

domingo, 7 de junho de 2020

A Imposição das Mãos: Identificação com a Vítima

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Vamos considerar agora o ato típico da imposição das mãos. Este ato era comum tanto ao holocausto como à oferta de expiação do pecado; porém, no caso do primeiro identificava o ofertante com a oferta sem mancha; no caso do segundo implicava a transferência do pecado do ofertante para a cabeça da oferenda. Era assim no tipo; e, quando consideramos o Antítipo (Cristo), aprendemos uma lição da natureza mais consoladora e edificante — uma verdade que, se fosse mais bem compreendida e plenamente realizada, proporcionaria uma paz muito mais constante do que aquela que geralmente se goza.

Qual é, pois, a doutrina exposta no ato da imposição das mãos? É esta: Cristo "foi feito pecado por nós para que nós fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:21). Ele tomou a nossa posição com todas as suas conseqüências para que nós pudéssemos ter a d'Ele com todas as suas consequências. Foi tratado como pecado sobre a cruz para que nós pudéssemos ser tratados como justiça na presença da santidade infinita. Foi retirado da presença de Deus porque levou o pecado sobre Si, por imputação, para que nós pudéssemos ser recebidos na casa de Deus e em Seu seio, porque, por imputação, temos uma perfeita justiça. Teve de suportar a ocultação do semblante de Deus para que nós pudéssemos gozar da luz desse semblante. Teve de passar três horas de trevas para que nós pudéssemos andar na luz eterna. Foi desamparado por Deus por um tempo, para que nós pudéssemos gozar a Sua presença para sempre. Tudo que nos era imposto, como pecadores arruinados, foi posto sobre Si para que tudo que Lhe era devido, como Realizador da redenção, pudesse ser nosso. Tudo foi contra Si quando foi pendurado no madeiro de maldição para que nada pudesse haver contra nós. Identificou-se conosco, na realidade da morte e do juízo, para que nós pudéssemos ser identificados Consigo, na realidade da vida e justiça. Bebeu o cálice da ira — o cálice do terror — para que nós pudéssemos beber o cálice da salvação — o cálice do favor infinito. Foi tratado conforme os nossos méritos para que nós pudéssemos ser tratados segundo os d'Ele.

Tal é a maravilhosa verdade ilustrada pelo ato cerimonial da imposição das mãos. Depois de o adorador ter posto a sua mão sobre a cabeça do holocausto, já não se tratava da questão do que ele era ou do que merecia: tornava-se inteiramente uma questão do que a oferta era segundo o juízo do Senhor. Se a oferta era sem mancha, o ofertante era-o também; se a oferta era aceite também o era o ofertante. Estavam perfeitamente identificados. O ato de impor as mãos constituía-os em um só aos olhos de Deus. Ele via o ofertante por meio da oferta. Era assim no caso do holocausto. Mas na oferta de expiação do pecado, quando o ofertante tinha posto a sua mão sobre a cabeça da oferta, tornava-se uma questão de saber o que o ofertante era e o que ele merecia. A oferta era tratada segundo os méritos do ofertante. Eram perfeitamente identificados. O ato de impor as mãos constituía-os em um, no juízo de Deus. O pecado do ofertante era tratado na oferta de expiação do pecado; a pessoa do ofertante era aceite no holocausto. Isto fazia uma grande diferença. Por isso, embora o ato de impor as mãos fosse comum às duas figuras, e, além disso, fosse expressivo, em ambos os casos de identificação, todavia as consequências eram tão diferentes quanto o podiam ser. O justo tratado como injusto; o injusto aceito no justo. "... Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus" (1 Pedro 3:18). Esta é a doutrina. Os nossos pecados levaram Cristo à cruz; mas Ele leva-nos a Deus. E se Ele nos leva a Deus é por Sua própria aceitabilidade como ressuscitado de entre os mortos, havendo tirado os nossos pecados, segundo a perfeição da Sua obra. Ele levou os nossos pecados para longe do santuário de Deus a fim de nos poder trazer perto, até mesmo ao lugar santíssimo, em inteira confiança de coração, tendo a consciência purificada de toda a mancha de pecado pelo Seu precioso sangue.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Comparação do Holocausto com o Sacrifício pelo Pecado -- Parte 2

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Quando consideramos, em primeiro lugar, o holocausto, notamos que era uma oferta voluntária. "... a oferecerá de sua própria vontade perante o Senhor"*. Ora, o vocábulo "própria" não é mencionado na expiação pelo pecado. É precisamente o que poderíamos esperar. A omissão está de perfeito acordo com o alvo específico do Espírito Santo no holocausto, que é apresentá-lo como uma oferta voluntária. Era a comida e bebida de Cristo fazer a vontade de Deus, qualquer que pudesse ser essa vontade. Nunca pensou em inquirir quais eram os ingredientes do cálice que Seu Pai ia pôr em Suas mãos. Bastava-Lhe saber que o Pai o havia preparado. Assim acontecia com o Senhor Jesus simbolizado no holocausto. Porém, na oferta de expiação do pecado temos uma linha de verdade completamente diferente. Este símbolo apresenta Cristo aos nossos pensamentos, não como Aquele que realiza voluntariamente a vontade de Deus, mas como Aquele que levou sobre Si essa coisa terrível chamada "pecado", e como o Sofredor de todas as suas consequências aterradoras, das quais a mais aterradora, para Si, consistiu em que Deus ocultasse d'Ele o Seu rosto. Por isso, a palavra "própria" não estaria de acordo com o objetivo do Espírito na oferta de expiação pelo pecado. Esta expressão estaria tão deslocada neste símbolo como está divinamente em seu lugar no holocausto. O seu emprego e a sua omissão são igualmente divinos; e mostram, tanto uma como a outra, a precisão perfeita e divina dos tipos de Levítico.
{* Alguns podem encontrar dificuldade no fato de a palavra "própria" se referir ao adorador e não ao sacrifício; mas isto não pode de modo algum afetar a doutrina exposta no texto, que é fundada no fato de que uma palavra empregada no holocausto é omitida na oferta de expiação pelo pecado. O contraste subsiste, quer pensemos no ofertante ou na oferta. }

Ora, o ponto de contraste que temos estado a considerar explica, ou, antes, harmoniza, duas expressões empregadas por nosso Senhor. Em uma ocasião diz: "... não beberei eu o cálice que o Pai me deu?" E, todavia, diz também: "Meu Pai, se é possível passe de mim este cálice". A primeira destas expressões era o perfeito cumprimento das palavras com que havia começado a Sua carreira, a saber: "Eis aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade"; e é, além disso, a elocução de Cristo como o holocausto. A última, por outro lado, é a exclamação de Cristo quando contemplava o lugar que estava prestar a ocupar como sacrifício pelo pecado. O que esse lugar era e o que Lhe estava reservado, tomando-o, é o que veremos no prosseguimento do nosso estudo; é contudo interessante e instrutivo encontrar toda a doutrina dos dois sacrifícios encerrada, com efeito, no fato de uma simples palavra ser introduzida em um e omitida no outro. Se encontramos no holocausto a prontidão com que Cristo Se ofereceu a Si mesmo para o cumprimento da vontade de Deus, na expiação do pecado vemos com que profunda abnegação tomou todas as consequências do pecado do homem e como chegou à distância longínqua da posição do homem no que se referia a Deus. Deleitava-se em fazer a vontade de Deus; estremecia ante a ideia de perder, por um momento, a luz do Seu bendito rosto. Nenhum sacrifício podia tê-lo simbolizado debaixo destes dois aspectos ao mesmo tempo. Precisávamos de uma figura que no-Lo apresentasse como Aquele que se comprazia em fazer a vontade de Deus; e necessitávamos de uma figura que no-Lo mostrasse como Aquele cuja natureza santa retrocedia ante as consequências do pecado imputado. Bendito seja Deus, temos tanto uma como a outra. O holocausto mostra-nos uma, a oferta de expiação dá-nos a outra. Pelo que quanto mais aprofundamos o afeto do coração de Cristo a Deus, mais compreendemos o Seu horror ao pecado; e vice-versa. Cada um destes símbolos põe em relevo o outro; e o emprego da palavra "própria" em um e não no outro fixa a importância especial de cada um.

Mas, pode perguntar-se, não era da vontade de Deus que Cristo Se oferecesse em sacrifício de expiação pelo pecado? E, se assim é, como podia hesitar em cumprir essa vontade? Seguramente o conselho de Deus tinha determinado que Cristo sofresse. Além disso era o prazer de Cristo fazer a vontade de Deus. Porém, como devemos compreender a expressão, "Se é possível passe de mim este cálice"? Não é a exclamação de Cristo? E não existe uma figura expressa d'Aquele que a proferiu? Certamente. Haveria uma lacuna grave entre as figuras da dispensação Moisaica se não houvesse uma para refletir o Senhor Jesus na atitude exata em que essa expressão O apresenta. Contudo, o holocausto não O apresenta assim. Não há uma só circunstância em relação com essa oferta que corresponda a uma tal linguagem. Só a oferta de expiação do pecado oferece a figura apropriada ao Senhor Jesus como Aquele que exalou esses acentos de intensa agonia, porque só nela encontramos as circunstâncias que evocaram tais acentos das profundezas da Sua alma imaculada. A sombra terrível da cruz, com a sua ignomínia, a sua maldição e a sua exclusão da luz da face de Deus, passava pelo Seu espírito e Ele não podia sequer contemplá-la sem exclamar: "Se é possível passe de mim este cálice". Porém, logo após ter pronunciado estas palavras, Sua profunda submissão se mostra nestas palavras: "faça-se a tua vontade". Que "cálice" amargoso deve ter sido para arrancar de um coração perfeitamente submisso as palavras "passe de mim"! Que perfeita submissão deve ter havido para, em presença do cálice amargoso, o coração ter exclamado "faça-se a tua vontade"!

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Comparação do Holocausto com o Sacrifício pelo Pecado -- Parte 1

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Vamos prosseguir agora com a comparação entre o sacrifício pelo pecado e o holocausto, em cujo confronto encontraremos dois aspectos de Cristo muito diferentes. Porém, embora os aspectos sejam diferentes, é um só e o mesmo Cristo; e, por isso, em ambos os casos, o sacrifício era "sem mancha". Isto é fácil de compreender. Não importa sob que aspecto contemplamos o Senhor Jesus Cristo, Ele é sempre o mesmo Ser perfeito, imaculado e santo. É verdade que, em Sua abundante graça, teve de curvar-Se para tomar sobre Si o pecado do Seu povo; mas foi como um Cristo perfeito, puro, que o fez; e seria nada menos do que perversidade diabólica alguém valer-se da profundidade da Sua humilhação para manchar a glória pessoal d'Aquele que assim se humilhou. A excelência intrínseca, a pureza inalterável e a glória divina do nosso bendito Senhor aparecem no sacrifício pelo pecado tão claramente como no holocausto. Seja em que relação for que Ele se apresente, em qualquer ocupação ou obra que execute, ou posição que ocupe, as Suas glórias pessoais brilham em todo o esplendor divino.

Esta verdade de um só e o mesmo Cristo, quer seja no holocausto ou no sacrifício pelo pecado, vê-se não apenas no fato de que, em ambos os casos, a oferta era "sem mancha", como também na "lei da expiação do pecado", na qual lemos: "Esta é a lei da expiação do pecado no lugar onde se degola o holocausto, se degolará a oferta pela expiação do pecado perante o Senhor; coisa santíssima é" (Levítico 6:25). Os dois tipos indicam um e o mesmo grande Antítipo, embora o apresentem sob aspectos diferentes da Sua obra. No holocausto vemos Cristo correspondendo aos afetos divinos; na expiação do pecado vemo-Lo satisfazendo as profundidades da necessidade humana. Aquele apresenta-O como Aquele que cumpre a vontade de Deus; este como Aquele que levou o pecado do homem. No primeiro aprendemos qual é o elevado preço do sacrifício; no último o que é a aversão de Deus ao pecado. Isto basta quanto às duas ofertas, em geral. Um exame minucioso dos pormenores não fará mais do que confirmar a mente na verdade desta asserção.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 3 de junho de 2020

A Exigência da Santidade Divina ante a Ignorância do Crente

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Nada pode demonstrar tão claramente a incapacidade do homem para tratar do pecado como o fato de existir aquilo que é descrito como "pecado por ignorância". Como poderia ele tratar daquilo que não conhece? Como poderia ele dispor daquilo que nunca entrou nos limites da sua consciência? Seria impossível. A ignorância em que o homem está acerca do pecado é prova da sua absoluta incapacidade para o tirar. Se não o conhece, que pode fazer acerca dele? Nada. É tão impotente como ignorante. E isto não é tudo. O fato de haver "pecado por ignorância" demonstra claramente a incerteza que deve acompanhar toda a solução humana para a questão do pecado, a qual não pode aplicar-se a noções mais elevadas do que aquelas que podem resultar da mais refinada consciência humana. Nunca poderá haver paz duradoura sobre este fundamento. Existirá sempre a compreensão dolorosa de que ainda há alguma coisa errada por baixo dos panos. Se o coração não for conduzido a um estado de repouso permanente pelo testemunho da Escritura de que os direitos inflexíveis da justiça divina foram satisfeitos, haverá, necessariamente, uma sensação de mal-estar, e uma tal sensação representa um obstáculo à nossa adoração, à nossa comunhão e ao nosso testemunho. Se eu me sentir inquieto a respeito da solução da questão do pecado, não posso adorar; não posso gozar de comunhão com Deus nem com o Seu povo; nem tampouco posso ser uma testemunha inteligente ou apta de Cristo. O coração tem de estar tranquilo, perante Deus, quanto à perfeita remissão do pecado, antes de podermos "adorar em espírito e verdade". Se houver culpa sobre a consciência, deve haver terror no coração; e, seguramente, um coração cheio de terror não pode ser um coração feliz e adorador. É somente de um coração cheio desse doce e santo descanso que proporcionou o sangue de Cristo que pode subir adoração verdadeira e aceitável ao Pai. O mesmo princípio é verdadeiro a respeito da nossa comunhão com o povo de Deus, e o nosso serviço e testemunho entre os homens. Tudo deve descansar sobre o fundamento da paz estabelecida; e esta paz descansa sobre o fundamento de uma consciência perfeitamente purificada; e esta consciência purificada descansa sobre o fundamento da perfeita remissão de todos os nossos pecados, quer sejam pecados do nosso conhecimento ou pecados por ignorância.

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 1 de junho de 2020

O Pecado por Ignorância

(Comentário Levítico 4 - 5:13OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)

Havendo assim dito o bastante quanto às três categorias de sacrifício pelo pecado, vamos proceder ao exame, pormenorizado dos princípios desenvolvidos na primeira classe. Fazendo-o, poderemos formar, até certo ponto, uma ideia exata dos princípios de todos os demais. Desejo contudo, ao entrar na comparação direta antes referida, chamar a atenção do leitor para um ponto notável que é revelado no segundo verso deste capítulo. "Quando uma alma pecar, por ignorância". Isto apresenta uma verdade de profunda bem-aventurança em relação com a expiação do Senhor Jesus Cristo. Ao contemplarmos essa expiação, vemos infinitamente mais do que a simples satisfação das exigências da consciência, ainda que essa consciência tivesse atingido o ponto mais alto de polida sensibilidade. Temos o privilégio de ver nela o que satisfaz plenamente todas as exigências da santidade divina, da justiça divina e da majestade divina. A santidade da habitação de Deus e o fundamento da Sua união com o Seu povo nunca poderiam ser regulamentadas pelo padrão da consciência do homem, por muito elevado que esse padrão pudesse ser. Há muitas coisas que a consciência do homem omitiria — muitas coisas que poderiam escapar à percepção do homem —, muitas coisas que o seu coração poderia considerar lícitas, mas que Deus não poderia tolerar; e que, como consequência, interfeririam na aproximação do homem de Deus, impedi-lo-ia de render adoração e prejudicaria seu relacionamento com Deus. Pelo que, se a expiação de Cristo fizesse apenas provisão para os pecados que estão ao alcance da compreensão do homem, nós estaríamos muito aquém do verdadeiro fundamento da paz. Precisamos compreender que o pecado foi expiado segundo a avaliação que Deus fez dele — que as exigências do Seu trono foram perfeitamente cumpridas —, o pecado, tal qual é visto à luz da Sua inflexível santidade, foi divinamente julgado. É isto que dá paz segura à alma. Fez-se perfeita expiação tanto pelos pecados de ignorância do crente como pelos seus pecados conhecidos. O sacrifício de Cristo é o fundamento do seu relacionamento e comunhão com Deus, segundo a apreciação divina das Suas exigências.

Um conhecimento claro deste fato é de incalculável valor. A não ser que se lance mão deste aspecto da expiação, não pode haver paz firme, nem poderá haver compreensão moral da extensão e plenitude da obra de Cristo ou da verdadeira natureza do relacionamento baseado nela. Deus sabia o que era necessário para que o homem pudesse estar na Sua presença sem o mais simples temor; e fez para isso ampla provisão na cruz. A comunhão entre Deus e o homem seria inteiramente impossível se o pecado não tivesse sido liquidado segundo os pensamentos de Deus sobre ele; porque, embora a consciência do homem pudesse ficar satisfeita, levantar-se-ia sempre a pergunta: Deus ficou satisfeito? Se esta pergunta não pudesse ser respondida afirmativamente, a comunhão nunca poderia subsistir*. O pensamento de que nos pormenores da vida se manifestam coisas que a santidade divina não pode tolerar incomodaria continuamente o coração. Decerto, podemos fazer essas coisas "por ignorância"; porém isto não poderia alterar o questão diante de Deus, visto que tudo é do Seu conhecimento. Por isso, haveria constante receio, dúvida e temor. Todas estas coisas são divinamente atendidas pelo fato de que o pecado foi expiado, não segundo a nossa "ignorância", mas conforme o conhecimento de Deus. Esta certeza dá grande descanso ao coração e à consciência. Todas as exigências de Deus foram satisfeitas pela Sua própria obra. Ele Próprio fez a provisão; e, portanto, quanto mais refinada se torna a consciência do crente, sob a ação combinada da Palavra e do Espírito de Deus — quanto mais ele cresce no conhecimento divinamente adaptado a tudo o que convém moralmente ao santuário —, tanto mais sensível ele se torna a tudo que é incompatível com a presença divina, e mais vigorosa, clara e profunda será a sua compreensão do valor infinito daquele sacrifício pelo pecado que não só ultrapassa os limites da consciência humana, mas satisfaz também, em perfeição absoluta, todas as exigências da santidade divina.

{* Desejo lembrar que o ponto saliente no texto é simplesmente expiação. O leitor cristão sabe muito bem, sem dúvida, que a posse da "natureza divina" é essencial à comunhão com Deus. Eu preciso não só de um direito de me aproximar de Deus, mas também de uma natureza para desfrutar d'Ele. A alma que "crê no Filho unigênito de Deus" tem tanto um como a outra (veja-se João 1:12-13; 3:36; 5:24; 20:31; 1 João 5:11-13).}

C. H. Mackintosh

sábado, 30 de maio de 2020

Os Sacrifícios pelo Pecado

(Comentário Levítico 4 - 5:13: OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)
 
Tendo considerado as ofertas de "cheiro suave", chegamos agora aos "sacrifícios pelo pecado". Estes eram divididos em duas classes, a saber, sacrifícios pelo pecado e expiação do pecado. Na primeira havia três categorias; primeiro, o sacrifício pelo "sacerdote ungido" e por "toda a congregação". Estes dois tinham os mesmos ritos e cerimônias (compare-se os versículos 3 a 12 com os versículos 13 a 23). Era o mesmo, quer tivesse sido o representante da assembleia ou a própria assembleia que tivesse pecado. Em qualquer dos casos, três coisas estavam envolvidas: a habitação de Deus na assembleia, a adoração da assembleia e a consciência individual. Ora, visto que as três coisas dependiam do sangue, verificamos que, na primeira categoria do sacrifício pelo pecado, três coisas eram feitas com o sangue. Era aspergido "sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário". Isto assegurava as relações de Jeová com o povo e a Sua habitação no meio deles. Depois lemos: "Também porá o sacerdote daquele sangue sobre as pontas do altar do incenso aromático, perante o Senhor, altar que está na tenda da congregação". Isto assegurava a adoração da assembleia. Pondo o sangue sobre "o altar de ouro", a verdadeira base de adoração era mantida, de forma que a chama do incenso e a sua fragrância podiam subir continuamente. Finalmente, "todo o resto do sangue do novilho derramará à base do altar do holocausto, que está à porta da tenda da congregação". Aqui temos o que satisfaz plenamente as exigência da consciência de cada indivíduo; pois o altar de cobre era o lugar de acesso individual. Era onde Deus encontrava o pecador.

Nas outras duas categorias, para "um príncipe" ou "qualquer outra pessoa do povo da terra", era apenas uma questão de consciência individual; e portanto uma única coisa era feita com o sangue. Era todo derramado "à base do altar do holocausto" (compare-se verso 7 com os versos 25, 30). Existe em tudo isto uma precisão divina que requer toda a atenção do leitor, se deseja compreender os pormenores maravilhosos desta figura*.

{* Entre a oferta por "um príncipe" e a oferta por "qualquer outra pessoa" há esta diferença: na primeira era um "macho sem mancha"; na última "uma fêmea sem mancha". O pecado de um príncipe exercia necessariamente maior influência do que o de uma pessoa comum; e, portanto, era necessária uma aplicação mais poderosa do valor do sangue. Em Lv 5:13 encontramos casos que requerem uma aplicação ainda mais inferior à da oferta de expiação pelo pecado — casos de juramento e de contato com formas de impureza, em que "a décima parte de um efa de flor de farinha" era admitido como oferta de expiação pelo pecado (Veja-se Lv 5:11-13). Que contraste entre o aspecto de expiação apresentado por um bode de um príncipe e a mão-cheia de flor de farinha de um pobre homem! E, todavia, no último, tão certo como no primeiro, lemos, "e ser-lhe-á perdoado".

O leitor há de notar que o capítulo 5:1-13 forma uma parte do capítulo 4. Ambos estão compreendidos sob o mesmo título, e apresentam a doutrina da oferta de expiação do pecado, em todas as suas aplicações, desde um bode a uma mão-cheia de flor de farinha. Cada classe de oferta é anunciada pelas palavras. "Falou mais o Senhor a Moisés". Assim, por exemplo, com as ofertas de "cheiro suave" (capítulos 1-3) são introduzidas pelas palavras: "E chamou o Senhor a Moisés". Estas palavras não são repetidas até ao capítulo 4:1, onde introduzem o sacrifício de expiação do pecado. Ocorrem outra vez no capítulo 5:14, onde é introduzida a oferta de transgressão por pecados cometidos "nas coisas sagradas do Senhor"; e outra vez no capítulo 6:1, onde introduzem a oferta de transgressão por pecados cometidos contra o Senhor no tocante ao seu próximo.

É uma classificação bela e simples, e pode auxiliar o leitor a compreender as diversas classes de ofertas. Quanto às diversas categorias em cada classe, "um bode", "um carneiro", "uma fêmea", "uma pomba", "uma mão-cheia de flor de farinha", parece serem outras tantas aplicações diversas da mesma grande verdade.}

O efeito do pecado individual não podia prolongar-se para além dos limites da consciência do indivíduo. O pecado de "um príncipe" ou de "qualquer outra pessoa do povo", não podia, em sua influência, atingir "o altar do incenso" — o lugar da adoração sacerdotal. Não podia tão-pouco chegar ao "véu do santuário" — o limite sagrado da habitação de Deus no meio do Seu povo. É bom ponderar isto. Nunca devemos levantar uma questão de pecado pessoal ou falta no lugar de culto sacerdotal ou na assembleia. Deve ser tratada no lugar de aproximação pessoal. Muitos erram sobre este ponto. Vêm à assembleia ou lugar público de culto com a sua consciência manchada, e desta forma arrastam toda a assembleia e contaminam o seu culto. Este mal deveria ser rigorosamente examinado e deveria haver cuidadosa vigilância contra ele. Precisamos andar com maior vigilância para que a nossa consciência possa estar sempre na luz. E quando falhamos, como, infelizmente, acontece em tantas coisas, devemos tratar com Deus sobre a nossa falta em oculto*, para que a nossa verdadeira adoração e a posição da assembleia possam ser mantidas sempre plenamente com clareza diante da alma.

{* N. do T.: há pecados, especialmente aqueles que mancham o testemunho, que devem sim ser confessados aos irmãos que tomam posição de liderança na assembleia (não a toda a assembleia), de modo que os irmãos possam colocar diante do Senhor e tomar decisões de disciplina e restauração que podem ser necessárias. Vide, por exemplo, 1 Coríntios 5 e Tiago 5:16. Mais sobre disciplina na assembleia:

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Culto

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Esse último ponto (a ligação entre a doutrina do sacrifício pacífico e a adoração cristã) está relacionado e baseado em outra verdade fundamental da "lei do sacrifício pacífico". "Mas a carne do sacrifício de louvores da sua oferta pacífica se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até amanhã." Quer dizer, a comunhão do adorador nunca deve separar-se do sacrifício sobre o qual a comunhão está baseada. Na medida em que se tenha energia espiritual para manter essa conexão, o culto (adoração) e a comunhão subsistirão em frescura e aceitação. Devemos estar perto do sacrifício, no espírito do nosso entendimento, nas afeições do nosso coração e na experiência das nossas almas. É isto que dará poder e duração ao nosso culto. Pode acontecer de começarmos qualquer ato ou expressão de culto com os nossos corações ocupados imediatamente com Cristo; e, antes de chegarmos ao fim, estarmos ocupados com o que estamos fazendo ou dizendo ou com as pessoas que nos escutam; e, desta forma, caímos naquilo que pode se chamar de "iniquidade nas nossas coisas santas". Isto é profundamente solene e deveria tornar-nos vigilantes. Começamos o culto no Espírito e acabamos na carne. Devemos ter sempre o cuidado de não nos apressarmos a proceder, nem por um momento, para além da energia do Espírito, porque o Espírito manter-nos-á sempre ocupados com Cristo. Se o Espírito Santo nos inspira "cinco palavras" de adoração ou de ações de graças, pronunciemos as cinco e calemo-nos. Se continuarmos a falar, estamos comendo a carne do nosso sacrifício além do tempo fixado; e isso, longe de ser "aceitável", é, na realidade, "uma abominação". Lembremo-nos disto e vigiemos. Não há necessidade para alarme. Deus quer que sejamos guiados pelo Espírito e assim cheios de Cristo em todo o nosso culto. Ele só pode aceitar aquilo que é divino; e, portanto, não quer que seja apresentado nada senão o que é divino.

"E, se o sacrifício da sua oferta for voto ou oferta voluntária, no dia em que oferecer o seu sacrifício se comerá; e o que dele ficar também se comerá no dia seguinte" (Levítico 7:16). Quando a alma se eleva a Deus em um ato voluntário de adoração, tal adoração provêm de uma maior medida de energia espiritual do que quando procede simplesmente de alguma graça particular do próprio momento. Se se há recebido uma favor especial da mão do Senhor, a alma eleva-se imediatamente em ação de graças. Neste caso, o culto é suscitado por e ligado com esse favor ou misericórdia, qualquer que possa ser, e acaba aí. Porém quando o coração é levado pelo Espírito Santo a qualquer expressão voluntária ou deliberada de louvor, o culto terá um caráter mais duradouro. De qualquer forma, o culto espiritual ligar-se-á sempre com o precioso sacrifício de Cristo.

"E o que ainda ficar da carne do sacrifício ao terceiro dia será queimado no fogo. Porque, se da carne do seu sacrifício pacífico se comer ao terceiro dia, aquele que a ofereceu não será aceito, nem lhe será imputado; coisa abominável será, e a pessoa que comer dela levará a sua iniquidade". Nada tem qualquer valor, segundo o juízo de Deus, senão aquilo que está intimamente ligado com Cristo. Pode existir muita aparência de culto, e ser, afinal, a mera excitação e expressão de sentimentos naturais. Pode haver uma grande aparente devoção, que é, simplesmente, devoção carnal. A natureza pode excitar-se, no campo religioso, de diversas maneiras, tais como pompa, cerimônias, procissões, atitudes, ricas vestimentas, uma liturgia eloquente e todos os atrativos de um esplêndido ritualismo; e, contudo, pode haver uma absoluta ausência de culto espiritual. Sim, acontece frequentemente que os mesmos gostos e inclinações que são excitados e satisfeitos por formas pomposas de um culto chamado religioso, encontrariam um alimento mais apropriado na ópera ou nos concertos.

Aqueles que sabem e que desejam lembrar-se que "Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-Lo em espírito e em verdade" (João 4:24) devem pôr-se em guarda contra tudo isso. A religião, assim chamada, reveste-se, em nossos dias, dos mais poderosos atrativos. Deixando para trás a grosseria da idade média, ela chama em seu auxílio todos os recursos de gosto requintado de um século iluminado e culto. A escultura, a música, e a pintura* vazam os seus ricos tesouros no seu seio, a fim de que ela possa, com isso, preparar um poderoso narcótico para embalar as multidões irrefletidas numa sonolência que só será interrompida pelos indescritíveis horrores da morte, do juízo e do lago de fogo. Ela pode também dizer: "Sacrifícios pacíficos tenho comigo; hoje paguei os meus votos... Já cobri a minha cama com cobertas de tapeçaria, com obras lavradas com linho fino do Egito; já perfumei o meu leito com mirra, aloés e canela" (Provérbios 7:14-17). Assim a religião corrompida seduz, por sua poderosa influência, aqueles que não querem escutar a voz celestial da sabedoria.

{*N. do T.: Este texto foi escrito no século XIX. Hoje em dia, vemos outros entretenimentos mundanos que foram introduzidas no culto religioso na cristandade, tais como teatro, dança e cinema.}
 
Guarde-se o leitor de tudo isso. Certifique-se de que o seu culto está inseparavelmente ligado com a obra da cruz. Veja se Cristo é o fundamento, Cristo o elemento e o Espírito Santo o poder do seu culto. Guarde-se de que o ato exterior do seu culto não se alongue para além deste poder íntimo. É necessária muita vigilância para se evitar esse mal. Os seus manejos secretos são dos mais difíceis de detectar e impedir. Podemos começar um hino no verdadeiro espírito de culto, e, por falta de poder espiritual, podemos, antes de chegar ao fim, cair no mal que corresponde ao ato cerimonial de comer a carne do sacrifício pacífico ao terceiro dia. A nossa única salvaguarda consiste em estarmos perto de Jesus. Se elevarmos os nossos corações em "ações de graças" por qualquer mercê especial, façamo-lo no poder do nome e do sacrifício de Cristo. Se as nossas almas se elevam em adoração "voluntária", que seja na energia do Espírito Santo. Deste modo o nosso culto terá aquele frescor, aquela fragrância e profundidade de tom, aquela elevação moral, que devem resultar do fato de se ter o Pai por objeto, o Filho por fundamento e o Espírito Santo como o poder de nosso culto.

Que assim seja, ó Senhor, com todos os que te adoram, até nos encontrarmos em corpo, alma e espírito na segurança da tua presença eterna, fora do alcance de toda a influência perniciosa do falso culto e da religião corrompida, e também fora do alcance dos diferentes impedimentos que provêm destes corpos de pecado e morte que trazemos em nós!

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NOTA: É interessante observar que, embora o sacrifício pacífico seja o terceiro na ordem dos sacrifícios, contudo "a Lei" dele é dada depois de todos. Esta circunstância não deixa de ter a sua importância. Em nenhum dos sacrifícios a comunhão do adorador é tão claramente revelada como no sacrifício pacífico. No holocausto vemos Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus. Na oferta de manjares, temos a perfeita humanidade de Cristo. Depois, passando à expiação do pecado, aprendemos que o pecado em sua raiz é inteiramente expiado. Na expiação da culpa, há plena provisão para os pecados na vida presente. Mas em nenhum é revelada a comunhão do adorador. A comunhão pertence ao "sacrifício pacífico"; e, daí, creio, a posição que ocupa a ''lei deste sacrifício". Aparece no fim de todas, ensinando-nos com isso que, quando se trata de uma questão de a alma se alimentar de Cristo, tem de ser um Cristo completo, considerado sob todas as fases possíveis da Sua vida — o Seu caráter, a Sua Pessoa, Sua Obra, e Seus ofícios. E, além disso, que, quando tivermos acabado para sempre com o pecado e os pecados, deleitar-nos-emos em Cristo e nos alimentaremos d'Ele por todos os séculos eternos. Seria, creio, uma falta grave no nosso estudo dos sacrifícios se deixássemos de considerar uma circunstância tão digna de ser notada como a que acabamos de frisar. Se a "lei do sacrifício pacífico" fosse dada pela ordem em que ocorre, o próprio sacrifício viria imediatamente depois da lei da oferta de manjares; porém em vez disso, são dadas "a lei da expiação do pecado" e "a lei da expiação da culpa" e, então, em conclusão, segue-se a "lei do sacrifício pacífico".

C. H. Mackintosh

domingo, 24 de maio de 2020

A Ceia do Senhor

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Antes de deixarmos esta parte do assunto, quero fazer uma observação sobre a ceia do Senhor, que, sendo um ato proeminente da comunhão da Igreja, pode, com estrita propriedade, ser considerada em ligação com a doutrina do sacrifício pacífico. A celebração inteligente da ceia do Senhor deve depender sempre do reconhecimento do Seu caráter puramente de ação de graças. É especialmente uma festa de ação de graças — ação de graças por uma redenção cumprida. "Porventura, o cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é, porventura, a comunhão do corpo de Cristo?" (1 Coríntios 10:16). Por isso, uma alma curvada sob o peso do fardo do pecado não pode comer a ceia do Senhor com inteligência espiritual, visto que essa festa é expressiva da completa remoção do pecado pela morte de Cristo: "... anunciais a morte do Senhor, até que venha" (1 Coríntios 11:26). Na morte de Cristo, a fé vê o fim de tudo que pertencia ao nosso lugar na velha criação; e, visto que a ceia do Senhor anuncia essa morte, deve ser considerada como a recordação do fato glorioso que o fardo do pecado do crente foi levado por Aquele que o tirou para sempre. Declara que a cadeia dos nossos pecados, com que estávamos presos e amarrados, foi partida para sempre pela morte de Cristo e não pode jamais prender-nos ou amarrar-nos de novo. Nós reunimo-nos ao redor da mesa do Senhor com toda a alegria de vencedores. Volvemos os olhos para a cruz onde se travou e ganhou a batalha; e antevemos a glória em que entraremos nos resultados plenos e eternos da vitória.

Decerto, temos "fermento" em nós; mas não temos nenhuma "imundície" sobre nós. Não temos que fixar os olhos nos nossos pecados; mas, sim, n'Aquele que os levou sobre a cruz e os tirou para sempre. Não temos de nos enganar a nós mesmos com a ideia presunçosa de que "não temos pecado" em nós; nem vamos negar a verdade da Palavra de Deus e a eficácia do sangue de Cristo recusando alegrarmo-nos com a verdade preciosa que não temos pecado sobre nós, porque "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado". É verdadeiramente deplorável ver a nuvem carregada que se forma sobre a ceia do Senhor, com o parecer de tantos cristãos professos. Este fato contribui, tanto como tudo o mais, para revelar a enorme falta de compreensão a que se pode chegar com respeito às verdades mais elementares do evangelho. De fato, sabemos que, quando a ceia do Senhor é tomada por uma razão qualquer que não seja o conhecimento da salvação — o gozo do perdão, a consciência da libertação —, a alma é envolvida em nuvens mais escuras e espessas do que nunca. Aquilo que deveria ser apenas um memorial de Cristo é usado para tirá-Lo de Seu lugar de direito. Aquilo que deveria celebrar uma redenção efetuada é empregado como um degrau para alcançá-la. É assim que se abusa das ordenações, as almas são submergidas nas trevas e cai-se na confusão e no erro.

Quão diferente é a bela ordenação do sacrifício pacífico! Neste, considerado sob a sua importância simbólica, vemos que, logo que o sangue era derramado, Deus e o adorador podiam alimentar-se em feliz e pacífica comunhão. Nada mais era necessário. A paz estava estabelecida pelo sangue; e, sobre essa base, prosseguia a comunhão. Uma simples dúvida quanto ao estabelecimento da paz é fatalmente o golpe mortal na comunhão. Se estamos ocupados com esforços inúteis para conseguir a paz com Deus, então desconhecemos totalmente o que é a comunhão e o culto. Se o sangue do sacrifício pacífico não foi derramado, é impossível alimentarmo-nos com "o peito" ou a "espádua". Mas, por outro lado, se o sangue foi derramado, então a paz já está feita. Deus mesmo fez a paz e isto é bastante para a fé; e, portanto, pela fé temos comunhão com Deus, no conhecimento e gozo da redenção efetuada. Provamos a frescura do próprio gozo de Deus naquilo que Ele fez. Alimentamo-nos de Cristo em toda a plenitude e bem-aventurança da presença de Deus.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 22 de maio de 2020

O "Pecado" e os "Pecados"

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Esta série de pensamentos está intimamente relacionada e plenamente confirmada por dois princípios estabelecidos na "lei do sacrifício pacífico".

No versículo 13 do capítulo 7 de Levítico lemos: "Com os bolos oferecerá pão levedado". E ainda no versículo 20 lemos: "Porém, se alguma pessoa comer a carne do sacrifício pacífico, que é do Senhor, tendo ela sobre si a sua imundícia, aquela pessoa será extirpada dos seus povos". Aqui temos as duas coisas claramente postas diante de nós, a saber; o pecado em nós e o pecado sobre nós. O "fermento" era permitido porque havia pecado na natureza do adorador. A "imundícia" não era permitida porque não devia haver pecado na consciência do adorador. Onde há pecado não pode haver comunhão. Deus proveu expiação para o pecado, que Ele sabe estar em nós, pelo sangue da expiação. Por isso, lemos acerca do pão levedado no sacrifício pacífico: "E de toda oferta oferecerá um deles por oferta alçada ao Senhor, que será do sacerdote que espargir o sangue da oferta pacífica" (versículo 14). Em outras palavras, o "fermento"* na natureza do adorador estava perfeitamente expiado pelo "sangue" do sacrifício. O sacerdote que recebe o pão levedado é quem deve espargir o sangue. Deus afastou da Sua vista o nosso pecado para sempre. Apesar do pecado estar em nós, não é objeto para fixar os Seus olhos. Ele vê só o sangue; e portanto pode andar conosco e consentir ininterrupta comunhão consigo. Porém, se permitirmos que "o pecado" que está em nós se desenvolva na forma de "pecados", então tem de haver confissão, perdão e purificação, antes de podermos comer outra vez da carne da oferta pacífica. A exclusão do adorador, por causa de impureza mencionada no cerimonial, corresponde à suspensão de um crente da comunhão, por causa de pecado por confessar. Intentar ter comunhão com Deus em nossos pecados implicaria na blasfema insinuação de que Ele poderia andar em companhia do pecado. "Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos em trevas, mentimos e não praticamos a verdade" (1 João 1:6).
 
{* O leitor não deve esquecer que o fermento é sempre um símbolo do mal (N. do T.).}

A luz dessa linha de verdade, podemos finalmente ver o quanto erramos quando supomos ser um sinal de espiritualidade estarmos ocupados com os nossos pecados. Poderia o pecado ou os pecados jamais serem o fundamento ou alimentar a nossa comunhão com Deus? Não, certamente. Já vimos que, enquanto o pecado é o objetivo que temos perante nós, a comunhão tem de ser interrompida. A comunhão só pode ser "na luz"; é indubitável que não há pecado na luz. Na luz só se pode ver o sangue que tirou os nossos pecados e nos trouxe para perto, e o Advogado que nos mantém perto de Si. O pecado foi esquecido para sempre naquele lugar onde Deus e o adorador se encontram em santa comunhão. O que é que constituiu o elemento de comunhão entre o Pai e o pródigo? Foram os trapos deste? Foram as bolotas da "terra longínqua"? De modo nenhum. Não foi nada que o pródigo trouxe consigo. Foi a rica provisão do amor do Pai — "o bezerro cevado". Assim é com Deus e o verdadeiro adorador. Alimentam-se em conjunto e elevada comunhão d'Aquele cujo precioso sangue os associou para sempre nessa luz da qual nenhum pecado pode jamais acercar-se.

Nem por um instante precisamos supor que a verdadeira humildade se mostre ou se promova recordando os nossos pecados ou lamentando-nos sobre eles. Uma tristeza impura e dolorosa pode assim ser aumentada; mas a verdadeira humildade salta sempre de uma origem totalmente diferente. Quando é que o pródigo mais se humilhou? Quando "caiu em si", na terra longínqua, ou quando chegou a casa do Pai e se reclinou no seu seio? Não é evidente que a graça que nos eleva às mais elevadas alturas de comunhão com Deus, é a única que nos conduz às maiores profundidades de uma genuína humildade? Sem dúvida. A humildade que tem a sua origem na remoção dos nossos pecados deve ser sempre mais profunda do que aquela que resulta de os descobrirmos. A primeira liga-nos com Deus; a última relaciona-nos com o ego. O meio de se ser verdadeiramente humilde é andar com Deus no conhecimento e poder do parentesco em que Ele nos colocou. Ele fez-nos Seus filhos; e se andarmos como tais seremos humildes.

C. H. Mackintosh

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