terça-feira, 17 de março de 2020

O Amor de Cristo pelo Pai

(Comentário Levítico 1 - O HOLOCAUSTO)

Porém, a cruz tinha outro aspecto. Aparecia à vista de Cristo como uma cena em que Ele podia revelar plenamente os segredos profundos do Seu amor ao Pai — um lugar onde podia, "de Sua própria vontade", tomar o cálice que o Pai lhe havia dado e esgotá-lo até às borras. É verdade que toda a vida de Cristo emitiu um fragrante odor, que subia sem cessar até ao trono do Pai — Ele fazia sempre as coisas que agradavam ao Pai —, fez sempre a vontade de Deus; mas o holocausto não O representa na Sua vida — precioso além de todo o pensamento como foi cada ato dessa vida —, mas na Sua morte, e não como Aquele que foi feito "maldição por nós", mas como Aquele que apresenta ao coração do Pai um perfume de incomparável fragrância.

Esta verdade envolve a cruz de atrativos particulares para a mente espiritual. Dá aos sofrimentos do nosso bendito Senhor um interesse do caráter mais intenso. O pecador culpado encontra, incontestavelmente, na cruz, uma resposta divina aos mais profundos e sinceros anseios do coração. O verdadeiro crente encontra na cruz aquilo que cativa todas as afeições do seu coração e deixa aturdido todo o seu ser moral. Os anjos encontram na cruz um tema para contínua admiração. Tudo isso é verdade; mas há alguma coisa na cruz que ultrapassa as mais elevadas concepções dos santos ou dos anjos; isto é, a profunda devoção do coração do Filho para com o Pai e como Este a apreciou. Este é o assunto elevado da cruz, que é manifestado de um modo tão notável no holocausto.

E deixai-me observar que a beleza própria do holocausto seria inteiramente sacrificada se admitíssemos a ideia de que Cristo levou sobre si o pecado durante toda a Sua vida. Deixa de haver então força, valor e significado nas palavras "sua própria vontade". Não poderia haver lugar para ação voluntária no caso de uma pessoa que era compelida, pela própria necessidade da sua posição, a morrer. Se Cristo tivesse levado sobre Si o nosso pecado em Sua vida, então segue-se que a Sua morte seria obrigatória e não um ato voluntário. De fato, pode afirmar-se com segurança que não há uma oferta sequer entre todas cuja beleza não seria manchada e a sua integridade sacrificada pela teoria de uma Vida carregando o pecado. Este é especialmente o caso do holocausto, porquanto não se trata de uma questão de levar sobre si o pecado ou de sofrer a ira de Deus, mas inteiramente de dedicação voluntária, manifestada na morte da cruz. No holocausto reconhecemos uma figura de Deus, o Filho, cumprindo, por intermédio de Deus, o Espírito, a vontade de Deus, o Pai. Isto fez Ele de "sua própria vontade". "Por isso, o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la" (João 10:17). Temos aqui o aspecto da morte de Cristo no holocausto. Por outro lado, o profeta, contemplando-O como oferta pelo pecado, diz: "... a sua vida é tirada da terra" (Atos 8:33, que é a versão LXX* de Isaías 53:8). Outro tanto, Cristo diz: "Ninguém ma tira, mas eu de mim mesmo a dou". Estaria Ele levando o nosso pecado sobre Si quando disse isto? Note-se que Ele diz "ninguém" — homens, anjos, demônios ou qualquer outra criatura. Foi um ato voluntário da Sua própria parte: deu a Sua vida para tornar a tomá-la. "Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu" (Sl 40:8). Tal era a linguagem do holocausto divino — d'Aquele que achou gozo inexprimível em Se oferecer incontaminado a Deus.

{* LXX - "Septuaginta" - versão grega do Velho Testamento.}

É, pois, da máxima importância, aprender com distinção o primário objetivo de Cristo na obra de redenção. Isto tende a consolidar a paz do crente. O cumprimento da vontade de Deus, o estabelecimento dos desígnios de Deus e a demonstração da glória de Deus era o que ocupava plena, profunda e amplamente esse coração dedicado, que via e avaliava todas as coisas em relação com Deus. O Senhor Jesus nunca se deteve para questionar até que ponto qualquer ato ou circunstância afetaria a Si Próprio. "Esvaziou-se a si mesmo" -- "fez a Si próprio sem nenhuma reputação" (Fp 2:7-8, ACF e KJV). Renunciou a tudo. E, por isso, quando chegou ao fim da Sua carreira, pôde olhar para trás e, com os olhos levantados ao céu, dizer, "Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer" (João 17:4). É impossível contemplar a obra de Cristo sob este aspecto sem que o coração se sinta cheio das mais gratas afeições para com a Sua Pessoa. O conhecimento de que o Seu primeiro objetivo na obra da cruz era Deus não diminui em nada o sentimento que temos do Seu amor por nós. Pelo contrário: o Seu amor por nós, e a nossa salvação n'EIe só podiam ser fundamentados no estabelecimento da glória de Deus. Essa glória deve formar a base sólida de todas as coisas. "Porém, tão certamente como eu vivo e como a glória do Senhor encherá toda a terra" (Números 14:21). Mas nós sabemos que a glória eterna de Deus e a bem-aventurança eterna da criatura estão inseparavelmente ligadas aos desígnios divinos, de sorte que, se a primeira está assegurada, a segunda tem de sê-la também.
 
C. H. Makintosh

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