sábado, 6 de abril de 2019

O Judeu, o Gentio e a Igreja de Deus

(Comentário Êxodo 18)

Chegamos agora ao fim de uma parte verdadeiramente notável do Livro de Êxodo. Vimos como Deus, no exercício da Sua perfeita graça, visitou e redimiu o Seu povo, tirando-o da terra do Egito e livrando-o primeiro da mão do Faraó e depois da mão de Amaleque. Demais, vimos no maná um símbolo de Cristo descendo do céu; e na rocha uma figura de Cristo ferido pelo Seu povo; e na água que brotava da rocha um símbolo do Espírito Santo. Então segue-se, em ordem notável e formosa, uma figura da glória vindoura, dividida nas suas três partes principais, a saber: Os judeus, os gentios e a Igreja de Deus.

Durante a época de rejeição de Moisés pelos seus irmãos, ele foi posto de parte e favorecido com uma noiva — a companheira da sua rejeição. No princípio deste livro fomos levados a ver o caráter da relação de Moisés com esta esposa. Foi para ela "esposo sanguinário". Isto é precisamente o que Cristo é para a Igreja. A sua união com Ele é baseada na morte e ressurreição; e ela é chamada à comunhão dos Seus sofrimentos. É, como sabemos, durante a época da incredulidade de Israel, e da rejeição de Cristo, que a Igreja é formada; e quando estiver completa, segundo os desígnios de Deus e houver entrado nela a plenitude dos gentios (Romanos 11:25), Israel entrará outra vez em cena.

Assim foi com Zípora e o antigo Israel. Moisés enviara-a para junto de seu sogro durante o perigo da sua missão junto de Israel; e logo que este saiu como povo inteiramente livre, lemos que "Jetro, sogro de Moisés, tomou a Zípora, a mulher de Moisés, depois que ele lha enviara, com seus dois filhos, dos quais um se chamava Gérson; porque disse: Eu fui peregrino em terra estranha; e o outro se chamava Eliézer, porque disse: O Deus de meu pai foi minha ajuda e me livrou da espada de Faraó. Vindo, pois, Jetro, o sogro de Moisés, com seus filhos e com sua mulher a Moisés no deserto ao monte de Deus, onde se tinha acampado, disse a Moisés: Eu, teu sogro Jetro, venho a ti, com tua mulher e seus dois filhos com ela. Então, saiu Moisés ao encontro de seu sogro, e inclinou-se, e beijou-o, e perguntaram um ao outro como estavam, e entraram na tenda. E Moisés contou a seu sogro todas as coisas que o Senhor tinha feito a Faraó e aos egípcios por amor de Israel, e todo o trabalho que passaram no caminho, e como o Senhor os livrara. E alegrou-se Jetro de todo o bem que o Senhor tinha feito a Israel, livrando-o da mão dos egípcios. E Jetro disse: Bendito seja o Senhor, que vos livrou das mãos dos egípcios e da mão de Faraó; que livrou a este povo de debaixo da mão dos egípcios. Agora sei que o Senhor é maior que todos os deuses: porque na coisa em que se ensoberbeceram, os sobrepujou. Então, tomou Jetro, o sogro de Moisés, holocaustos e sacrifícios para Deus; e veio Arão, e todos os anciãos de Israel, para comerem pão com o sogro de Moisés diante de Deus" (versículos 2 a 12).

Esta cena é profundamente interessante. Toda a congregação se reuniu, em triunfo, perante o Senhor: o gentio apresentou sacrifícios, e, para completar o quadro, a esposa do libertador juntamente com os filhos que Deus lhe havia dado, são introduzidos. É, em resumo, uma ilustração particularmente admirável do reino vindouro.

"O Senhor dará graça a glória" (SI 84:11). Vimos nas páginas anteriores deste livro muito da operação da "graça"; e aqui temos um quadro formoso de "glória" da autoria do Espírito Santo—um quadro que deve ser considerado particularmente importante por nos mostrar as várias esferas em que será manifestada essa glória.

"Os judeus, os gentios e a Igreja de Deus" são termos bíblicos que nunca poderão ser esquecidos sem transtornar o curso perfeito da verdade que Deus revelou na Sua Palavra. Existiram sempre desde que o mistério da Igreja foi inteiramente desenrolado pelo ministério do apóstolo Paulo e existirão através do milênio. Por isso, devem ter lugar na mente de todo o estudante espiritual da Escritura Sagrada.

O apóstolo ensina-nos, claramente, na sua Epístola aos Efésios, que o mistério da Igreja não foi dado a conhecer noutros séculos aos filhos dos homens como lhe fora revelado a ele. Mas, embora não houvesse sido diretamente revelado, acha-se representado em figura de uma maneira ou de outra; como, por exemplo, no casamento de José com uma mulher egípcia e no casamento de Moisés com uma mulher da Etiópia (uma mulher cusita; Números 12:1). O tipo ou sombra de uma verdade é uma coisa muito diferente de uma revelação direta e positiva da mesma verdade. O grande mistério da Igreja não foi revelado até que Cristo, em glória celestial, o revelou a Saulo de Tarso. Por isso, todos aqueles que procuram o desenrolar deste mistério na lei, nos profetas ou nos Salmos, achar-se-ão ocupados em labor ininteligente. Quando, contudo, o encontram revelado claramente na Epístola aos Efésios, podem, com interesse e proveito, traçar os seus símbolos nas Escrituras do Velho Testamento.

Deste modo, temos nos primeiros versículos deste capítulo uma cena milenial. Todas as esferas de glória se abrem em visão perante nós. "Os judeus" estão aqui como as grandes testemunhas na terra da fidelidade, da misericórdia e do poder de Jeová. E isto precisamente que os judeus foram em séculos passados, é o que são atualmente e o que serão para sempre. "O gentio" lê no livro dos desígnios de Deus quanto aos judeus as suas mais profundas lições. Segue a história maravilhosa desse povo peculiar e eleito — "um povo terrível desde o seu princípio" (Isaías 18:2). Vê tronos e impérios derrubados e nações destruídas até os seus fundamentos, todo o homem e todas as coisas são compelidas a abrir caminho para que seja estabelecida a supremacia desse povo sobre o qual Deus pôs o Seu afeto. "Agora sei que o Senhor é maior que todos os deuses; porque na coisa em que se ensoberbeceram, os sobrepujou" (versículo 11); é o testemunho de um gentio quando a página da história judaica está aberta perante si.

Por fim, "a Igreja de Deus" coletivamente, como é ilustrada por Zípora, e os seus membros individualmente, conforme os vemos em figura nos filhos de Zípora, são apresentados como ocupando a mais íntima ligação com o libertador. Tudo isto é perfeito na sua ordem. Se nos pedirem provas, responderemos: "Falo como a entendidos, julgai vós mesmos o que digo" (1 Coríntios 10:15).

Não pode fundar-se uma doutrina sobre um símbolo; porém, quando uma doutrina é revelada [no Novo Testamento], pode discernir-se o símbolo dela [no Antigo Testamento] com exatidão e estudá-la com proveito. Em todos os casos o discernimento espiritual é essencialmente necessário, quer seja para compreender a doutrina quer para discernir o símbolo: "...o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2:14).

C. H. Mackintosh

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