sábado, 30 de maio de 2020

Os Sacrifícios pelo Pecado

(Comentário Levítico 4 - 5:13: OS SACRIFÍCIOS QUE NÃO SÃO DE CHEIRO SUAVE)
 
Tendo considerado as ofertas de "cheiro suave", chegamos agora aos "sacrifícios pelo pecado". Estes eram divididos em duas classes, a saber, sacrifícios pelo pecado e expiação do pecado. Na primeira havia três categorias; primeiro, o sacrifício pelo "sacerdote ungido" e por "toda a congregação". Estes dois tinham os mesmos ritos e cerimônias (compare-se os versículos 3 a 12 com os versículos 13 a 23). Era o mesmo, quer tivesse sido o representante da assembleia ou a própria assembleia que tivesse pecado. Em qualquer dos casos, três coisas estavam envolvidas: a habitação de Deus na assembleia, a adoração da assembleia e a consciência individual. Ora, visto que as três coisas dependiam do sangue, verificamos que, na primeira categoria do sacrifício pelo pecado, três coisas eram feitas com o sangue. Era aspergido "sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário". Isto assegurava as relações de Jeová com o povo e a Sua habitação no meio deles. Depois lemos: "Também porá o sacerdote daquele sangue sobre as pontas do altar do incenso aromático, perante o Senhor, altar que está na tenda da congregação". Isto assegurava a adoração da assembleia. Pondo o sangue sobre "o altar de ouro", a verdadeira base de adoração era mantida, de forma que a chama do incenso e a sua fragrância podiam subir continuamente. Finalmente, "todo o resto do sangue do novilho derramará à base do altar do holocausto, que está à porta da tenda da congregação". Aqui temos o que satisfaz plenamente as exigência da consciência de cada indivíduo; pois o altar de cobre era o lugar de acesso individual. Era onde Deus encontrava o pecador.

Nas outras duas categorias, para "um príncipe" ou "qualquer outra pessoa do povo da terra", era apenas uma questão de consciência individual; e portanto uma única coisa era feita com o sangue. Era todo derramado "à base do altar do holocausto" (compare-se verso 7 com os versos 25, 30). Existe em tudo isto uma precisão divina que requer toda a atenção do leitor, se deseja compreender os pormenores maravilhosos desta figura*.

{* Entre a oferta por "um príncipe" e a oferta por "qualquer outra pessoa" há esta diferença: na primeira era um "macho sem mancha"; na última "uma fêmea sem mancha". O pecado de um príncipe exercia necessariamente maior influência do que o de uma pessoa comum; e, portanto, era necessária uma aplicação mais poderosa do valor do sangue. Em Lv 5:13 encontramos casos que requerem uma aplicação ainda mais inferior à da oferta de expiação pelo pecado — casos de juramento e de contato com formas de impureza, em que "a décima parte de um efa de flor de farinha" era admitido como oferta de expiação pelo pecado (Veja-se Lv 5:11-13). Que contraste entre o aspecto de expiação apresentado por um bode de um príncipe e a mão-cheia de flor de farinha de um pobre homem! E, todavia, no último, tão certo como no primeiro, lemos, "e ser-lhe-á perdoado".

O leitor há de notar que o capítulo 5:1-13 forma uma parte do capítulo 4. Ambos estão compreendidos sob o mesmo título, e apresentam a doutrina da oferta de expiação do pecado, em todas as suas aplicações, desde um bode a uma mão-cheia de flor de farinha. Cada classe de oferta é anunciada pelas palavras. "Falou mais o Senhor a Moisés". Assim, por exemplo, com as ofertas de "cheiro suave" (capítulos 1-3) são introduzidas pelas palavras: "E chamou o Senhor a Moisés". Estas palavras não são repetidas até ao capítulo 4:1, onde introduzem o sacrifício de expiação do pecado. Ocorrem outra vez no capítulo 5:14, onde é introduzida a oferta de transgressão por pecados cometidos "nas coisas sagradas do Senhor"; e outra vez no capítulo 6:1, onde introduzem a oferta de transgressão por pecados cometidos contra o Senhor no tocante ao seu próximo.

É uma classificação bela e simples, e pode auxiliar o leitor a compreender as diversas classes de ofertas. Quanto às diversas categorias em cada classe, "um bode", "um carneiro", "uma fêmea", "uma pomba", "uma mão-cheia de flor de farinha", parece serem outras tantas aplicações diversas da mesma grande verdade.}

O efeito do pecado individual não podia prolongar-se para além dos limites da consciência do indivíduo. O pecado de "um príncipe" ou de "qualquer outra pessoa do povo", não podia, em sua influência, atingir "o altar do incenso" — o lugar da adoração sacerdotal. Não podia tão-pouco chegar ao "véu do santuário" — o limite sagrado da habitação de Deus no meio do Seu povo. É bom ponderar isto. Nunca devemos levantar uma questão de pecado pessoal ou falta no lugar de culto sacerdotal ou na assembleia. Deve ser tratada no lugar de aproximação pessoal. Muitos erram sobre este ponto. Vêm à assembleia ou lugar público de culto com a sua consciência manchada, e desta forma arrastam toda a assembleia e contaminam o seu culto. Este mal deveria ser rigorosamente examinado e deveria haver cuidadosa vigilância contra ele. Precisamos andar com maior vigilância para que a nossa consciência possa estar sempre na luz. E quando falhamos, como, infelizmente, acontece em tantas coisas, devemos tratar com Deus sobre a nossa falta em oculto*, para que a nossa verdadeira adoração e a posição da assembleia possam ser mantidas sempre plenamente com clareza diante da alma.

{* N. do T.: há pecados, especialmente aqueles que mancham o testemunho, que devem sim ser confessados aos irmãos que tomam posição de liderança na assembleia (não a toda a assembleia), de modo que os irmãos possam colocar diante do Senhor e tomar decisões de disciplina e restauração que podem ser necessárias. Vide, por exemplo, 1 Coríntios 5 e Tiago 5:16. Mais sobre disciplina na assembleia:

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Culto

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Esse último ponto (a ligação entre a doutrina do sacrifício pacífico e a adoração cristã) está relacionado e baseado em outra verdade fundamental da "lei do sacrifício pacífico". "Mas a carne do sacrifício de louvores da sua oferta pacífica se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até amanhã." Quer dizer, a comunhão do adorador nunca deve separar-se do sacrifício sobre o qual a comunhão está baseada. Na medida em que se tenha energia espiritual para manter essa conexão, o culto (adoração) e a comunhão subsistirão em frescura e aceitação. Devemos estar perto do sacrifício, no espírito do nosso entendimento, nas afeições do nosso coração e na experiência das nossas almas. É isto que dará poder e duração ao nosso culto. Pode acontecer de começarmos qualquer ato ou expressão de culto com os nossos corações ocupados imediatamente com Cristo; e, antes de chegarmos ao fim, estarmos ocupados com o que estamos fazendo ou dizendo ou com as pessoas que nos escutam; e, desta forma, caímos naquilo que pode se chamar de "iniquidade nas nossas coisas santas". Isto é profundamente solene e deveria tornar-nos vigilantes. Começamos o culto no Espírito e acabamos na carne. Devemos ter sempre o cuidado de não nos apressarmos a proceder, nem por um momento, para além da energia do Espírito, porque o Espírito manter-nos-á sempre ocupados com Cristo. Se o Espírito Santo nos inspira "cinco palavras" de adoração ou de ações de graças, pronunciemos as cinco e calemo-nos. Se continuarmos a falar, estamos comendo a carne do nosso sacrifício além do tempo fixado; e isso, longe de ser "aceitável", é, na realidade, "uma abominação". Lembremo-nos disto e vigiemos. Não há necessidade para alarme. Deus quer que sejamos guiados pelo Espírito e assim cheios de Cristo em todo o nosso culto. Ele só pode aceitar aquilo que é divino; e, portanto, não quer que seja apresentado nada senão o que é divino.

"E, se o sacrifício da sua oferta for voto ou oferta voluntária, no dia em que oferecer o seu sacrifício se comerá; e o que dele ficar também se comerá no dia seguinte" (Levítico 7:16). Quando a alma se eleva a Deus em um ato voluntário de adoração, tal adoração provêm de uma maior medida de energia espiritual do que quando procede simplesmente de alguma graça particular do próprio momento. Se se há recebido uma favor especial da mão do Senhor, a alma eleva-se imediatamente em ação de graças. Neste caso, o culto é suscitado por e ligado com esse favor ou misericórdia, qualquer que possa ser, e acaba aí. Porém quando o coração é levado pelo Espírito Santo a qualquer expressão voluntária ou deliberada de louvor, o culto terá um caráter mais duradouro. De qualquer forma, o culto espiritual ligar-se-á sempre com o precioso sacrifício de Cristo.

"E o que ainda ficar da carne do sacrifício ao terceiro dia será queimado no fogo. Porque, se da carne do seu sacrifício pacífico se comer ao terceiro dia, aquele que a ofereceu não será aceito, nem lhe será imputado; coisa abominável será, e a pessoa que comer dela levará a sua iniquidade". Nada tem qualquer valor, segundo o juízo de Deus, senão aquilo que está intimamente ligado com Cristo. Pode existir muita aparência de culto, e ser, afinal, a mera excitação e expressão de sentimentos naturais. Pode haver uma grande aparente devoção, que é, simplesmente, devoção carnal. A natureza pode excitar-se, no campo religioso, de diversas maneiras, tais como pompa, cerimônias, procissões, atitudes, ricas vestimentas, uma liturgia eloquente e todos os atrativos de um esplêndido ritualismo; e, contudo, pode haver uma absoluta ausência de culto espiritual. Sim, acontece frequentemente que os mesmos gostos e inclinações que são excitados e satisfeitos por formas pomposas de um culto chamado religioso, encontrariam um alimento mais apropriado na ópera ou nos concertos.

Aqueles que sabem e que desejam lembrar-se que "Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-Lo em espírito e em verdade" (João 4:24) devem pôr-se em guarda contra tudo isso. A religião, assim chamada, reveste-se, em nossos dias, dos mais poderosos atrativos. Deixando para trás a grosseria da idade média, ela chama em seu auxílio todos os recursos de gosto requintado de um século iluminado e culto. A escultura, a música, e a pintura* vazam os seus ricos tesouros no seu seio, a fim de que ela possa, com isso, preparar um poderoso narcótico para embalar as multidões irrefletidas numa sonolência que só será interrompida pelos indescritíveis horrores da morte, do juízo e do lago de fogo. Ela pode também dizer: "Sacrifícios pacíficos tenho comigo; hoje paguei os meus votos... Já cobri a minha cama com cobertas de tapeçaria, com obras lavradas com linho fino do Egito; já perfumei o meu leito com mirra, aloés e canela" (Provérbios 7:14-17). Assim a religião corrompida seduz, por sua poderosa influência, aqueles que não querem escutar a voz celestial da sabedoria.

{*N. do T.: Este texto foi escrito no século XIX. Hoje em dia, vemos outros entretenimentos mundanos que foram introduzidas no culto religioso na cristandade, tais como teatro, dança e cinema.}
 
Guarde-se o leitor de tudo isso. Certifique-se de que o seu culto está inseparavelmente ligado com a obra da cruz. Veja se Cristo é o fundamento, Cristo o elemento e o Espírito Santo o poder do seu culto. Guarde-se de que o ato exterior do seu culto não se alongue para além deste poder íntimo. É necessária muita vigilância para se evitar esse mal. Os seus manejos secretos são dos mais difíceis de detectar e impedir. Podemos começar um hino no verdadeiro espírito de culto, e, por falta de poder espiritual, podemos, antes de chegar ao fim, cair no mal que corresponde ao ato cerimonial de comer a carne do sacrifício pacífico ao terceiro dia. A nossa única salvaguarda consiste em estarmos perto de Jesus. Se elevarmos os nossos corações em "ações de graças" por qualquer mercê especial, façamo-lo no poder do nome e do sacrifício de Cristo. Se as nossas almas se elevam em adoração "voluntária", que seja na energia do Espírito Santo. Deste modo o nosso culto terá aquele frescor, aquela fragrância e profundidade de tom, aquela elevação moral, que devem resultar do fato de se ter o Pai por objeto, o Filho por fundamento e o Espírito Santo como o poder de nosso culto.

Que assim seja, ó Senhor, com todos os que te adoram, até nos encontrarmos em corpo, alma e espírito na segurança da tua presença eterna, fora do alcance de toda a influência perniciosa do falso culto e da religião corrompida, e também fora do alcance dos diferentes impedimentos que provêm destes corpos de pecado e morte que trazemos em nós!

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NOTA: É interessante observar que, embora o sacrifício pacífico seja o terceiro na ordem dos sacrifícios, contudo "a Lei" dele é dada depois de todos. Esta circunstância não deixa de ter a sua importância. Em nenhum dos sacrifícios a comunhão do adorador é tão claramente revelada como no sacrifício pacífico. No holocausto vemos Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus. Na oferta de manjares, temos a perfeita humanidade de Cristo. Depois, passando à expiação do pecado, aprendemos que o pecado em sua raiz é inteiramente expiado. Na expiação da culpa, há plena provisão para os pecados na vida presente. Mas em nenhum é revelada a comunhão do adorador. A comunhão pertence ao "sacrifício pacífico"; e, daí, creio, a posição que ocupa a ''lei deste sacrifício". Aparece no fim de todas, ensinando-nos com isso que, quando se trata de uma questão de a alma se alimentar de Cristo, tem de ser um Cristo completo, considerado sob todas as fases possíveis da Sua vida — o Seu caráter, a Sua Pessoa, Sua Obra, e Seus ofícios. E, além disso, que, quando tivermos acabado para sempre com o pecado e os pecados, deleitar-nos-emos em Cristo e nos alimentaremos d'Ele por todos os séculos eternos. Seria, creio, uma falta grave no nosso estudo dos sacrifícios se deixássemos de considerar uma circunstância tão digna de ser notada como a que acabamos de frisar. Se a "lei do sacrifício pacífico" fosse dada pela ordem em que ocorre, o próprio sacrifício viria imediatamente depois da lei da oferta de manjares; porém em vez disso, são dadas "a lei da expiação do pecado" e "a lei da expiação da culpa" e, então, em conclusão, segue-se a "lei do sacrifício pacífico".

C. H. Mackintosh

domingo, 24 de maio de 2020

A Ceia do Senhor

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Antes de deixarmos esta parte do assunto, quero fazer uma observação sobre a ceia do Senhor, que, sendo um ato proeminente da comunhão da Igreja, pode, com estrita propriedade, ser considerada em ligação com a doutrina do sacrifício pacífico. A celebração inteligente da ceia do Senhor deve depender sempre do reconhecimento do Seu caráter puramente de ação de graças. É especialmente uma festa de ação de graças — ação de graças por uma redenção cumprida. "Porventura, o cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é, porventura, a comunhão do corpo de Cristo?" (1 Coríntios 10:16). Por isso, uma alma curvada sob o peso do fardo do pecado não pode comer a ceia do Senhor com inteligência espiritual, visto que essa festa é expressiva da completa remoção do pecado pela morte de Cristo: "... anunciais a morte do Senhor, até que venha" (1 Coríntios 11:26). Na morte de Cristo, a fé vê o fim de tudo que pertencia ao nosso lugar na velha criação; e, visto que a ceia do Senhor anuncia essa morte, deve ser considerada como a recordação do fato glorioso que o fardo do pecado do crente foi levado por Aquele que o tirou para sempre. Declara que a cadeia dos nossos pecados, com que estávamos presos e amarrados, foi partida para sempre pela morte de Cristo e não pode jamais prender-nos ou amarrar-nos de novo. Nós reunimo-nos ao redor da mesa do Senhor com toda a alegria de vencedores. Volvemos os olhos para a cruz onde se travou e ganhou a batalha; e antevemos a glória em que entraremos nos resultados plenos e eternos da vitória.

Decerto, temos "fermento" em nós; mas não temos nenhuma "imundície" sobre nós. Não temos que fixar os olhos nos nossos pecados; mas, sim, n'Aquele que os levou sobre a cruz e os tirou para sempre. Não temos de nos enganar a nós mesmos com a ideia presunçosa de que "não temos pecado" em nós; nem vamos negar a verdade da Palavra de Deus e a eficácia do sangue de Cristo recusando alegrarmo-nos com a verdade preciosa que não temos pecado sobre nós, porque "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado". É verdadeiramente deplorável ver a nuvem carregada que se forma sobre a ceia do Senhor, com o parecer de tantos cristãos professos. Este fato contribui, tanto como tudo o mais, para revelar a enorme falta de compreensão a que se pode chegar com respeito às verdades mais elementares do evangelho. De fato, sabemos que, quando a ceia do Senhor é tomada por uma razão qualquer que não seja o conhecimento da salvação — o gozo do perdão, a consciência da libertação —, a alma é envolvida em nuvens mais escuras e espessas do que nunca. Aquilo que deveria ser apenas um memorial de Cristo é usado para tirá-Lo de Seu lugar de direito. Aquilo que deveria celebrar uma redenção efetuada é empregado como um degrau para alcançá-la. É assim que se abusa das ordenações, as almas são submergidas nas trevas e cai-se na confusão e no erro.

Quão diferente é a bela ordenação do sacrifício pacífico! Neste, considerado sob a sua importância simbólica, vemos que, logo que o sangue era derramado, Deus e o adorador podiam alimentar-se em feliz e pacífica comunhão. Nada mais era necessário. A paz estava estabelecida pelo sangue; e, sobre essa base, prosseguia a comunhão. Uma simples dúvida quanto ao estabelecimento da paz é fatalmente o golpe mortal na comunhão. Se estamos ocupados com esforços inúteis para conseguir a paz com Deus, então desconhecemos totalmente o que é a comunhão e o culto. Se o sangue do sacrifício pacífico não foi derramado, é impossível alimentarmo-nos com "o peito" ou a "espádua". Mas, por outro lado, se o sangue foi derramado, então a paz já está feita. Deus mesmo fez a paz e isto é bastante para a fé; e, portanto, pela fé temos comunhão com Deus, no conhecimento e gozo da redenção efetuada. Provamos a frescura do próprio gozo de Deus naquilo que Ele fez. Alimentamo-nos de Cristo em toda a plenitude e bem-aventurança da presença de Deus.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 22 de maio de 2020

O "Pecado" e os "Pecados"

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Esta série de pensamentos está intimamente relacionada e plenamente confirmada por dois princípios estabelecidos na "lei do sacrifício pacífico".

No versículo 13 do capítulo 7 de Levítico lemos: "Com os bolos oferecerá pão levedado". E ainda no versículo 20 lemos: "Porém, se alguma pessoa comer a carne do sacrifício pacífico, que é do Senhor, tendo ela sobre si a sua imundícia, aquela pessoa será extirpada dos seus povos". Aqui temos as duas coisas claramente postas diante de nós, a saber; o pecado em nós e o pecado sobre nós. O "fermento" era permitido porque havia pecado na natureza do adorador. A "imundícia" não era permitida porque não devia haver pecado na consciência do adorador. Onde há pecado não pode haver comunhão. Deus proveu expiação para o pecado, que Ele sabe estar em nós, pelo sangue da expiação. Por isso, lemos acerca do pão levedado no sacrifício pacífico: "E de toda oferta oferecerá um deles por oferta alçada ao Senhor, que será do sacerdote que espargir o sangue da oferta pacífica" (versículo 14). Em outras palavras, o "fermento"* na natureza do adorador estava perfeitamente expiado pelo "sangue" do sacrifício. O sacerdote que recebe o pão levedado é quem deve espargir o sangue. Deus afastou da Sua vista o nosso pecado para sempre. Apesar do pecado estar em nós, não é objeto para fixar os Seus olhos. Ele vê só o sangue; e portanto pode andar conosco e consentir ininterrupta comunhão consigo. Porém, se permitirmos que "o pecado" que está em nós se desenvolva na forma de "pecados", então tem de haver confissão, perdão e purificação, antes de podermos comer outra vez da carne da oferta pacífica. A exclusão do adorador, por causa de impureza mencionada no cerimonial, corresponde à suspensão de um crente da comunhão, por causa de pecado por confessar. Intentar ter comunhão com Deus em nossos pecados implicaria na blasfema insinuação de que Ele poderia andar em companhia do pecado. "Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos em trevas, mentimos e não praticamos a verdade" (1 João 1:6).
 
{* O leitor não deve esquecer que o fermento é sempre um símbolo do mal (N. do T.).}

A luz dessa linha de verdade, podemos finalmente ver o quanto erramos quando supomos ser um sinal de espiritualidade estarmos ocupados com os nossos pecados. Poderia o pecado ou os pecados jamais serem o fundamento ou alimentar a nossa comunhão com Deus? Não, certamente. Já vimos que, enquanto o pecado é o objetivo que temos perante nós, a comunhão tem de ser interrompida. A comunhão só pode ser "na luz"; é indubitável que não há pecado na luz. Na luz só se pode ver o sangue que tirou os nossos pecados e nos trouxe para perto, e o Advogado que nos mantém perto de Si. O pecado foi esquecido para sempre naquele lugar onde Deus e o adorador se encontram em santa comunhão. O que é que constituiu o elemento de comunhão entre o Pai e o pródigo? Foram os trapos deste? Foram as bolotas da "terra longínqua"? De modo nenhum. Não foi nada que o pródigo trouxe consigo. Foi a rica provisão do amor do Pai — "o bezerro cevado". Assim é com Deus e o verdadeiro adorador. Alimentam-se em conjunto e elevada comunhão d'Aquele cujo precioso sangue os associou para sempre nessa luz da qual nenhum pecado pode jamais acercar-se.

Nem por um instante precisamos supor que a verdadeira humildade se mostre ou se promova recordando os nossos pecados ou lamentando-nos sobre eles. Uma tristeza impura e dolorosa pode assim ser aumentada; mas a verdadeira humildade salta sempre de uma origem totalmente diferente. Quando é que o pródigo mais se humilhou? Quando "caiu em si", na terra longínqua, ou quando chegou a casa do Pai e se reclinou no seu seio? Não é evidente que a graça que nos eleva às mais elevadas alturas de comunhão com Deus, é a única que nos conduz às maiores profundidades de uma genuína humildade? Sem dúvida. A humildade que tem a sua origem na remoção dos nossos pecados deve ser sempre mais profunda do que aquela que resulta de os descobrirmos. A primeira liga-nos com Deus; a última relaciona-nos com o ego. O meio de se ser verdadeiramente humilde é andar com Deus no conhecimento e poder do parentesco em que Ele nos colocou. Ele fez-nos Seus filhos; e se andarmos como tais seremos humildes.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 20 de maio de 2020

O Juízo Próprio

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Finalmente, a diferença entre a oração e a confissão, no que diz respeito ao estado do coração perante Deus e ao seu sentimento moral de aversão ao pecado, não pode ser, de modo algum, superestimada. É muito mais fácil pedir, de uma maneira geral, o perdão dos nossos pecados, do que confessar esses pecados. A confissão envolve o juízo próprio (ou autojulgamento); pedir o perdão pode não envolver isso e, em si mesmo, não envolve esse juízo. Isto, só por si, seria o suficiente para salientar a diferença. O juízo próprio é um dos mais valiosos e saudáveis exercícios da vida cristã. Portanto, tudo que tende a produzi-lo deve ser altamente apreciado por todo o cristão sincero.

A diferença entre pedir perdão e confessar o pecado é continuamente exemplificada no nosso tratamento com as crianças. Se uma criança tem feito alguma maldade, acha menos dificuldade em pedir ao pai que a perdoe do que em confessar abertamente e sem reservas a maldade. Ao pedir perdão, a criança pode ter em seu pensamento um determinado número de coisas que tendem a diminuir o sentimento do mal; pode pensar que, afinal, não havia muita razão para a censurarem, embora seja conveniente pedir perdão ao pai; enquanto que, ao confessar a maldade, faz o seu próprio julgamento. Além disso, ao pedir perdão, a criança pode ser influenciada principalmente pelo desejo de escapar às consequências da sua maldade; enquanto que um pai sensato procurará despertar no filho exatamente a convicção do mal, e essa convicção só pode conseguir-se em relação com uma franca confissão da falta relacionada com o julgamento de si próprio.

Assim é também na maneira de Deus proceder para com os Seus filhos, quando eles procedem mal. Tudo tem de ser exposto completamente e julgado pela pessoa. Ele quer fazer-nos recear não só as consequências do pecado — que são indizíveis — mas detestar também o próprio mal, por causa da sua hediondez aos Seus olhos. Se fosse possível, quando cometemos pecado, sermos perdoados simplesmente porque pedimos perdão, a nossa compreensão do pecado e atitude perante ele não seriam tão intensas; e, como consequência, a nossa apreciação da comunhão com que somos abençoados não seria tão elevada. O efeito moral de tudo isto sobre o caráter da nossa constituição espiritual e a natureza da vida prática deve ser claro para todo o crente experimentado*.

{* O caso de Simão, o mago, em Atos 8, pode apresentar uma dificuldade para o leitor. Mas basta dizer dele que uma pessoa que está "em fel de amargura e laço de iniquidade" nunca poderia ser apresentada como modelo para os filhos de Deus. O seu caso não interfere, de modo algum, com a doutrina de 1 João 1:9. Ele não tinha o parentesco de filho e, consequentemente, não podia se beneficiar da advocacia do nosso Advogado junto do Pai. Devo acrescentar ainda que o assunto da oração do Senhor não está de modo algum envolvido neste caso. Desejo limitar-me à passagem que se segue. Devemos evitar sempre a adoção de regras rígidas. Uma alma pode clamar a Deus em quaisquer circunstâncias e pedir o que carece. Ele está sempre pronto a ouvir e a responder.}

C. H. Mackintosh

domingo, 17 de maio de 2020

A Confissão dos Pecados

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Mas, "se alguém pecar", que deve fazer? O apóstolo inspirado dá uma resposta clara e bendita: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (1 João 1:9). Confissão é a maneira de manter a consciência livre. O apóstolo não diz, "se orarmos por perdão, ele é benigno e misericordioso para nos perdoar" .Sem dúvida, é sempre um alívio para qualquer filho fazer chegar aos ouvidos do pai as suas necessidades — contar-lhe as suas fraquezas, confessar-lhe a sua tolice, defeitos e faltas. Tudo isto é muito verdade; e além disso é igualmente verdade que o nosso Pai é terno e misericordioso para atender os Seus filhos em todas as suas fraquezas e ignorância; porém, apesar de tudo isto ser verdade, o Espírito Santo declara, por intermédio do apóstolo, que, "se confessarmos os nossos pecados", Deus é "fiel e justo para nos perdoar". Portanto, a confissão é o método divino. Um cristão que tenha errado em pensamento, palavras ou ação, pode orar, pedindo perdão, durante dias e meses e não ter a certeza, segundo 1 Jo 1:9, de ter sido perdoado; ao passo que no momento em que verdadeiramente confessar o seu pecado, diante de Deus, é simplesmente uma questão de fé saber que está perdoado e perfeitamente purificado.

Existe uma grande diferença moral entre orar pedindo perdão e confessar os nossos pecados, quer encaremos o problema em relação ao caráter de Deus, quer em relação ao sacrifício de Cristo ou ainda à condição da alma. É muito possível que a oração de uma pessoa envolva a confissão do pecado, qualquer que seja a sua natureza, e assim chegar ao mesmo resultado. Porém, é sempre bom não nos afastarmos da Escritura no que pensamos, dizemos e fazemos. É evidente que quando o Espírito Santo fala de confissão, não quer dizer oração. E é também evidente que Ele sabe que existem elementos morais na confissão e que dela resultam efeitos práticos que não pertencem à oração. De fato, descobrimos amiúde que o hábito de importunar Deus com o pedido do perdão dos pecados revela ignorância a respeito da forma como Deus se revelou na Pessoa e obra de Cristo; acerca da relação em que o sacrifício de Cristo colocou o crente e quanto ao modo divino de aliviar a consciência do fardo do pecado e de purificá-la da mancha do pecado.

Deus ficou perfeitamente satisfeito, quanto aos pecados do crente, na cruz de Cristo. Na cruz foi feita completa expiação por todo o pecado na natureza do crente e na sua consciência. Por isso, Deus não necessita de nenhuma propiciação a mais. Não precisa de qualquer coisa mais para despertar o Seu coração pelo crente. Não precisamos Lhe suplicar que seja "fiel e justo", sabendo que a Sua fidelidade e justiça foram tão gloriosamente demonstradas, justificadas e satisfeitas na morte de Cristo. Os nossos pecados nunca poderão vir à presença de Deus, visto que Cristo, que os levou todos e os tirou, está ali. Contudo, se pecamos, a consciência sente — deve senti-lo; sim, o Espírito Santo far-nos-á senti-lo. Não pode deixar passar um simples pensamento vão sem ser julgado. E então? Será que isso significa que o nosso pecado abriu caminho para a presença de Deus? Terá encontrado lugar na luz pura do santuário? Deus nos livre de tal pensamento! O "Advogado" está ali — "Jesus Cristo o Justo", para manter, em integridade inquebrantável, o parentesco em que nos encontramos com Ele. Todavia, embora o pecado não possa afetar os pensamentos de Deus a nosso respeito, pode afetar e afeta os nossos pensamentos em relação a Ele*. Embora o pecado não tenha acesso à presença d'Ele, pode chegar à nossa, da maneira mais dolorosa e humilhante. Embora não possa ocultar o Advogado dos olhos de Deus, pode encobri-Lo dos nossos. Amontoa-se, como uma nuvem sombria e espessa, sobre o nosso horizonte espiritual, de sorte que as nossas almas não podem desfrutar a claridade bendita da face do Pai. Não pode afetar o nosso parentesco com Deus, mas pode afetar seriamente o desfrute que temos dele. Que devemos, pois, fazer? A Palavra de Deus responde: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça". Por meio da confissão desembaraçamos a nossa consciência; o sentimento agradável da nossa posição de filhos é restaurado; a nuvem sombria dissipa-se; a influência desanimadora desaparece; os nossos pensamentos em relação a Deus são endireitados. Tal é o método divino; e podemos dizer que, na realidade, o coração que sabe o que é ter estado no lugar da confissão sentirá o poder divino das palavras do apóstolo: "Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo PARA QUE NÃO PEQUEIS" (1 Jo 2:1).

{* O leitor deve lembrar-se que o assunto tratado no texto deixa inteiramente por considerar uma verdade muito importante e prática ensinada em João 14:21-28, a saber, o amor particular do Pai para com o filho obediente e a comunhão especial de tal filho com o Pai e o Filho. Que esta verdade seja gravada em nossos corações pela pena do Deus Espírito Santo.}

Em contrapartida, há um estilo de oração pedindo perdão em que se perde de vista o fundamento perfeito do perdão, o qual foi lançado no sacrifício da cruz. Se Deus perdoa pecados, tem de ser "fiel e justo" ao perdoar. Mas é evidente que as nossas orações, por mais sinceras e fervorosas que sejam, nunca poderiam constituir a base da fidelidade e justiça de Deus para perdoar os nossos pecados. Nada, salvo a obra da cruz, podia conseguir isto. Ali a fidelidade e a justiça de Deus foram plenamente estabelecidas, e isso também com relação imediata aos nossos pecados atuais e à sua raiz na nossa natureza. Deus já julgou os nossos pecados na Pessoa do nosso substituto "no madeiro"; e, no ato da confissão, nós julgamo-nos a nós mesmos. Isto é essencial para se alcançar o perdão divino e restauração. O menor pecado por confessar e por julgar, na consciência, manchará inteiramente a nossa comunhão com Deus. Simplesmente termos o pecado em nós (a raiz, que não pode ser tirada), não terá esse efeito; porém, se permitirmos que o pecado permaneça sobre nós, não podemos ter comunhão com Deus. Ele tirou os nossos pecados de tal maneira, que pode ter-nos na Sua presença; e enquanto estivermos na Sua presença o pecado não poderá perturbar-nos. Porém se saímos da Sua presença e cometemos pecado, ainda que seja só em pensamento, a nossa comunhão deve, por necessidade, ser suspensa, até que, pela confissão, nos libertemos do pecado. Tudo isto está fundado exclusivamente sobre o sacrifício perfeito e a justa advocacia do Senhor Jesus Cristo.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A Distinção entre "Pecado na Carne" e "Pecado na Consciência"

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)
 
É da máxima importância fazer distinção entre pecado na carne e pecado na consciência. Se confundirmos os dois, as nossas almas serão necessariamente transtornadas e o nosso culto será manchado. Um exame atento de 1 João 1:8-10 lançará muita luz sobre este assunto, cuja compreensão é tão essencial para a devida apreciação de toda a doutrina do sacrifício pacífico e principalmente do ponto nele a que chegamos agora. Ninguém terá uma noção tão exata do pecado no íntimo como o homem que anda na luz. "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós". No versículo precedente lemos que "... o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado". Aqui a distinção entre o pecado em nós e o pecado sobre nós está claramente estabelecida. Dizer que o crente tem pecado sobre si, na presença de Deus, é pôr em dúvida a eficácia purificadora do sangue de Jesus e negar a verdade divina a esse respeito. Se o sangue de Jesus pode purificar perfeitamente, então a consciência do crente está perfeitamente purificada. É assim que a Palavra de Deus põe a questão; e nós devemos sempre recordar que é do próprio Deus que temos de aprender qual é, aos seus olhos, a verdadeira condição do crente. Estamos mais dispostos a dizer a Deus o que somos em nós mesmos do que permitir que Deus nos diga o que somos em Cristo. Por outras palavras, estamos mais ocupados com nossa faculdade de autoconsciência, isto é, de percebermos a nossa própria condição, do que com a revelação que Deus nos dá de Si mesmo. Deus fala-nos baseado no que Ele é em Si mesmo e no que cumpriu em Cristo. Tal é a natureza e o caráter da Sua revelação, da qual a fé toma posse e assim enche a alma de perfeita paz. A revelação de Deus é uma coisa; a minha percepção natural é outra muito diferente.

Porém, a mesma palavra que nos diz que não temos pecado sobre nós diz-nos, com igual clareza e poder, que temos pecado em nós. "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós". Todo aquele que tem a "verdade" em si também saberá que tem pecado "em si"; pois a verdade revela todas as coisas como são. Que devemos, então, fazer? É nosso privilégio andar de tal maneira no poder da nova natureza, que o "pecado", que habita em nós, não possa manifestar-se na forma de "pecados". A posição do cristão é de vitória e liberdade. Ele é libertado não só da condenação do pecado, mas também do pecado como princípio dominante na sua vida. "Sabendo isto: que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, afim de que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto, está justificado do pecado... não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências... porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça" (Romanos 6:6-14). O pecado está ali em todo o seu aviltamento; porém o crente está "morto para ele". Como? Morreu em Cristo. Por natureza estava morto em pecado. Pela graça está morto para o pecado. Que direito pode alguém ter sobre um morto? Nenhum. Cristo "morreu de uma vez para o pecado", e o crente morreu n'Ele. "Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sabendo que havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado, mas, quanto a viver, vive para Deus". Qual é o resultado disto, em relação aos crentes? "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Romanos 6:8-11). Tal é a posição inalterável do crente diante de Deus! Por isso é seu alto privilégio gozar da liberdade do domínio do pecado sobre si, embora o pecado habite em si.

C. H. Mackintosh

A Lei do Sacrifício Pacífico

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Prosseguirei agora citando na íntegra a lei do Sacrifício Pacífico, na qual encontramos alguns pontos adicionais de grande interesse — pontos que lhe são peculiares: "E esta é a lei do sacrifício pacífico que se oferecerá ao Senhor: Se o oferecer por oferta de louvores, com o sacrifício de louvores, oferecerá bolos asmos amassados com azeite e coscorões asmos amassados com azeite; e os bolos amassados com azeite serão fritos, de flor de farinha. Com os bolos oferecerá pão levedado como sua oferta, com o sacrifício de louvores da sua oferta pacífica. E de toda oferta oferecerá um deles por oferta alçada ao Senhor, que será do sacerdote que espargir o sangue da oferta pacífica. Mas a carne do sacrifício de louvores da sua oferta pacífica se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até à amanhã. E, se o sacrifício da sua oferta for voto ou oferta voluntária, no dia em que oferecer o seu sacrifício se comerá; e o que dele ficar também se comerá no dia seguinte. E o que ainda ficar da carne do sacrifício ao terceiro dia será queimado no fogo. Porque, se da carne do seu sacrifício pacífico se comer ao terceiro dia, aquele que a ofereceu não será aceito, nem lhe será imputado; coisa abominável será, e a pessoa que comer dela levará a sua iniquidade. E a carne que tocar alguma coisa imunda não se comerá; com fogo será queimada; mas da outra carne, qualquer que estiver limpo, comerá dela. Porém, se alguma pessoa comer a carne do sacrifício pacífico, que é do Senhor, tendo ela sobre si a sua imundícia, aquela pessoa será extirpada dos seus povos. E, se uma pessoa tocar alguma coisa imunda, como imundície de homem, ou gado imundo, ou qualquer abominação imunda, e comer da carne do sacrifício pacífico, que é do Senhor, aquela pessoa será extirpada dos seus povos" (Levítico 7:11-21).

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 14 de maio de 2020

O Precioso Exemplo do Filho Pródigo

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

É absolutamente necessário conhecer a verdade de que estamos na presença de Deus somente como participantes da vida divina e como estando em uma posição de justiça divina. O Pai só podia ter o pródigo à sua mesa se estivesse vestido com "o melhor vestido" e em toda a integridade daquele parentesco em que o via. Tivesse o pródigo conservado os seus andrajos ou sido admitido "como um dos servos da casa", e nós nunca teríamos ouvido essas gloriosas palavras, "comamos e alegremo-nos; porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado". Assim acontece com todos os verdadeiros crentes. A sua velha natureza não é reconhecida como existente diante de Deus. Ele considera-a morta, e assim eles a deviam considerar. Está morta para Deus — morta para a fé. Deve ser mantida no lugar da morte. Não é melhorando a nossa velha natureza que chegamos à presença divina; mas chegamos como possuidores de uma nova natureza. Não foi remendando os trapos da sua condição anterior que o pródigo obteve um lugar à mesa do Pai, mas por ter sido vestido com um vestido que nunca havia visto ou pensado. Não trouxe esse vestido da "terra longínqua", nem o obteve no caminho; mas o pai tinha-o para ele em casa. O pródigo não o fez nem ajudou a fazê-lo; mas o pai adquiriu-o para ele e alegrou-se por vê-lo vestido com ele. Foi assim que se assentaram à mesa para se alimentarem em feliz comunhão "do bezerro cevado".

C. H. Mackintosh

terça-feira, 12 de maio de 2020

A Diferença entre a Oferta de Manjares e o Sacrifício Pacífico

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Havendo assim comparado o sacrifício pacífico com o holocausto, podemos, agora, observar rapidamente a sua relação com a oferta de manjares. Aqui o ponto principal de diferença é este: no sacrifício pacífico havia derramamento de sangue; na oferta de manjares não. Ambos eram ofertas de "cheiro suave"; e, como aprendemos no capítulo 7:12, as duas ofertas estavam intimamente ligadas entre si. Ora, tanto a relação como o contraste são cheios de significado e instrução.

É só em comunhão com Deus que a alma pode deleitar-se na contemplação da humanidade perfeita do Senhor Jesus Cristo. Deus o Espírito Santo deve comunicar, assim como deve dirigir, pela Palavra, a visão mediante a qual podemos contemplar o "Homem Cristo Jesus". Ele podia ter sido revelado "em semelhança da carne do pecado"; podia ter vivido e laborado na terra; podia ter brilhado entre as trevas deste mundo, em todo o fulgor celestial e beleza inerente à Sua Pessoa; podia ter passado rapidamente, como astro brilhante, através do horizonte deste mundo; e durante todo o tempo ter permanecido fora do alcance da visão do pecador.

O homem não poderia sentir o gozo profundo de comunhão com tudo isso, simplesmente porque não haveria base para tal comunhão. No sacrifício pacífico, a base indispensável está inteira e claramente estabelecida. "E porá a sua mão sobre a sua cabeça, e a degolará diante da tenda da congregação: e os filhos de Aarão espargirão o sangue sobre o altar em redor" (versículo 2). Temos aqui o que a oferta de manjares não proporciona, isto é, um fundamento sólido para a comunhão do adorador com toda a plenitude, preciosidade e beleza de Cristo, tanto quanto ele, pela energia do Espírito Santo, é capaz de penetrar. Se estivermos no terreno do "precioso sangue de Cristo", podemos percorrer, com corações tranquilizados e espírito de adoração, por todas as cenas maravilhosas da humanidade do Senhor Jesus Cristo. Se não tivéssemos nada além do aspecto de Cristo que a oferta de manjares apresenta, não teríamos a posição e o fundamento sobre a qual podemos contemplá-lo e assim desfrutar d'Ele. Se não houvesse derramamento de sangue, não haveria qualquer posição nem lugar para o pecador. Mas Levítico 7:12 vincula a oferta de manjares à oferta pacífica e, ao fazê-lo, ensina-nos que, quando nossas almas encontram paz, podemos nos deleitar n'Aquele que "fez a paz" e que é a "nossa Paz".

Mas que fique bem entendido que, embora na oferta pacífica tenhamos derramamento e aspersão de sangue, o pecado não é o pensamento trazido aqui. Quando vemos Cristo na oferta pacífica, Ele não se apresenta diante de nós como o que levou sobre Si nossos pecados, como nos sacrifícios de expiação do pecado e de expiação da culpa; mas (tendo-os já levado sobre Si) como o fundamento de nossa pacífica e feliz comunhão com Deus. Se o pecado estivesse em questão aqui, não se poderia dizer: "Oferta queimada é, de cheiro suave ao Senhor" (Lv. 3:5 comp. com Lv. 4:10-12). Mesmo assim, embora o pensamento aqui não seja o de Cristo levando sobre Si os pecados, há provisão total para quem se considera pecador -- caso contrário, ele não poderia ter parte nenhuma aqui. Para ter comunhão com Deus devemos estar "na luz". E como podemos estar nela? Só com base nesta preciosa declaração. "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 Jo 1:7). Quanto mais permanecermos na luz, mais profunda será a nossa compreensão de tudo que seja contrário a essa luz, e mais profundo também será o sentimento do valor desse sangue que nos dá o direito de estarmos na luz. Quanto mais perto andarmos de Deus, mais conheceremos "as riquezas incontáveis de Cristo".
 
C. H. Mackintosh

segunda-feira, 11 de maio de 2020

O Gozo da Comunhão

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)
 
E, certamente, é de elevar a alegria de todo o verdadeiro sacerdote saber que Deus (para empregar a linguagem do nosso símbolo) teve a Sua porção, antes do sacerdote receber o peito e a espádua. Este pensamento dá força e fervor, engrandecimento e alegria ao culto e à comunhão. Revela a graça maravilhosa d'Aquele que nos deu o mesmo objeto, o mesmo tema, e a mesma alegria que Ele tem. Nada inferior — nada menos do que isto podia satisfazê-Lo. O Pai quer que o pródigo se alimente do bezerro cevado, em comunhão consigo. Não lhe dá um lugar inferior à Sua própria mesa, nem qualquer outra porção senão aquela de que Ele Próprio se alimenta. A linguagem do sacrifício pacífico é esta: "era justo alegrarmo-nos e folgarmos""comamos e alegremo-nos". Tal é a preciosa graça de Deus! Sem dúvida, temos motivos para nos alegrarmos, pois participamos de uma tal graça. Porém, quando podemos ouvir o bendito Deus dizer "comamos e alegremo-nos", dos nossos corações deveria brotar uma corrente contínua de louvores e ações de graças. O gozo de Deus na salvação de pecadores e o Seu gozo na comunhão dos santos podem muito bem despertar a admiração dos homens e dos anjos por toda a eternidade.


C. H. Mackintosh

sábado, 9 de maio de 2020

Uma Porção Comum entre Deus e os Sacerdotes

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

São importantes todos estes pontos de diferença entre o holocausto e o sacrifício pacífico; e quando considerados em conjunto, mostram com grande clareza as duas ofertas perante a mente. No sacrifício pacífico há algo a mais do que a dedicação de Cristo à vontade de Deus. O adorador é apresentado, não simplesmente como espectador, mas como participante; não apenas para observar, mas para se alimentar. Isto dá um caráter notável a esta oferta. Quando observo o Senhor Jesus no holocausto, vejo-o como Aquele cujo coração foi consagrado ao objetivo de glorificar Deus e cumprir a Sua vontade. Mas quando O vejo no sacrifício pacífico, descubro Aquele que tem um lugar no Seu coração amantíssimo e sobre os Seus ombros poderosos para um pecador indigno e desamparado. No holocausto, o peito, as pernas e as entranhas, a cabeça e a gordura, tudo era queimado em cima do altar — tudo subia como cheiro suave a Deus. Porém no sacrifício pacífico a própria porção que me convém é reservada para mim. E não tenho de alimentar-me, na solidão, daquilo que satisfaz a minha própria necessidade. De modo nenhum. Alimento-me em comunhão com Deus e em comunhão com os meus companheiros no sacerdócio. Alimento-me com o perfeito e feliz conhecimento de que o mesmíssimo sacrifício que nutre a minha alma também já satisfez o coração de Deus; e, além disso, de que a mesma porção que me alimenta também alimenta todos os meus companheiros em adoração. Comunhão é a palavra de  ordem aqui — comunhão com Deus e comunhão com os santos. Não havia qualquer tipo de isolamento na oferta pacífica. Deus tinha a Sua porção, e assim também a família sacerdotal tinha a sua.

Assim é com o Antítipo do sacrifício pacífico. O mesmo Jesus que é o objeto das delícias do céu é a fonte de gozo, de força e de conforto para todo o coração crente; e não só para cada coração, em particular, mas também para toda a Igreja de Deus, em comunhão. Deus, em Sua infinita graça, tem dado ao Seu povo o mesmo objetivo que Ele tem. "A nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo" (1 João 1:3). É verdade que os nossos pensamentos acerca de Jesus nunca poderão chegar à altura dos pensamentos de Deus. A nossa apreciação de um tal objeto deve ficar sempre muito aquém da Sua; e, por isso, no símbolo, a casa de Arão não podia participar da gordura. Mas, apesar de nunca podermos atingir o padrão de apreço divino da Pessoa de Cristo e do Seu sacrifício, estamos todavia ocupados com o mesmo objeto e portanto a casa de Arão tinha "o peito e a espádua direita". Tudo isto está repleto de conforto e alegria para o coração. O Senhor Jesus Cristo — Aquele que "foi morto, mas vive para todo o sempre", e agora o objeto exclusivo ante os olhos e pensamentos de Deus; e, em graça perfeita, Deus deu-nos uma parte nessa mesma bendita e gloriosa Pessoa. Cristo é também o nosso objeto — o objeto dos nossos corações e tema do nosso cântico. "Havendo feito a paz, pelo sangue da sua cruz", subiu ao céu e enviou o Espírito Santo, o "outro Consolador", por cujo ministério poderoso nos alimentamos do "peito e da espádua direita" do divino Sacrifício Pacífico. Ele é, na verdade, a nossa paz; e temos o gozo inexcedível de saber que o prazer de Deus em estabelecer nossa paz é tal que o cheiro suave da nossa oferta pacífica deu alegria ao Seu coração. Este fato dá um encanto peculiar a este símbolo. Cristo, como holocausto, desperta a admiração dos nossos corações; Cristo, como sacrifício pacífico, estabelece a paz da consciência e satisfaz as múltiplas e profundas necessidades da alma. Os filhos de Arão podiam prostrar-se ao redor do altar do holocausto: podiam observar como a chama desse sacrifício subia para o Deus de Israel; podiam ver o sacrifício reduzido a cinzas; podiam, à vista de tudo isto, curvar as suas cabeças e adorar; mas ao retirarem-se, nada levavam para si mesmos. Não sucedia o mesmo com o sacrifício pacífico. Neste eles viam não só o que podia emitir um cheiro suave para Deus, mas também render uma porção substancial para si mesmos, da qual podiam alimentar-se em feliz e santa comunhão.

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A Diferença entre o Holocausto e o Sacrifício Pacífico

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Quanto mais de perto contemplamos as ofertas, mais amplamente vemos que nenhum sacrifício apresenta uma visão completa de Cristo. É só juntando-as que se pode obter algo como uma ideia justa. Cada oferta, como era de esperar, tem as suas próprias características. O sacrifício pacífico difere do holocausto em muitos pontos; e uma compreensão clara dos pontos em que qualquer figura difere das outras ajudar-nos-á a compreender o seu significado especial.

Assim, quando comparamos o sacrifício pacífico com o holocausto, descobrimos que o tríplice ato de "esfolar", "partir em pedaços" e "lavar a fressura e as pernas" é inteiramente omitido. Mas isto é natural. No holocausto, como temos notado, encontramos Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus e sendo aceito. Por isso, tinha de ser simbolizada não só a Sua inteira rendição, como também o processo de perscrutação a que Ele se submeteu. Na oferta pacífica, o pensamento principal é a comunhão do adorador. Não é Cristo como objeto exclusivamente deleitável para Deus, mas também de deleite para o adorador, em comunhão com Deus. Por isso é que o procedimento do sacrifício pacífico é menos intenso. Nenhum coração, por muito elevado que seja o seu amor, pode, de modo algum, elevar-se à altura da dedicação de Cristo a Deus ou da aceitação de Cristo por Deus. Ninguém senão o próprio Deus podia anotar devidamente as pulsações do coração que batia no seio de Jesus; e, portanto, era necessário um símbolo para mostrar esse aspecto da morte de Cristo, a saber, a Sua perfeita dedicação a Deus na morte. Este símbolo têmo-lo no holocausto, a única oferta em que observamos a ação tríplice a que acima nos referimos.

Assim também em referência ao caráter do sacrifício. No holocausto, a vítima devia ser "macho sem mancha"; ao passo que no sacrifício pacífico podia ser "macho ou fêmea", contanto que não houvesse neles qualquer mancha. A natureza de Cristo, quer O consideremos como sendo apreciado exclusivamente por Deus ou pelo adorador em comunhão com Deus, deve ser sempre a mesma. Não pode haver alteração nela. A única razão por que era consentido oferecer uma fêmea no sacrifício pacífico era para se avaliar a capacidade do adorador quanto à apresentação do bendito Ser que, em Si mesmo, "é o mesmo ontem, hoje e para sempre" (Hebreus 13:8).

Além disso, no holocausto lemos: "o sacerdote tudo queimará"; ao passo que no sacrifício pacífico só uma parte era queimada, isto é, "a gordura, os rins e o redenho". Isto torna tudo muito simples. A porção mais excelente do sacrifício era posto sobre o altar de Deus. As entranhas — as energias ocultas — as ternas sensibilidades do bendito Jesus, eram dedicadas a Deus como o único que podia perfeitamente apreciá-las. Arão e seus filhos alimentavam-se do "peito" e da "espádua direita"* (Veja-se atentamente Levítico 7:28-36). Todos os membros da família sacerdotal, em comunhão com o seu chefe, tinham a sua própria porção da oferta pacífica. E agora, todos os verdadeiros crentes, constituídos, pela graça, sacerdotes para Deus, podem alimentar-se das afeições e da força da verdadeira oferta pacífica — podem fruir a feliz certeza de terem o Seu coração amoroso e o Seu ombro poderoso para os confortar e suster continuamente**. "Esta é a porção de Arão e a porção de seus filho, das ofertas queimadas do Senhor, no dia em que os apresentou para administrar o sacerdócio ao Senhor. O que o Senhor ordenou que se lhes desse dentre os filhos de Israel no dia em que os ungiu estatuto perpétuo é pelas suas gerações" (Levítico 7:35-36).

{* "O peito" e "a espádua" (ombro) são emblemáticos de amor e poder — força e afeição.}

{** Há muita força e beleza no versículo 31 do capítulo 7 de Levítico: "... o peito será de Arão e de seus filhos". É privilégio de todos os verdadeiros crentes alimentarem-se das afeições de Cristo — do amor imutável desse coração que bate com amor imortal e imutável por eles.}

C. H. Mackintosh

terça-feira, 5 de maio de 2020

Conclusão da Meditação sobre a Oferta de Manjares

(Comentário Levítico 2: A OFERTA DE MANJARES: CRISTO NA SUA HUMANIDADE)

Em conclusão, devo acrescentar que, visto que somos feitos, mediante a graça, "participantes da natureza divina", podemos, se vivermos na energia dessa natureza, seguir as pisadas d'Aquele que é prefigurado na oferta de manjares. Se nos despojarmos do ego, cada um dos nossos atos poderá emitir um cheiro suave para Deus. Os mais insignificantes assim como os mais importantes serviços podem, pelo poder do Espírito Santo, representar o bom perfume de Cristo. Fazer uma visita, escrever uma carta, exercer o ministério público da Palavra, dar um copo de água fria a um discípulo do Senhor ou uma moeda a um pobre, sim, até os atos comuns de comer e beber, podem todos exalar o perfume suave do nome e graça de Jesus. 

Assim também se tão-somente a natureza for mantida no lugar da morte, poderá manifestar-se em nós o que não é corruptível, o que inclui a própria conversação temperada com o "sal" da permanente comunhão com Deus. Porém, falhamos e faltamos em todas estas coisas. Entristecemos o Espírito de Deus na nossa linha de conduta. Somos propensos a ser egoístas ou a procurar os louvores dos homens nos nossos melhores serviços, e assim deixamos de "temperar" a nossa conversação. Daí a nossa deficiência em "azeite", "incenso" e o "sal"; enquanto que, ao mesmo tempo, existe a tendência de incluir o "fermento" e permitir que se manifeste "o mel" da natureza. Só houve uma "oferta de manjares" perfeita; e, bendito seja Deus, estamos aceitos n'Ele. Somos filhos do verdadeiro Arão; o nosso lugar é no santuário, onde podemos nos alimentar com a santa porção. Feliz lugar! Feliz porção! Possamos nós apreciá-la mais do que o temos feito! Que os nossos corações estejam mais desinteressados pelo mundo e mais aprofundados em Cristo. Que os nossos olhos estejam tão fixos n'Ele, que não haja lugar em nós para os atrativos da cena que nos rodeia nem tampouco para as mil e uma circunstâncias mesquinhas da nossa vida, que perturbam o coração e embaraçam a mente. Regozijemo-nos em Cristo, tanto à luz brilhante do sol como nas trevas; quando a brisa suave do verão se faz sentir à nossa volta, e quando rugem as tempestades do inverno ao longe; quando vagamos sobre a superfície de um tranquilo lago, ou somos sacudidos sobre o mar tempestuoso. Graças a Deus, "achamos Aquele" que será para sempre a nossa porção abundante. Passaremos a eternidade contemplando as perfeições divinas do Senhor Jesus. Os nossos olhos nunca mais serão desviados d'Ele, uma vez que O tivermos visto tal qual Ele é.

Que o Espírito Santo possa operar poderosamente em nós para nos fortalecer "no homem interior". Que Ele nos habilite a alimentarmo-nos com a perfeita oferta de manjares, com cujo memorial o próprio Deus se tem alimentado! Este é o nosso santo e feliz privilégio. Que possamos percebê-lo ainda mais plenamente!

C. H. Mackintosh

domingo, 3 de maio de 2020

A Parte dos Sacerdotes

(Comentário Levítico 2: A OFERTA DE MANJARES: CRISTO NA SUA HUMANIDADE) 

Havendo examinado os ingredientes que compunham a oferta de manjares e as diversas formas em que era oferecida, só nos resta aludir às pessoas que participavam dela. Estas eram o chefe e os membros da família sacerdotal. "E o que sobejar da oferta de manjares será de Arão e de seus filhos; coisa santíssima é, de ofertas queimadas ao Senhor" (versículos 3 e 10). Assim como o holocausto, como já frisamos, os filhos de Arão são apresentados como figuras de todos os verdadeiros crentes, não como pecadores convictos, mas como sacerdotes em adoração; assim, na oferta de manjares, encontramo-los alimentando-se do que sobejava daquilo que havia sido posto, por assim dizer, sobre a mesa do Deus de Israel. Isto era um elevado e santo privilégio. Ninguém senão os sacerdotes podiam usufruí-lo. É o que está estabelecido, com grande clareza, na "lei da oferta de manjares", a qual citarei aqui por completo: "E esta é a lei da oferta de manjares: um dos filhos de Arão a oferecerá perante o Senhor diante do altar. E tomará o seu punho cheio da flor de farinha da oferta e do seu azeite e todo o incenso que estiver sobre a oferta de manjares; então, o queimará sobre o altar; cheiro suave é isso, por ser memorial ao Senhor. E o restante, dela comerão Arão e seus filhos: asmo se comerá no lugar santo; no pátio da tenda da congregação o comerão. Levedado não se cozerá; sua porção é que lhes dei das minhas ofertas queimadas; coisa santíssima é, como a expiação do pecado e como a expiação da culpa. Todo o varão entre os filhos de Arão comerá dela, estatuto perpétuo será para as vossas gerações das ofertas queimadas do Senhor; tudo o que tocar nelas será santo" (Lv 6:14-18).

Aqui, pois, é-nos dada uma bela figura da Igreja alimentando-se no "lugar santo", no poder da santidade prática, das perfeições do Homem Cristo Jesus. Esta é a nossa porção por meio da graça de Deus; mas temos de lembrar que é para ser comida com pão "asmo". Não podemos alimentar-nos de Cristo se estamos condescendendo com o mal. "Tudo que tocar nela será santo". Além disso, deve comer-se "no lugar santo". A nossa posição, os nossos costumes, nós mesmos e as nossas relações, devem ser santos, antes de podermos alimentar-nos da oferta de manjares. Finalmente, lemos que "todo o varão entre os filhos de Arão comerá dela". Quer dizer, é necessário verdadeira energia sacerdotal, segundo o pensamento divino a seu respeito, para se apreciar esta santa porção. "Os filhos de Arão" realçam a ideia de energia na ação sacerdotal. As suas "filhas" representam debilidade nessa mesma ação (veja Números 18:8-13). Havia algumas coisas que os filhos podiam comer e que as filhas não podiam. Os nossos corações deveriam desejar ardentemente a medida mais elevada de energia sacerdotal, a fim de podermos desempenhar as mais elevadas funções sacerdotais e participar da ordem mais elevada do alimento sacerdotal.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 1 de maio de 2020

O Sofrimento por Antecipação e as Diferenças entre os Sofrimentos de Cristo

(Comentário Levítico 2 A OFERTA DE MANJARES: CRISTO NA SUA HUMANIDADE)

Finalmente, temos de considerar os sofrimentos de Cristo por antecipação. Vemos a sombra escura da cruz projetar-se sobre o Seu caminho e produzir uma ordem aguda de sofrimento, que, no entanto, deve ser distinguido claramente do Seu sofrimento expiatório, assim como este se distingue de Seu sofrimento por amor da justiça e de Seu sofrimento por empatia. Tomemos como exemplo de prova uma ou duas passagens: "E, saindo, foi, como costumava, para o monte das Oliveiras; e também os seus discípulos o seguiram. E, quando chegou àquele lugar, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice, todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue que corriam até ao chão" (Lucas 22:39-44). "E, levando Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito. Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai aqui e velai comigo... E; indo segunda vez, orou, dizendo: Meu pai, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade" (Mateus 26:37-42).

Da leitura desses versículos é evidente que havia algo em vista que o bendito Senhor nunca havia encontrado antes. Estava sendo cheio um "cálice" para Si do qual nunca tinha bebido. Se tivesse levado sobre Si o pecado durante toda a Sua vida, qual seria a razão dessa intensa agonia ante o pensamento de entrar em contato com o pecado e de ter de suportar a ira de Deus devido ao pecado? Que diferença haveria entre Cristo no Getsêmani e Cristo no Calvário se Ele tivesse levado sobre Si o pecado durante toda a Sua vida? Mas houve uma diferença essencial! Mas foi porque Ele não levou sobre Si o pecado durante toda a Sua vida. Qual é, logo, a diferença? No Getsêmani, Ele estava antecipando a cruz! No Calvário, Ele estava de fato suportando-a. No Getsêmani, "apareceu-lhe um anjo do céu que o confortava"; no Calvário, foi desamparado por todos. Não houve ali ministério dos anjos. No Getsêmani, dirigiu-se a Deus como "Pai", gozando assim da plena comunhão desse inefável relacionamento; mas, no Calvário, clama: "Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?" Aqui Aquele que está levando sobre Si o pecado olha para cima e vê o trono da Justiça eterna envolto em nuvens carregadas, e o semblante da santidade inflexível desviado d'Ele, porque Ele estava sendo "feito pecado por nós".

O leitor não terá dificuldade em examinar este assunto por si mesmo. Poderá traçar pormenorizadamente as três espécies de sofrimento da vida de nosso bendito Senhor e fazer distinção entre eles e os sofrimentos da Sua morte — os Seus sofrimentos pelo pecado. Verá como, depois de os homens e Satanás terem feito o pior que podiam, restava ainda uma espécie do sofrimento que era perfeitamente único no seu gênero, a saber, às mãos de Deus, por causa do pecado — o sofrimento como substituto do pecador. Antes de chegar à cruz, Ele podia olhar para cima e alegrar-se na luz clara do rosto de Seu Pai. Nas horas mais sombrias sempre encontrara um auxílio certo nas alturas. O caminho que trilhara na terra era escabroso. Como poderia ser de outra maneira em um mundo onde tudo estava em oposição direta à Sua natureza santa e pura? Ele teve de suportar a "contradição dos pecadores contra Si mesmo". Teve de suportar a afronta dos que se opunham a Deus. O que não teve Ele de suportar? Foi mal compreendido, mal interpretado, injuriado, difamado, acusado de estar fora de Si e de ter demônio. Foi traído, negado, abandonado, escarnecido, esbofeteado, cuspido, coroado de espinhos, expulso, condenado e cravado entre dois malfeitores. Todas estas coisas Ele sofreu às mãos dos homens juntamente com os terrores indizíveis com que Satanás atormentou o Seu espírito; mas, deixai-me repetir mais uma vez e com ênfase: depois de os homens e Satanás terem esgotado o seu poder e inimizade, o nosso bendito Senhor e Salvador ainda tinha de suportar algo que fazia com que todo o resto parecesse nada comparado a isso; e isto era a ocultação da face de Deus — as três horas de trevas e terrível escuridão, durante as quais sofreu aquilo que ninguém senão Deus podia conhecer.

Ora, quando a Escritura fala de termos comunhão com os sofrimentos de Cristo, refere-se, simplesmente, aos Seus sofrimentos por amor da justiça — aos Seus sofrimentos nas mãos dos homens. Cristo sofreu pelo pecado, para que nós não tivéssemos de sofrer por ele. Sofreu a ira de Deus, para que nós não tivéssemos de sofrê-la. Este é o fundamento da nossa paz. Mas, no que diz respeito aos sofrimentos infligidos pelos homens, descobrimos sempre que, quanto mais fielmente seguirmos as pisadas de Cristo, mais sofreremos nesse sentido; porém, isto é um assunto de privilégio, uma mercê, uma honra (veja-se Filipenses 1:29-30). Andar nos passos de Cristo — desfrutar da Sua companhia, ter parte na Sua empatia, são privilégios dos mais elevados. Quão bom seria que todos nós os aproveitássemos melhor! Mas, infelizmente, contentamo-nos em passar sem eles — contentamo-nos, à semelhança de Pedro, em "seguir de longe" — de nos mantermos à distância do Cristo desprezado e sofredor. Tudo isto é, indubitavelmente, um grande privilégio. Tivéssemos nós apenas um pouco mais de comunhão com os Seus sofrimentos, e a nossa coroa resplandeceria com maior brilho na visão da nossa alma. Quando fugimos da comunhão com os sofrimentos de Cristo, privamo-nos da profunda alegria da Sua companhia, e também do poder moral da esperança da Sua glória futura.

C. H. Mackintosh

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