sexta-feira, 1 de maio de 2020

O Sofrimento por Antecipação e as Diferenças entre os Sofrimentos de Cristo

(Comentário Levítico 2 A OFERTA DE MANJARES: CRISTO NA SUA HUMANIDADE)

Finalmente, temos de considerar os sofrimentos de Cristo por antecipação. Vemos a sombra escura da cruz projetar-se sobre o Seu caminho e produzir uma ordem aguda de sofrimento, que, no entanto, deve ser distinguido claramente do Seu sofrimento expiatório, assim como este se distingue de Seu sofrimento por amor da justiça e de Seu sofrimento por empatia. Tomemos como exemplo de prova uma ou duas passagens: "E, saindo, foi, como costumava, para o monte das Oliveiras; e também os seus discípulos o seguiram. E, quando chegou àquele lugar, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice, todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue que corriam até ao chão" (Lucas 22:39-44). "E, levando Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito. Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai aqui e velai comigo... E; indo segunda vez, orou, dizendo: Meu pai, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade" (Mateus 26:37-42).

Da leitura desses versículos é evidente que havia algo em vista que o bendito Senhor nunca havia encontrado antes. Estava sendo cheio um "cálice" para Si do qual nunca tinha bebido. Se tivesse levado sobre Si o pecado durante toda a Sua vida, qual seria a razão dessa intensa agonia ante o pensamento de entrar em contato com o pecado e de ter de suportar a ira de Deus devido ao pecado? Que diferença haveria entre Cristo no Getsêmani e Cristo no Calvário se Ele tivesse levado sobre Si o pecado durante toda a Sua vida? Mas houve uma diferença essencial! Mas foi porque Ele não levou sobre Si o pecado durante toda a Sua vida. Qual é, logo, a diferença? No Getsêmani, Ele estava antecipando a cruz! No Calvário, Ele estava de fato suportando-a. No Getsêmani, "apareceu-lhe um anjo do céu que o confortava"; no Calvário, foi desamparado por todos. Não houve ali ministério dos anjos. No Getsêmani, dirigiu-se a Deus como "Pai", gozando assim da plena comunhão desse inefável relacionamento; mas, no Calvário, clama: "Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?" Aqui Aquele que está levando sobre Si o pecado olha para cima e vê o trono da Justiça eterna envolto em nuvens carregadas, e o semblante da santidade inflexível desviado d'Ele, porque Ele estava sendo "feito pecado por nós".

O leitor não terá dificuldade em examinar este assunto por si mesmo. Poderá traçar pormenorizadamente as três espécies de sofrimento da vida de nosso bendito Senhor e fazer distinção entre eles e os sofrimentos da Sua morte — os Seus sofrimentos pelo pecado. Verá como, depois de os homens e Satanás terem feito o pior que podiam, restava ainda uma espécie do sofrimento que era perfeitamente único no seu gênero, a saber, às mãos de Deus, por causa do pecado — o sofrimento como substituto do pecador. Antes de chegar à cruz, Ele podia olhar para cima e alegrar-se na luz clara do rosto de Seu Pai. Nas horas mais sombrias sempre encontrara um auxílio certo nas alturas. O caminho que trilhara na terra era escabroso. Como poderia ser de outra maneira em um mundo onde tudo estava em oposição direta à Sua natureza santa e pura? Ele teve de suportar a "contradição dos pecadores contra Si mesmo". Teve de suportar a afronta dos que se opunham a Deus. O que não teve Ele de suportar? Foi mal compreendido, mal interpretado, injuriado, difamado, acusado de estar fora de Si e de ter demônio. Foi traído, negado, abandonado, escarnecido, esbofeteado, cuspido, coroado de espinhos, expulso, condenado e cravado entre dois malfeitores. Todas estas coisas Ele sofreu às mãos dos homens juntamente com os terrores indizíveis com que Satanás atormentou o Seu espírito; mas, deixai-me repetir mais uma vez e com ênfase: depois de os homens e Satanás terem esgotado o seu poder e inimizade, o nosso bendito Senhor e Salvador ainda tinha de suportar algo que fazia com que todo o resto parecesse nada comparado a isso; e isto era a ocultação da face de Deus — as três horas de trevas e terrível escuridão, durante as quais sofreu aquilo que ninguém senão Deus podia conhecer.

Ora, quando a Escritura fala de termos comunhão com os sofrimentos de Cristo, refere-se, simplesmente, aos Seus sofrimentos por amor da justiça — aos Seus sofrimentos nas mãos dos homens. Cristo sofreu pelo pecado, para que nós não tivéssemos de sofrer por ele. Sofreu a ira de Deus, para que nós não tivéssemos de sofrê-la. Este é o fundamento da nossa paz. Mas, no que diz respeito aos sofrimentos infligidos pelos homens, descobrimos sempre que, quanto mais fielmente seguirmos as pisadas de Cristo, mais sofreremos nesse sentido; porém, isto é um assunto de privilégio, uma mercê, uma honra (veja-se Filipenses 1:29-30). Andar nos passos de Cristo — desfrutar da Sua companhia, ter parte na Sua empatia, são privilégios dos mais elevados. Quão bom seria que todos nós os aproveitássemos melhor! Mas, infelizmente, contentamo-nos em passar sem eles — contentamo-nos, à semelhança de Pedro, em "seguir de longe" — de nos mantermos à distância do Cristo desprezado e sofredor. Tudo isto é, indubitavelmente, um grande privilégio. Tivéssemos nós apenas um pouco mais de comunhão com os Seus sofrimentos, e a nossa coroa resplandeceria com maior brilho na visão da nossa alma. Quando fugimos da comunhão com os sofrimentos de Cristo, privamo-nos da profunda alegria da Sua companhia, e também do poder moral da esperança da Sua glória futura.

C. H. Mackintosh

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares