segunda-feira, 27 de abril de 2020

O Sofrimento por Amor da Justiça

(Comentário Levítico 2 A OFERTA DE MANJARES: CRISTO NA SUA HUMANIDADE)

O segundo ponto do nosso assunto é a forma como era preparada a oferta de manjares. Isto era feito, como lemos, pela ação do fogo. Era "cozida no forno", "cozida na caçoula" ou frita numa "sertã". O processo de cozedura sugere a ideia de sofrimento. Mas visto que a oferta de manjares é chamada de "cheiro suave" — um termo que nunca é aplicado à expiação do pecado ou expiação da culpa — é evidente que não há qualquer relação aqui com o sofrimento pelo pecado — não sugere o sofrimento sob a ira de Deus devido ao pecado, nem o sofrimento às mãos da Justiça infinita como o substituto do pecador. As duas ideias de "cheiro suave" e sofrimento pelo pecado são inteiramente incompatíveis entre si, segundo a ordem da dispensação levítica. Se introduzíssemos a ideia do sofrimento pelo pecado na oferta de manjares, destruiríamos totalmente o seu símbolo.

Ao contemplarmos a vida do Senhor Jesus, que, como já frisamos, é o principal assunto prefigurado na oferta de manjares, podemos notar três espécies distintas de sofrimento, a saber: sofrimento por amor da justiça, sofrimento em virtude da empatia, e o sofrimento por antecipação.

O Sofrimento por Amor da Justiça


Como Servo justo de Deus, Ele sofreu no meio de uma cena em que tudo Lhe era contrário; contudo isto era justamente o oposto do sofrimento pelo pecado. É da máxima importância distinguir entre estas duas espécies de sofrimento. Confundi-las conduzir-nos-ia a erros graves. Sofrer como um justo e manter uma atitude firme entre os homens a favor de Deus é uma coisa; sofrer no lugar do homem sob a mão de Deus é outra muito diferente. O Senhor Jesus sofreu por amor da justiça durante a Sua vida. Sofreu pelo pecado na Sua morte. Durante a Sua vida os homens e Satanás sempre se Lhe opuseram; e até mesmo na cruz empregaram todo o poder de que dispunham; mas depois de terem feito tudo que podiam fazer — depois de haverem chegado, no seu ódio mortal, ao limite da oposição humana e diabólica — restava ainda uma região afastada de sombras impenetráveis e horror que tinha de ser percorrida por Aquele que levou sobre Si o pecado, no cumprimento da Sua obra. Durante a Sua vida, Ele sempre andou na luz límpida do semblante divino! Porém, sobre a cruz de maldição, a sombra negra do pecado interveio e ocultou essa luz, provocando aquele brado misterioso: "Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?" Foi um momento absolutamente único nos anais da eternidade. Algumas vezes, durante a vida de Cristo na terra, o céu abriu-se para dar expressão à complacência divina n'Ele; mas na cruz Deus desamparou-O, porque Ele estava oferecendo a Sua alma em sacrifício pelo pecado. Se Cristo tivesse levado sobre Si o pecado durante toda a Sua vida, então qual seria a diferença entre a cruz e qualquer outro período? Por que razão não foi Ele desamparado por Deus durante toda a Sua vida? Qual foi a diferença entre Cristo na cruz e Cristo no monte da transfiguração? Foi desamparado de Deus nesse monte? Estaria Ele ali levando sobre Si o pecado? Estas interrogações são muito simples. Que deem respostas aqueles que alimentam a ideia de que Cristo viveu uma vida com o peso do pecado.

O fato simples é este: não houve nada, quer na humanidade de Cristo, quer na natureza das Suas relações, que pudesse, de modo algum, relacioná-Lo com o pecado ou com a ira ou com a morte. Ele "foi feito pecado" na cruz; e ali suportou a ira de Deus e entregou a Sua vida como uma totalmente suficiente expiação pelo pecado. Porém, nada disso encontra lugar na oferta de manjares. De fato, temos o processo de cozedura — a ação do fogo — mas isto não é a ira de Deus. A oferta de manjares não era uma oferta pelo pecado, mas uma oferta de "cheiro suave". Assim, a sua importância está definitivamente estabelecida; e, além disso, a sua inteligente interpretação deve sempre preservar, com santo zelo, a verdade preciosa da humanidade imaculada de Cristo e a verdadeira natureza das Suas relações. Dizer que Ele, por necessidade do Seu nascimento, foi alguém que levou sobre Si o pecado, ou colocá-Lo, por esse motivo, debaixo da maldição da lei e da ira de Deus, é contradizer toda a verdade de Deus no que diz respeito à encarnação — verdade anunciada pelo anjo e repetida diversas vezes pelo apóstolo inspirado. Além disso, tal afirmação destrói todo o caráter e objetivo da vida de Cristo e rouba à cruz a sua glória característica. Diminui o senso do que o pecado realmente é, e do que é a expiação. Numa palavra, remove a pedra principal do arco da revelação e põe tudo em irremediável ruína e confusão ao nosso redor.

C. H. Mackintosh


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