terça-feira, 31 de março de 2020

A Lei do Holocausto

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

"Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Dá ordem a Arão e a seus filhos, dizendo: Esta é a lei do holocausto: o holocausto será queimado sobre o altar toda a noite até pela manhã, e o fogo do altar arderá nele. E o sacerdote vestirá a sua veste de linho, e vestirá as calças de linho sobre a sua carne, e levantará a cinza, quando o fogo houver consumido o holocausto sobre o altar, e a porá junto ao altar. Depois, despirá as suas vestes, e vestirá outras vestes, e levará a cinza fora do arraial para um lugar limpo. O fogo, pois, sobre o altar arderá nele, não se apagará; mas o sacerdote acenderá lenha nele cada manhã, e sobre ele porá em ordem o holocausto, e sobre ele queimará a gordura das ofertas pacíficas. O fogo arderá continuamente sobre o altar; não se apagará" (Levítico 6:8-13). O fogo no altar consumia o holocausto e a gordura da oferta pacífica. Era a própria expressão da santidade divina que encontrou em Cristo e no Seu perfeito sacrifício um elemento próprio para se alimentar. Esse fogo não devia nunca se extinguir. Tinha de haver manutenção perpétua daquilo que representava a ação da santidade divina. No meio das trevas e vigílias silenciosas da noite o fogo ardia sobre o altar de Deus.

"E o sacerdote vestirá a sua veste de linho". Aqui, o sacerdote toma, em figura, o lugar de Cristo, cuja justiça pessoal é representada pela veste de linho. Havendo-se entregado a Si mesmo à morte de cruz, a fim de cumprir a vontade de Deus, entrou no céu com a Sua própria justiça, levando consigo os sinais de ter completado a Sua obra. As cinzas atestavam que o sacrifício estava consumado e que havia sido aceito por Deus. Essas cinzas, postas ao lado do altar, indicavam que o fogo tinha consumido o sacrifício — que era um sacrifício não apenas completo, como também aceito. As cinzas do holocausto declaravam a aceitação do sacrifício. As cinzas da expiação do pecado declaravam que o pecado fora julgado.

Muitos dos pontos que temos estado a considerar reaparecerão perante nós no decorrer do estudo dos sacrifícios com mais clareza, precisão e poder. Postas em contraste umas com as outras, as ofertas adquirem mais relevo. Consideradas em conjunto dão-nos uma visão completa de Cristo. São como espelhos dispostos de tal maneira que refletem, sob diferentes aspectos, a imagem do verdadeiro e único sacrifício perfeito. Nenhuma figura por si só pode representá-Lo em toda a sua plenitude. É necessário contemplá-Lo na vida e na morte como Homem e como Vítima em relação com Deus e conosco; e é assim que no-Lo apresentam os sacrifícios de Levítico. Deus, que satisfez misericordiosamente as necessidades das nossas almas, permita que a nossa inteligência seja também iluminada para compreendermos e desfrutarmos daquilo que nos preparou.

C. H. Mackintosh

domingo, 29 de março de 2020

Uma Oferta Queimada de Cheiro Suave ao Senhor

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

"Porém a sua fressura e as suas pernas lavar-se-ão com água; e o sacerdote tudo isto queimará sobre o altar; holocausto é, oferta queimada, de cheiro suave ao Senhor." Este ato simbolizava o que Cristo foi em essência — puro, tanto no íntimo como exteriormente puro. Havia a mais perfeita ligação entre os motivos íntimos de Cristo e a Sua conduta exterior. Esta era a expressão daqueles. Tudo tinha o mesmo fim — a glória de Deus. Os membros do Seu corpo obedeciam perfeitamente e executavam os desígnios do Seu consagrado coração — esse coração que pulsava só por Deus e a Sua glória na salvação dos homens. Bem podia, portanto, o sacerdote "queimar tudo isto sobre o altar". Tudo era tipicamente puro e destinado para servir de alimento para o altar de Deus. De alguns sacrifícios participava o sacerdote; de outros o oferente; mas o holocausto era "todo" consumido sobre o altar. Era exclusivamente para Deus. Os sacerdotes podiam preparar a lenha e o fogo, e ver subir a chama; e isto era um grande e santo privilégio. Mas não comiam do sacrifício. Deus era o único objetivo de Cristo no aspecto em que o holocausto tipificava a Sua morte. Não devemos ser demasiadamente simples em nossa compreensão de tudo isto. Desde o momento em que o macho sem mancha era voluntariamente apresentado à porta da tenda da congregação até ser reduzido a cinzas por ação do fogo, discernimos nele Cristo oferecendo-se, pelo Espírito Eterno, a Si mesmo a Deus incontaminado.

Isso torna o holocausto inefavelmente precioso para a alma. Dá-nos a mais sublime visão da obra de Cristo. Nessa obra Deus teve particular prazer — um gozo em que nenhuma inteligência criada podia penetrar. Isto deve ter-se sempre em vista. É um assunto desenrolado no holocausto e confirmado "pela lei do holocausto", do qual vamos tratar em seguida.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 27 de março de 2020

Uma Figura da Cruz em Relação com Deus

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

Teríamos uma ideia muito imperfeita do mistério da cruz, se nela víssemos somente aquilo que satisfaz as necessidades do homem como pecador. Havia profundidades nesse mistério que só a mente de Deus podia aprofundar. E, por isso, é importante ver que, quando o Espírito Santo nos apresenta figuras da cruz, dá-nos, em primeiro lugar, aquela que no-la mostra em relação com Deus. Isto seria suficiente para nos ensinar que há alturas e profundidades na doutrina da cruz que o homem nunca poderia atingir. Pode aproximar-se da fonte de alegria e beber para sempre — pode satisfazer as mais veementes aspirações do seu espírito — pode explorá-la com todos os recursos da sua nova natureza; mas, depois de tudo, existe na cruz aquilo que só Deus pode apreciar. É por isso que o holocausto ocupa o primeiro lugar. Tipifica a morte de Cristo vista e apreciada somente por Deus. E certamente, podemos dizer que não poderíamos passar sem uma tal figura; porque não só nos dá o aspecto mais elevado da morte de Cristo, como também um pensamento precioso referente ao interesse particular que Deus tinha nessa morte. O próprio fato de Deus ter instituído um tipo (figura) da morte de Cristo, o qual devia ser exclusivamente para Si, contém um volume de instrução para a mente espiritual.

Mas apesar de nem os anjos nem os homens poderem jamais sondar perfeitamente as profundezas espantosas do mistério da morte de Cristo, nós podemos, pelo menos, discernir algumas das suas características, que a fazem mais do que preciosa para o coração de Deus. É da cruz que Ele recolhe a mais rica glória. De nenhuma outra maneira teria sido tão glorificado como pela morte de Cristo. É na entrega voluntária que Cristo fez de Si mesmo à morte que a glória divina resplandece em todo o seu fulgor. Sobre ela foi posto também o fundamento sólido de todos os desígnios divinos. Isso é uma verdade muito consoladora. A criação nunca poderia ter oferecido um tal fundamento. Além disso, a cruz oferece um justo canal através do qual o amor divino pode fluir. E, finalmente, pela cruz, Satanás é confundido para sempre, e "os principados e potestades" foram publicamente expostos (Colossenses 2:15). Esses são os gloriosos frutos resultantes da cruz; e, quando pensamos neles, podemos ver a razão por que era preciso que houvesse um tipo da cruz exclusivamente para Deus, e também a razão por que esse tipo devia ocupar uma posição eminente -- devia estar no topo da lista das ofertas. E deixe-me dizer que teria havido uma falta grave entre os símbolos (figuras) se faltasse o holocausto; e haveria também uma omissão lamentável nas páginas inspiradas se tivesse sido omitido o registro desse símbolo.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 25 de março de 2020

A Preparação do Sacrifício

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

"Então, esfolará o holocausto, e o partirá nos seus pedaços". O ato cerimonial de "esfolar" era particularmente expressivo. Era simplesmente remover a cobertura exterior, a fim de que o que havia no interior fosse totalmente revelado. Não era suficiente a oferta ser exteriormente "sem mancha", "as entranhas" deviam ser postas a descoberto para que cada músculo e cada juntura pudessem ser vistas. Era só no caso do holocausto que se mencionava especialmente esse ato. Isto está perfeitamente de acordo com o caráter dessa figura, e tende a fazer realçar a profundidade da devoção de Cristo ao Pai. Para ele, não era meramente uma obra superficial. Quanto mais se revelavam os segredos da Sua vida íntima, mais as profundidades do Seu ser eram exploradas, e tanto mais manifesta se tornava essa pura devoção à vontade do Pai, e o desejo sincero pela Sua glória. Estas eram as fontes de ação do grande Antítipo do holocausto. Ele foi seguramente o perfeito holocausto.

"E o partirá nos seus pedaços". Este ato apresenta uma verdade um tanto semelhante à que é ensinada no "incenso aromático moído(Levítico 16:12). O Espírito Santo deleita-se em se deter sobre a doçura e fragrância do sacrifício de Cristo, não só como um todo, como também em todos os seus mínimos pormenores. Considere o holocausto como um todo e vê-lo-a sem mancha. Considere-o em todas as suas partes separadamente e verá o mesmo. Assim era Cristo; e como tal é prefigurado nessa importante figura.

"E os filhos de Arão, os sacerdotes, porão fogo sobre o altar, pondo em ordem a lenha sobre o fogo. Também os filhos de Arão, os sacerdotes, porão em ordem os pedaços, a cabeça e o redenho, sobre a lenha que está no fogo em cima do altar". Isto era uma posição elevada para a família sacerdotal. O holocausto era totalmente oferecido a Deus. Era tudo queimado sobre o altar*; o homem não participava dele; mas os filhos do sacerdote Arão, sendo também sacerdotes, mantinham-se ao redor do altar de Deus contemplando a chama que se erguia do sacrifício aceitável em aroma suave. Era uma posição elevada — uma elevada comunhão — uma elevada ordem no serviço sacerdotal —, uma figura notável da Igreja em comunhão com Deus no que diz respeito ao perfeito cumprimento de Sua vontade na morte de Cristo. Como pecadores convictos, contemplamos a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, e vemos nela aquilo que satisfaz todas as nossas necessidades. A cruz, neste aspecto, dá perfeita paz à consciência. Por isso, como sacerdotes, como adoradores purificados, como membros da família sacerdotal, nós podemos olhar para a cruz sob outra luz diferente: a completa consumação do santo propósito de Cristo de cumprir, até mesmo na morte, a vontade do Pai. Como pecadores convictos, permanecemos junto ao altar de cobre, e encontramos paz por meio do sangue da expiação; mas, como sacerdotes, permanecemos ali para observar e admirar a completude daquele holocausto — a perfeita rendição e apresentação a Deus d'Aquele que era sem mancha.

{* É talvez conveniente, no que diz respeito a este ponto, informar o leitor que o vocábulo hebraico traduzido por "queimado" no caso do holocausto é inteiramente diferente daquele que é empregado na expiação do pecado. Vou citar, devido ao interesse peculiar do assunto, algumas passagens em que ocorre cada uma dessas palavras. A palavra usada no holocausto significa "incenso" ou "queimar incenso", e ocorre nas seguintes passagens numa ou noutra das suas diferentes inflexões: Levítico 6:15"... e todo o incenso... e o acenderá sobre o altar". Deuteronômio 33:10"Puseram incenso no teu nariz, e o holocausto (sacrifício queimado) sobre o teu altar"Êxodo 30:1: "E farás um altar para queimar o incenso".  Salmos 66:15: "holocaustos (sacrifícios queimados) gordurosos com incenso de carneiros". Jeremias 44:21: "... o incenso que queimaste nas cidades de Judá". Cantares 3:6: "... colunas de fumo, perfumada de mirra, de incenso". As passagens podiam multiplicar-se, porém estas bastam para mostrar o uso da palavra que ocorre no holocausto.

A palavra hebraica traduzida por "queimar", em ligação com a expiação do pecado, significa queimar, em geral, e aparece nas seguintes passagens: Gênesis 11:3"... façamos tijolos, e queimemo-los bem". Levítico 10:16"E Moisés diligentemente buscou o bode da expiação e eis que já era queimado". 2 Crônicas 16:14, "... e fizeram-lhe queima mui grande"

Assim, a oferta por expiação do pecado não só era queimada num lugar diferente, como é adotada uma palavra diferente pelo Espírito Santo para expressar o ato pelo qual era consumida. Ora, nós não podemos imaginar, nem por um momento, que esta distinção seja uma mera troca de palavras, cujo emprego é indiferente. Creio que a sabedoria do Espírito Santo é tão manifestada no emprego das duas palavras como em qualquer outro ponto de diferença entre as duas ofertas. O leitor espiritual não deixará de dar o próprio valor a essa interessante distinção.}

C. H. Mackintosh

domingo, 22 de março de 2020

Os Sacerdotes

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

Em perfeita harmonia com tudo quanto tem sido exposto a respeito deste ponto especial no holocausto está o lugar que ocupam os filhos de Arão e as funções que lhes são atribuídas. Eles "espargirão o sangue... porão fogo sobre o altar, pondo em ordem a lenha sobre o fogo", também "porão em ordem os pedaços, a cabeça e o redenho, sobre a lenha que está no fogo em cima do altar". Estas coisas estavam bem em evidência e formam um aspecto notável do holocausto, em contraste com a expiação do pecado, na qual os filhos de Arão não são mencionados. "Os filhos de Arão" representam a Igreja, não como "um corpo", mas como casa sacerdotal. Isto compreende-se facilmente. Se Arão era uma figura de Cristo, a casa de Arão era uma figura da casa de Cristo, como lemos na Epístola aos Hebreus, capítulo 3 versículo 6: "Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós". E, "Eis-me aqui a mim e aos filhos que Deus me deu" (Hebreus 2:13). Agora é privilégio da Igreja, na medida em que é dirigida e ensinada pelo Espírito Santo, fixar os olhos e deleitar-se nesse aspecto de Cristo que nos é apresentado no símbolo com que abre o livro de Levítico. "A nossa comunhão é com o Pai", que, graciosamente, nos convida a ter parte com Ele nos Seus pensamentos acerca de Cristo. É verdade que nunca podemos elevar-nos à altura desses pensamentos; mas podemos ter participação neles pelo Espírito Santo que habita em nós. Não se trata aqui de uma questão de se ter a consciência tranquilizada pelo sangue de Cristo como Aquele que levou sobre Si o pecado, mas de comunhão com Deus no que diz respeito à rendição perfeita de Cristo na cruz.

"... e os filhos de Arão, os sacerdotes, oferecerão o sangue e espargirão o sangue à roda sobre o altar que está diante da porta da tenda da congregação." Aqui temos uma figura da Igreja trazendo o memorial de um sacrifício consumado e oferecendo-o no lugar de aproximação individual de Deus. Mas devemos lembrar que se trata do sangue do holocausto, e não o da expiação do pecado. É a Igreja penetrando, no poder do Espírito Santo, no pensamento admirável da comprovada devoção de Cristo a Deus, e não o pecador convicto valendo-se do valor do sangue de quem levou sobre Si o pecado. Desnecessário é dizer que a Igreja é composta de pecadores arrependidos; mas "os filhos de Arão" não representam os pecadores arrependidos, mas, sim, os santos em adoração. É na qualidade de "sacerdotes" que têm de intervir no holocausto. Muitos erram quanto a isto. Imaginam que, pelo fato de se tomar o lugar de adorador — para o qual se é convidado pela graça de Deus e tornado idôneo para o fazer pelo sangue de Cristo — não tem que se considerar como pecador indigno. Isto é um grande erro. O crente, em si mesmo, não é absolutamente nada. Mas em Cristo, é um adorador purificado. Não está no santuário como pecador culpado, mas como sacerdote em adoração, vestido com os "vestidos de glória e ornamento". Ocupar-me da minha culpa na presença de Deus, não é, pelo que me diz respeito, humildade, mas sim incredulidade no que diz respeito ao sacrifício.

Todavia, é bem evidente que a ideia de levar sobre Si o pecado — a imputação do pecado—, ou da ira de Deus, não aparece no holocausto. É certo que lemos: "... para que seja aceito por ele, para a sua expiação"; mas aqui a "expiação" não é segundo a profunda e enorme culpa humana, mas segundo a perfeita rendição de Cristo a Deus e a intensidade do deleite de Deus em Cristo. Isto dá-nos a mais elevada ideia da expiação. Se contemplamos a Cristo como o sacrifício pelo pecado, vemos expiação efetuada segundo as exigências da justiça divina em relação ao pecado. Mas quando vemos a expiação no holocausto, é segundo a medida da boa vontade e capacidade de Cristo para cumprir a vontade de Deus, segundo a medida de complacência de Deus em Cristo e na Sua obra. Quão perfeita deve ser a expiação que é o fruto da devoção de Cristo a Deus! Poderia haver alguma coisa além disto? Certamente que não. O aspecto da expiação que o holocausto dá é o que deve ocupar a família sacerdotal nos átrios da casa do Senhor, para sempre.

C. H. Mackintosh

sábado, 21 de março de 2020

O Sacrifício

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

"Depois, degolará o bezerro perante o Senhor; e os filhos de Arão, os sacerdotes, oferecerão o sangue e espargirão o sangue à roda sobre o altar que está diante da porta da tenda da congregação." No estudo da doutrina do holocausto é absolutamente indispensável não esquecer que o ponto principal que se ressalta dele não é ir ao encontro da necessidade do pecador, mas apresentar a Deus aquilo que Lhe é infinitamente agradável. Cristo, como é prefigurado no holocausto, não é para a consciência do pecador, mas para o coração de Deus. Além disso, no holocausto a cruz não é demonstração da abominação do pecado, mas a devoção inabalável de Cristo ao Pai. Nem tampouco é a cena de Deus descarregando a Sua ira sobre Cristo por Ele levar sobre Si o pecado, mas sim a sublime complacência do Pai em Cristo, o sacrifício voluntário e cheio de fragrância. Finalmente a "expiação", como a vemos no holocausto, não é apenas proporcionada às exigências da consciência do homem, mas ao desejo intenso do coração de Cristo em fazer a vontade de Deus e estabelecer os propósitos divinos — um desejo que não O impediu de entregar a Sua vida imaculada e preciosa como "oferta voluntária" "de cheiro" suave a Deus.

Nenhum poder da terra ou do inferno, homens ou demônios, pôde demovê-Lo de cumprir esSe desejo. Quando Pedro, ignorantemente, e com palavras de falsa ternura, procurou dissuadi-lo a não ir ao encontro da vergonha e degradação da cruz, "dizendo: Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso", qual foi a Sua resposta? "Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens" (Mateus 16:22-23). De igual modo, noutra ocasião, disse aos Seus discípulos, "Já não falarei muito convosco, porque se aproxima o príncipe deste mundo e nada tem em mim, mas é para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui" (João 14:30-31). Estas e muitas outras passagens correlatas das Escrituras mostram-nos a fase da obra de Cristo no holocausto em que o primeiro pensamento é evidentemente "oferecer-se a Si mesmo imaculado a Deus".

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 19 de março de 2020

A Identificação do Adorador com o Holocausto

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

"E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito por ele, para a sua expiação." O ato da imposição das mãos exprimia completa identificação. Por este ato significativo, o oferente e a oferta tornavam-se um; e esta unidade, no caso do holocausto, assegurava ao oferente que a sua oferta era aceita. A aplicação disso a Cristo e ao crente realça uma verdade das mais preciosas, uma das mais largamente desenvolvidas no Novo Testamento, a saber: a identificação eterna do crente com Cristo e a sua aceitação em Cristo: "Qual ele é, somos nós também neste mundo." "No que é verdadeiro estamos." (1 Jo 4:17; 5:20). Nada menos do que isto seria de proveito para nós. O homem que não está em Cristo está nos seus pecados. Não há terreno neutro ou intermediário. Ou havemos de estar em Cristo ou fora d'Ele. Não se pode estar parcialmente em Cristo. Ainda que seja apenas a espessura de um cabelo que se interponha entre você e Cristo, você está num verdadeiro estado de ira e condenação. Pelo contrário, se você está n'Ele, então é "qual ele é" diante de Deus, e assim é considerado como estando na presença da santidade infinita. Tal é o ensino claro da Palavra de Deus. "Estais perfeitos nele", sois "membros do seu corpo", da Sua carne e dos Seus ossos, "agradáveis" a Deus "no amado", porque "o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito" (1 Coríntios 6:17; Efésios 1:6; 5:20, Colossenses 2:10). Ora, não é possível que a Cabeça esteja num grau de aceitação e os membros noutro. Não; a Cabeça e os membros são um. Deus considera-os um; e, portanto, são um. Esta verdade é, ao mesmo tempo, o fundamento da mais elevada confiança e da mais profunda humildade. Dá-nos a mais completa segurança "para que no dia do juízo tenhamos confiança" (1 João 4:17), visto que não é possível haver qualquer acusação contra Aquele com quem estamos unidos. Dá-nos uma profunda impressão da nossa própria nulidade, visto que a nossa união com Cristo é baseada na morte da velha natureza e na abolição total de todos os seus direitos e pretensões.

Visto que, portanto, a Cabeça e os membros são considerados na mesma posição de infinito favor e aceitação perante Deus, é evidente que todos os membros têm uma mesma aceitação, uma mesma salvação, a mesma vida e uma mesma justiça. Não há graus diferentes na justificação. O recém-nascido em Cristo e o crente de cinquenta anos estão no mesmo plano de justificação. Um está em Cristo, e o outro também; e assim como estar em Cristo é a única base de vida, também o é de justificação. Não há duas espécies de vida nem duas espécies de justificação. Não há dúvida que existem diversos graus de desfrute desta justificação — vários graus no conhecimento da sua plenitude e extensão — vários graus na capacidade de mostrar o seu poder sobre o coração e a vida; e estas coisas são frequentemente confundidas com a própria justificação, a qual, sendo divina, é, necessariamente, eterna, absoluta, invariável, e não pode ser afetada pela flutuação dos sentimentos ou experiências humanas.

Mas, além disso, não há progresso na justificação. O crente não está mais justificado hoje do que estava ontem; nem estará mais justificado amanhã do que está hoje. Sim, a alma que "está em Cristo Jesus" está tão completamente justificada como se estivesse diante do trono de Deus. O crente é "perfeito em Cristo". É "como" Cristo. Está, sobre a própria autoridade de Cristo, "todo limpo" (João 13:10). Que mais poderia esperar ser deste lado da glória? Pode fazer e fará — se andar no Espírito — progresso na percepção e no desfrutar dessa gloriosa realidade; mas, quanto à própria justificação, no momento em que, pelo poder do Espírito Santo, creu no evangelho, passou de um estado positivo de injustiça e condenação para um estado positivo de justiça e aceitação. Tudo isso se baseia na perfeição divina da obra de Cristo, assim como no caso do holocausto, em que a aceitação do adorador era baseada na aceitação da oferta. Não era uma questão de saber o que ele era, mas simplesmente do que era o sacrifício. "Para que seja aceito por ele, para a sua expiação."

C. H. Mackintosh

terça-feira, 17 de março de 2020

O Amor de Cristo pelo Pai

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

Porém, a cruz tinha outro aspecto. Aparecia à vista de Cristo como uma cena em que Ele podia revelar plenamente os segredos profundos do Seu amor ao Pai — um lugar onde podia, "de Sua própria vontade", tomar o cálice que o Pai lhe havia dado e esgotá-lo até às borras. É verdade que toda a vida de Cristo emitiu um fragrante odor, que subia sem cessar até ao trono do Pai — Ele fazia sempre as coisas que agradavam ao Pai —, fez sempre a vontade de Deus; mas o holocausto não O representa na Sua vida — precioso além de todo o pensamento como foi cada ato dessa vida —, mas na Sua morte, e não como Aquele que foi feito "maldição por nós", mas como Aquele que apresenta ao coração do Pai um perfume de incomparável fragrância.

Esta verdade envolve a cruz de atrativos particulares para a mente espiritual. Dá aos sofrimentos do nosso bendito Senhor um interesse do caráter mais intenso. O pecador culpado encontra, incontestavelmente, na cruz, uma resposta divina aos mais profundos e sinceros anseios do coração. O verdadeiro crente encontra na cruz aquilo que cativa todas as afeições do seu coração e deixa aturdido todo o seu ser moral. Os anjos encontram na cruz um tema para contínua admiração. Tudo isso é verdade; mas há alguma coisa na cruz que ultrapassa as mais elevadas concepções dos santos ou dos anjos; isto é, a profunda devoção do coração do Filho para com o Pai e como Este a apreciou. Este é o assunto elevado da cruz, que é manifestado de um modo tão notável no holocausto.

E deixai-me observar que a beleza própria do holocausto seria inteiramente sacrificada se admitíssemos a ideia de que Cristo levou sobre si o pecado durante toda a Sua vida. Deixa de haver então força, valor e significado nas palavras "sua própria vontade". Não poderia haver lugar para ação voluntária no caso de uma pessoa que era compelida, pela própria necessidade da sua posição, a morrer. Se Cristo tivesse levado sobre Si o nosso pecado em Sua vida, então segue-se que a Sua morte seria obrigatória e não um ato voluntário. De fato, pode afirmar-se com segurança que não há uma oferta sequer entre todas cuja beleza não seria manchada e a sua integridade sacrificada pela teoria de uma Vida carregando o pecado. Este é especialmente o caso do holocausto, porquanto não se trata de uma questão de levar sobre si o pecado ou de sofrer a ira de Deus, mas inteiramente de dedicação voluntária, manifestada na morte da cruz. No holocausto reconhecemos uma figura de Deus, o Filho, cumprindo, por intermédio de Deus, o Espírito, a vontade de Deus, o Pai. Isto fez Ele de "sua própria vontade". "Por isso, o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la" (João 10:17). Temos aqui o aspecto da morte de Cristo no holocausto. Por outro lado, o profeta, contemplando-O como oferta pelo pecado, diz: "... a sua vida é tirada da terra" (Atos 8:33, que é a versão LXX* de Isaías 53:8). Outro tanto, Cristo diz: "Ninguém ma tira, mas eu de mim mesmo a dou". Estaria Ele levando o nosso pecado sobre Si quando disse isto? Note-se que Ele diz "ninguém" — homens, anjos, demônios ou qualquer outra criatura. Foi um ato voluntário da Sua própria parte: deu a Sua vida para tornar a tomá-la. "Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu" (Sl 40:8). Tal era a linguagem do holocausto divino — d'Aquele que achou gozo inexprimível em Se oferecer incontaminado a Deus.

{* LXX - "Septuaginta" - versão grega do Velho Testamento.}

É, pois, da máxima importância, aprender com distinção o primário objetivo de Cristo na obra de redenção. Isto tende a consolidar a paz do crente. O cumprimento da vontade de Deus, o estabelecimento dos desígnios de Deus e a demonstração da glória de Deus era o que ocupava plena, profunda e amplamente esse coração dedicado, que via e avaliava todas as coisas em relação com Deus. O Senhor Jesus nunca se deteve para questionar até que ponto qualquer ato ou circunstância afetaria a Si Próprio. "Esvaziou-se a si mesmo" -- "fez a Si próprio sem nenhuma reputação" (Fp 2:7-8, ACF e KJV). Renunciou a tudo. E, por isso, quando chegou ao fim da Sua carreira, pôde olhar para trás e, com os olhos levantados ao céu, dizer, "Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer" (João 17:4). É impossível contemplar a obra de Cristo sob este aspecto sem que o coração se sinta cheio das mais gratas afeições para com a Sua Pessoa. O conhecimento de que o Seu primeiro objetivo na obra da cruz era Deus não diminui em nada o sentimento que temos do Seu amor por nós. Pelo contrário: o Seu amor por nós, e a nossa salvação n'EIe só podiam ser fundamentados no estabelecimento da glória de Deus. Essa glória deve formar a base sólida de todas as coisas. "Porém, tão certamente como eu vivo e como a glória do Senhor encherá toda a terra" (Números 14:21). Mas nós sabemos que a glória eterna de Deus e a bem-aventurança eterna da criatura estão inseparavelmente ligadas aos desígnios divinos, de sorte que, se a primeira está assegurada, a segunda tem de sê-la também.
 
C. H. Makintosh

sexta-feira, 13 de março de 2020

Cristo Oferecendo-se a Si Mesmo a Deus

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

Vamos prosseguir agora com o exame do holocausto, que, como havemos acentuado, representa Cristo oferecendo-se a Si mesmo, sem mancha, a Deus.

"Se a sua oferta for holocausto de gado, oferecerá macho sem mancha." A glória essencial e dignidade da pessoa de Cristo formam a base do cristianismo. Ele transmite esta dignidade e essa glória a tudo o que faz e a cada uma das funções que assume. Nenhuma função podia de algum modo acrescentar glória Aquele que é sobre todos, "Deus bendito eternamente""Deus manifestado em carne" —, o glorioso "Emanuel" —, "Deus conosco" —, o Verbo eterno, o Criador e Mantenedor do universo. Que função poderia acrescentar dignidade a uma tal Pessoa? De fato, sabemos que todas as Suas funções estão relacionadas com a Sua humanidade; e assumindo essa humanidade, Ele desceu da glória que tinha com o Pai antes da criação do mundo. Desceu, deste modo, a fim de glorificar Deus perfeitamente no próprio meio de uma cena onde tudo Lhe era hostil. Veio para ser "devorado" por santo e inextinguível zelo (Sl 69:9), pela glória de Deus e pela efetiva realização dos Seus conselhos eternos.

O macho sem mancha de um ano era uma figura do Senhor Jesus Cristo oferecendo-se a Si mesmo para o cumprimento perfeito da vontade de Deus. Não deveria haver nada que expressasse fraqueza ou imperfeição. Devia ser "um macho de um ano". Teremos ocasião de ver, quando tivermos ocasião de examinar os outros sacrifícios, que era permitido oferecer, em alguns casos, uma "fêmea"; mas essa era apenas a forma de mostrar a imperfeição inerente à compreensão do adorador, e de modo nenhum um defeito da oferenda, porquanto esta era "sem mancha" tanto num caso como no outro. Contudo, o holocausto era um sacrifício da mais elevada ordem, porque representava Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus — Cristo no holocausto era exclusivamente para a vista e o coração de Deus. Eis um ponto que deve ser claramente compreendido. Só Deus podia apreciar devidamente a Pessoa e obra de Cristo. Só Ele podia apreciar plenamente a cruz como a expressão da perfeita devoção de Cristo. A cruz, tal qual é simbolizada no holocausto, teve algo que só a mente divina pode compreender. Tinha profundidades tais que nem o mortal nem os anjos podiam sondar. Nela havia uma voz que se dirigia exclusiva e diretamente aos ouvidos do Pai. Entre o Calvário e o trono de Deus houve comunicações que excedem em muito a mais elevada inteligência dos entes criados.

"À porta da tenda da congregação a oferecerá, de sua própria vontade, perante o Senhor." O emprego do vocábulo "vontade", nesta passagem, revela claramente o grande ideia por trás do holocausto. Leva-nos a contemplar a cruz sob um aspecto que não é suficientemente compreendido. Estamos sempre prontos a contemplar a cruz simplesmente como o lugar onde a grande questão do pecado foi tratada e liquidada, entre a Justiça eterna e a vítima incontaminada — o lugar onde a nossa culpa foi expiada e onde Satanás foi gloriosamente vencido. Louvor universal seja dado eternamente ao amor redentor! A cruz foi tudo isso. Porém, ela foi mais do que isso. Foi o lugar onde o amor de Cristo pelo Pai se expressou em linguagem tal que só o Pai podia ouvir e compreender. É sob este último aspecto que a vemos simbolizada no holocausto, e é, portanto, por isso que a palavra "vontade" ocorre. Se fosse apenas uma questão de imputação do pecado e de sofrer a ira de Deus por causa do pecado, tal expressão não estaria dentro da ordem moral. O bendito Senhor Jesus não podia, com estrita propriedade, ser apresentado como aquele que desejava ser "feito pecado" — que desejava sofrer a ira de Deus e ser privado da vista do Seu rosto; e, neste fato, por si só, aprendemos da maneira mais evidente que o holocausto não representa Cristo sobre a cruz levando o pecado, mas, sim, Cristo sobre a cruz cumprindo a vontade de Deus. Que Cristo mesmo contemplava a cruz nesses dois aspectos é evidente pelas Suas próprias palavras. Quando contemplou a cruz como o lugar onde foi feito pecado — quando previu os horrores que, sob este ponto de vista, ela encerrava, exclamou: "Pai, se queres, passa de mim este cálice" (Lucas 22:42). Ele se encolhia diante daquilo que a Sua obra, no que diz respeito a levar sobre Si o pecado, envolvia. A Sua mente santa e pura se encolhia diante do pensamento de contato com o pecado; e o Seu terno coração se encolhia diante da ideia de perder, por um momento, a luz do semblante de Deus.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 11 de março de 2020

O Holocausto e Toda a Verdade

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

No holocausto (oferta queimada), com o qual abre o livro de Levítico, temos uma figura de Cristo, que "se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus" (Hebreus 9:14). Daí a posição que o Espírito Santo lhe dá. Se o Senhor Jesus Cristo Se manifestou para realizar a obra gloriosa da expiação, o Seu mais desejável e supremo objetivo na sua consecução era a glória de Deus. "Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade" (Hebreus 10:9), esse era o grande lema em todas as cenas e circunstâncias da Sua vida, e em nenhuma tão completamente como na obra da cruz. Fosse qual fosse a vontade de Deus, Ele veio para a fazer. Bendito seja Deus, nós conhecemos qual é a nossa parte na realização dessa "vontade", pois por ela "temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez" (Hebreus 10:10). Contudo, o aspecto primário da obra de Cristo era Deus. Era Seu prazer inefável cumprir a vontade de Deus na terra. Ninguém a tinha feito. Alguns, pela graça, haviam feito o que era reto aos olhos do Senhor; porém ninguém jamais tinha, perfeita e invariavelmente, desde o princípio ao fim, sem hesitação e sem divergência, feito a vontade de Deus. Mas foi isto exatamente que o Senhor Jesus fez. Ele foi "obediente até à morte e morte de cruz" (Fp 2:8): "...manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém" (Lucas 9:51). E quando se dirigia do jardim de Getsêmane ao Calvário, o afeto intenso de Seu coração foi expresso nestas palavras: "Não beberei eu o cálice que o Pai me deu?"(João 18:11).

Certamente, havia um perfume de cheiro suave nesta absoluta devoção a Deus. Um Homem perfeito na terra, cumprindo a vontade de Deus, até mesmo na morte, era assunto de profundo interesse para o céu. Quem poderia sondar as profundezas desse coração dedicado, que se manifestou aos olhos de Deus, na cruz? Seguramente, ninguém senão Deus; porque nisto, como em tudo mais, certo é que "ninguém conhece o Filho senão o Pai"; e ninguém pode conhecer nada, até certo ponto, a Seu respeito se o Pai o não revelar. A mente humana pode compreender, até certo ponto, qualquer coisa do que se passa "abaixo do sol". A ciência humana pode ser compreendida pelo intelecto humano; mas nenhum homem conhece o Filho de Deus, se o Pai não lho revelar, pelo poder do Espírito de Deus, através da Palavra escrita. O Espírito Santo deleita-se em revelar o Filho — em tomar das coisas de Jesus e revelar-no-las. Estas coisas temo-las, em toda a sua beleza e plenitude, nas Escrituras. Não pode haver novas revelações, pois o Espírito trouxe "todas as coisas" à memória dos apóstolos e conduziu-os a "toda a verdade" (João 14:26; 16:13). Não pode haver nada mais além de "toda a verdade"; e, por isso, as pretensões de novas revelações e de desenvolvimento de novas verdades — quer dizer, verdades não contidas no cânone sagrado de inspiração — representam apenas os esforços do homem para acrescentar alguma coisa àquilo que Deus designa por "toda a verdade". O Espírito pode, certamente, mostrar e aplicar, com nova e extraordinária energia, a verdade contida na Escritura; porém, isto é, obviamente, uma coisa muito diferente da ímpia presunção de sairmos fora do escopo da revelação divina com o objetivo de encontrar princípios, ideias ou dogmas, que comandem a consciência.

Na narrativa dos Evangelhos, Cristo é-nos apresentado nos vários aspectos do Seu caráter, Sua Pessoa e obra. Em todas as épocas, o povo de Deus tem achado alegria em recorrer a essas preciosas Escrituras, saciando-se das revelações celestiais do objeto do seu amor e confiança — Aquele a quem tudo devem, quer no tempo presente, quer no tocante à eternidade. Contudo, muito poucos comparativamente têm sido induzidos a considerar os ritos e cerimônias da dispensação levítica como cheios das mais minuciosas instruções referentes ao mesmo assunto dominante. Os sacrifícios de Levítico, por exemplo, têm sido considerados frequentemente como registros de antigos costumes judaicos, que não transmitem nenhuma voz inteligível aos nossos ouvidos -- nenhuma luz espiritual para nossos entendimentos. Mas tem de admitir-se que as páginas aparentemente obscuras de Levítico, assim como as expressões sublimes de Isaías, têm o seu lugar entre "tudo que dantes foi escrito" (Romanos 15:4), e são, portanto, "para nosso ensino". Certamente, precisamos estudar esses registros, assim como também toda a Escritura, com espírito humilde e despretensioso, em reverente dependência do ensino d'Aquele que graciosamente os inspirou para nosso ensino, e com atenção diligente pelo grande objetivo, alvo e analogia geral de todo o corpo da revelação divina; dominando a nossa imaginação, para que se não extravie com entusiasmo profano; mas se assim, mediante a graça, entrarmos no estudo dos símbolos de Levítico, encontraremos um filão do mais rico e precioso minério.

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 9 de março de 2020

A Ordem dos Sacrifícios

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)
 
E agora algumas palavras sobre a ordem dos sacrifícios nos primeiros capítulos do livro de Levítico. O Senhor começa com o holocausto (oferta queimada) e termina com a expiação da culpa (oferta pelas transgressões). Quer dizer, termina onde nós começamos. Essa ordem é notável e muito instrutiva. Quando, pela primeira vez, a seta da convicção penetra na alma, dá-se um profundo exame de consciência quanto aos pecados cometidos. A memória volve a sua vista iluminada para as páginas da vida passada e vê-las manchadas com inumeráveis transgressões contra Deus e contra o homem. Nesse momento da história da alma, ela não se ocupa tanto com a raiz de onde brotaram essas transgressões como com o fato palpável que este e aquele ato foram cometidos por ela; e, por isso, tem necessidade de saber que Deus proveu um sacrifício por cuja virtude "todas as ofensas" podem ser perdoadas livremente. Este sacrifício é-nos apresentado no sacrifício da expiação da culpa.

Mas à medida que a alma progride na vida divina torna-se consciente do fato de que esses pecados que cometeu não são mais que rebentos de uma raiz, correntes de uma mesma fonte; e, além disso, que o pecado na sua natureza — ou seja: na carne — é essa fonte, essa raiz. Isso conduz-nos a um exercício íntimo ainda mais profundo, que nada pode tranquilizar senão um conhecimento mais profundo da obra da cruz. Em suma, a cruz deve ser compreendida como o lugar onde Deus Mesmo "condenou o pecado na carne" (Romanos 8:3). O leitor há de notar que esta passagem não diz "pecados na vida", mas a raiz de onde os pecados provêm, a saber, o "pecado na carne". Essa é uma verdade de imensa importância. Cristo não somente "morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras" (1 Coríntios 15:3), como "foi feito pecado por nós" (1 Coríntios 5:21). Esta é a doutrina do sacrifício da expiação do pecado.

É quando o coração e a consciência encontram descanso mediante o conhecimento da obra de Cristo que podemos nos alimentar d'Ele como o fundamento da nossa paz e do nosso gozo, na presença de Deus. Não pode haver paz ou gozo antes de sabermos que todas as nossas transgressões foram perdoadas e o nosso pecado julgado. A expiação da culpa e a expiação do pecado têm de ser conhecidas antes que os sacrifícios pacíficos, de manjares ou de ações de graças possam ser convenientemente apreciados. Por isso, a ordem em que aparece o sacrifício pacífico corresponde à ordem da nossa apreciação espiritual de Cristo.

Nota-se a mesma perfeita ordem em referência à oferta de manjares. Quando a alma é levada a apreciar a doçura da comunhão espiritual com Cristo — a alimentar-se d'Ele em paz e gratidão na presença divina — sente um desejo arrebatador de conhecer melhor os mistérios gloriosos da Sua pessoa; e este desejo é ditosamente satisfeito na oferta de manjares, que é o tipo da perfeita humanidade de Cristo.

Em seguida, no holocausto, somos conduzidos a um ponto para além do qual é impossível ir, e esse ponto é a obra da cruz, realizada sob as vistas de Deus como expressão da devoção inquebrantável do coração de Cristo. Todas estas coisas nos serão apresentadas em belos pormenores, à medida que as examinarmos; aqui consideramos apenas a ordem dos sacrifícios, a qual é verdadeiramente maravilhosa, seja qual for o sentido em que caminharmos, seja exteriormente de Deus para nós, ou internamente de nós até Deus. Em qualquer dos casos começamos e terminamos com a cruz. Se começamos com o holocausto, vemos Cristo na cruz fazendo a vontade de Deus — fazendo expiação, segundo a medida da Sua perfeita rendição a Deus. Se começamos com a expiação da culpa, vemos Cristo na cruz levando os nossos pecados e tirando-os, segundo a perfeição do Seu sacrifício expiatório; enquanto que em cada um e em todos eles vemos a excelência, a beleza e a perfeição da Sua divina e adorável pessoa. Certamente, tudo isso é suficiente para despertar em nossos corações o mais profundo interesse pelo estudo dessas figuras (ou tipos) preciosas que passaremos a analisar pormenorizadamente. E que Deus, o Espírito Santo, que inspirou o livro de Levítico, dê a sua explicação, em poder vivo, aos nossos corações, para que, quando chegarmos ao fim, possamos ter motivo de sobra para bendizer ao Senhor por tantas e tão admiráveis imagens da pessoa e obra de nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo, a quem seja dada glória, agora e para todo o sempre. Amém.


C. H. Mackintosh

sexta-feira, 6 de março de 2020

A Posição do Senhor no Tabernáculo

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)
 
Antes de entrarmos em pormenores sobre este capítulo, há duas coisas que requerem toda a nossa atenção, a saber: primeiro, a posição de Jeová; e segundo, a ordem em que são apresentados os sacrifícios.

"E chamou o SENHOR a Moisés e falou com ele da tenda da congregação." Tal foi a posição de onde o Senhor fez as comunicações narradas neste livro. Havia falado do Monte Sinai, e a Sua posição ali imprimiu um caráter particular de comunicação. Do monte ardente saiu "o fogo da lei" (Dt 33:2). Porém, aqui o Senhor fala "da tenda da congregação". Era uma posição muito diferente. Vimos esse tabernáculo concluído no final do livro precedente. "Levantou também o pátio ao redor do tabernáculo e do altar e pendurou a coberta da porta do pátio. Assim, Moisés acabou a obra. Então a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do SENHOR encheu o tabernáculo,... porquanto a nuvem do SENHOR estava de dia sobre o tabernáculo, e o fogo estava de noite sobre ele, perante os olhos de toda a casa de Israel, em todas as suas jornadas". (Êx 40:33-38).

O tabernáculo era o lugar onde Deus habitava em graça. Podia estabelecer ali a Sua habitação, porque estava rodeado de todos os lados por aquilo que representava brilhantemente o fundamento das Suas relações com o povo. Se tivesse vindo ao meio deles na plena manifestação do caráter revelado no Monte Sinai, só podia ser para consumi-los num momento como "povo de dura cerviz" (Êx 33:5). Porém, retirou-se para dentro do véu — figura da carne de Cristo (Hb 10:20) e tomou o Seu lugar sobre o propiciatório, onde o sangue da expiação, e não a "dureza de cerviz" de Israel, se apresentava à Sua vista e satisfazia as exigências da Sua natureza. O sangue que era levado ao santuário pelo sumo sacerdote era figura do sangue precioso que purifica de todo o pecado; e, embora Israel, segundo a carne, não discernisse nada disto, esse sangue, contudo, justificava o fato de Deus habitar no meio deles -- "santificava-os quanto à purificação da carne" (Hb 9:13).

Tal é, pois, a posição do Senhor (Jeová) no Livro de Levítico, posição esta que deve ser tida em consideração se se quiser ter um conhecimento exato das revelações que este livro encerra. Nessas revelações encontramos inflexível santidade unida à mais pura graça. Deus é santo, seja qual for o lugar de onde fala. É santo no monte Sinai e santo no propiciatório; porém, no primeiro caso a Sua santidade estava ligada a "um fogo consumidor", enquanto que no segundo estava ligada a paciente graça. Ora, a união da perfeita santidade com a graça perfeita é o que caracteriza a redenção que há em Cristo Jesus, redenção que é, de diversas maneiras, tipificada no livro de Levítico. É preciso que Deus seja santo, ainda que seja na condenação eterna dos pecadores impenitentes; porém a revelação plena da Sua santidade na salvação dos pecadores faz ressoar no céu um coro de louvor. "Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens" (Lc 2:14). Esta doxologia não podia ter sido entoada em relação com "o fogo da lei". Sem dúvida, havia "glória nas alturas", mas não havia "paz na terra" nem "boa vontade para com os homens", porquanto a lei era a declaração do que os homens deviam ser, antes que Deus pudesse ter prazer neles. Mas quando "o Filho" ocupou o Seu lugar como homem na terra, o céu pôde exprimir todo o Seu prazer n'Aquele cuja Pessoa e obra podiam combinar, da maneira mais perfeita, a glória divina com a bem-aventurança humana.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 4 de março de 2020

Conclusão do Livro de Êxodo

Prezado leitor, acabamos de percorrer juntos as páginas desse livro precioso. Tenho a confiança que temos recolhido algum fruto do nosso estudo. Confio que temos recolhido alguns pensamentos edificantes acerca de Jesus e do Seu sacrifício, à medida que avançamos. É verdade que os nossos pensamentos mais elevados não podem ser nada mais que meramente mesquinhos, e que o que percebemos de mais profundo é muito superficial comparado com a intenção de Deus em todo esse livro. É agradável recordarmos que, pela graça, estamos no caminho que conduz àquela glória em que conheceremos como somos conhecidos; e onde os nossos corações se deleitarão com o resplendor do semblante d'Aquele que é o princípio e o fim de todos os caminhos de Deus, quer seja na criação, na providência ou na redenção. Encomendo-o, pois, ao Senhor em corpo, alma e espírito, orando para que você possa compreender a profunda bem-aventurança de ter a sua parte em Cristo, e para que seja guardado na esperança da Sua vinda gloriosa. Amém.

C. H. Mackintosh

A Obediência Implícita

(Comentário Êxodo 35-40 - A CONSTRUÇÃO DO TABERNÁCULO)
 
Em segundo lugar, quanto à obediência implícita do povo está escrito: "Conforme tudo o que o Senhor ordenara a Moisés, assim fizeram os filhos de Israel toda a obra. Viu, pois, Moisés toda a obra, e eis que a tinham feito; como o Senhor ordenara, assim a fizeram; então, Moisés os abençoou" (capítulo 39:42 a 43). O Senhor havia dado instruções minuciosas relativas a toda a obra do tabernáculo. Cada estaca, cada base, cada colchete, cada cordão estavam exatamente nos seus lugares. Não restou lugar algum para os recursos, para a razão ou para o senso comum do homem. O Senhor não delineou um plano deixando ao homem a tarefa de o completar; nem deixou nenhuma margem para o homem introduzir ajustes. De modo nenhum. "Atenta, pois, que o faças conforme ao modelo que te foi mostrado no monte" (Êxodo 25:40, 26:30; Hb 8:5). Isso não deixava lugar para invenções humanas. Se fosse permitido ao homem fazer uma simples estaca, essa estaca estaria, seguramente, fora de lugar, no parecer de Deus. Podemos ver em capítulo 32 o que "o buril" do homem produz. Graças a Deus, o buril não teve lugar no tabernáculo. Neste caso, eles fizeram precisamente o que lhes fora dito — nada mais, nada menos. Eis aqui uma lição proveitosa para a igreja professa! Existem muitas coisas na história de Israel que devemos procurar seriamente evitar: as suas murmurações de impaciência, os seus votos de legalismo, e a sua idolatria; porém na sua devoção e na sua obediência podemos imitá-los. Que a nossa devoção seja mais sincera e a nossa obediência mais implícita. Podemos afirmar com toda a segurança que, se tudo não tivesse sido feito conforme ao modelo mostrado "no monte", não poderíamos ler, no final do livro, que "então, a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do Senhor encheu o tabernáculo, de maneira que Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porquanto a nuvem ficava sobre ela, e a glória do Senhor enchia o tabernáculo" (capítulo 40:34-35). O tabernáculo era, para todos os efeitos, conforme ao modelo divino, e, portanto, podia ser cheio da glória divina.

Existem tomos de instruções nesta verdade. Estamos sempre prontos a considerar a Palavra de Deus insuficiente até para os mínimos pormenores ao culto e serviço de Deus. Mas isto é um grande erro, erro que tem sido a origem de abundantes males e erros na igreja professa. A Palavra de Deus é amplamente suficiente para todas as coisas, quer seja no que se refere à salvação e conduta pessoal, quer no tocante à ordem e governo da assembleia. "Toda Escritura, divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra" (2 Timóteo 3:16-17). Estas palavras resolvem toda a questão. Se a Palavra de Deus prepara um homem perfeitamente "para toda boa obra", segue-se, necessariamente, que tudo o que não se acha nas suas páginas não pode ser uma boa obra. Demais, recordemos que a glória divina não pode ligar-se com aquilo que não for conforme ao modelo divino.

C. H. Mackintosh

terça-feira, 3 de março de 2020

O Desprendimento Voluntário

(Comentário Êxodo 35-40 - A CONSTRUÇÃO DO TABERNÁCULO)

Estes capítulos contêm uma recapitulação de diversas partes do tabernáculo e seu mobiliário; e visto que já expliquei o que creio ser o significado das partes mais proeminentes, é desnecessário acrescentar mais. Existem, contudo, duas coisas nesta parte do livro das quais podemos tirar instruções muitos úteis, a saber, em primeiro lugar, a dedicação voluntária do povo; e, em segundo, a obediência implícita do povo a respeito da obra do tabernáculo da congregação. Primeiramente, quanto à dedicação voluntária deles, lemos: "Então, toda a congregação dos filhos de Israel saiu de diante de Moisés, e veio todo homem, a quem o seu coração moveu, e todo aquele cujo espírito voluntariamente o impeliu, e trouxeram a oferta alçada ao Senhor, para a obra da tenda da congregação, e para todo o seu serviço, e para as vestes santas. E, assim, vieram homens e mulheres, todos dispostos de coração; trouxeram fivelas, e pendentes, e anéis, e braceletes, e todo vaso de ouro; e todo homem oferecia oferta de ouro ao Senhor, e todo homem que se achou com pano azul, e púrpura, e carmesim, e linho fino, e pelos de cabras, e peles de carneiro tintas de vermelho, e peles de texugos, os trazia; todo aquele que oferecia oferta alçada de prata ou de metal, a trazia; por oferta alçada ao Senhor; e todo aquele que se achava com madeira de cetim, a trazia para toda a obra do serviço. E todas a mulheres sábias de coração fiavam com as mãos, e traziam o fiado, o pano azul, a púrpura, o carmesim e o linho fino. E todas as mulheres, cujo coração se moveu em sabedoria, fiavam os pelos das cabras. E os príncipes traziam pedras sardônicas, e pedras de engaste para o éfode e para o peitoral, e especiarias, e azeite para a luminária, e para o óleo da unção, e para o incenso aromático. Todo homem e mulher, cujo coração voluntariamente se moveu a trazer alguma coisa para toda a obra que o Senhor ordenara se fizesse pela mão de Moisés" (capítulo 35:20 a 29). E mais adiante lemos: "E vieram todos os sábios que faziam toda a obra do santuário, cada um da obra que fazia, e falaram a Moisés, dizendo: O povo traz muito mais do que basta para o serviço da obra que o Senhor ordenou se fizesse... porque tinham material bastante para toda a obra que havia de fazer-se" (capítulo 36:4 a 7).

Que quadro encantador da dedicação à obra do santuário! Não foram precisos esforços, apelos ou argumentos solenes para constranger os corações do povo a darem. Oh! não: os corações foram voluntariamente movidos. Este era verdadeiro caminho. A corrente de dedicação voluntária vinha dos corações: "Príncipes", "homens", "mulheres", todos sentiam que era para eles um doce privilégio darem ao Senhor, não com um coração estreito ou mão mesquinha, mas de um modo principesco trouxeram "muito mais do que bastava."

C. H. Mackintosh

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