sábado, 17 de novembro de 2018

Os Pães Asmos

(Comentário Êxodo 12)

Mas como devia ser comido este cordeiro? "...com pães asmos; com ervas amargosas a comerão". O fermento é empregado, invariavelmente, através das Escrituras, como símbolo do mal. Nunca é usado nem no Velho nem no Novo Testamento como simbolizando alguma coisa pura, santa ou boa. Assim, neste capítulo, a celebração da festa com "pães asmos" é figura da separação prática do mal como resultado próprio de havermos sido lavados dos nossos pecados no sangue do Cordeiro e a própria consequência da comunhão com os Seus sofrimentos. Nada senão pão perfeitamente livre de fermento podia ser compatível com o cordeiro assado. Uma simples partícula daquilo que era figura destacada do mal teria destruído o caráter moral de toda a ordenação. Como poderíamos associar qualquer espécie de mal com a nossa comunhão com Cristo nos Seus sofrimentos? Seria impossível. Todos aqueles que, pelo poder do Espírito Santo, têm compreendido a significação da cruz, não terão dificuldade, pelo mesmo poder, de afastar entre eles o fermento. "Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Peio que façamos festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade" (1 Coríntios 5:7-8). A festa de que se fala nesta passagem é a mesma que, na vida e conduta da Igreja, corresponde à festa dos pães asmos. Esta durava "sete dias"; e a Igreja, coletivamente, e o crente individualmente, são chamados para andar em santidade prática, durante os sete dias, ou seja todo o tempo da sua carreira aqui na terra; e isto, note-se, como resultado imediato de haverem sido lavados no sangue, e tendo comunhão com os sofrimentos de Cristo.

O israelita não deitava fora o fermento a fim de ser salvo, mas, sim, porque estava salvo; e se deixasse de o deitar fora, não comprometia com isso a sua segurança por meio do sangue, mas simplesmente a comunhão com a assembleia. "Por sete dias não se ache nenhum fermento nas vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, aquela alma será cortada da congregação de Israel, assim o estrangeiro como o natural da terra" (versículo 19). O corte de uma alma da congregação corresponde precisamente à suspensão de um cristão da comunhão, quando acede àquilo que é contrário à santidade da presença de Deus. Deus não pode tolerar o mal. Um simples pensamento impuro interrompe a comunhão da alma; e enquanto a mancha produzida por este pensamento não for tirada pela confissão, baseada na intercessão de Cristo, não é possível restabelecer a comunhão (vide 1 João 1:5 -10). O cristão sincero regozija-se nisto; e dá louvores em memória da santidade de Deus (Sl 97:12). Ainda que pudesse, não diminuiria, nem por um momento, o estalão: é seu gozo inexcedível andar na companhia d Aquele que não andará nem por um momento com uma simples partícula de "fermento".

Graças a Deus, nós sabemos que nada poderá jamais partir em dois o laço que une o verdadeiro crente com Ele. Somos salvos pelo Senhor, não com uma salvação temporária ou condicional, mas "com uma eterna salvação" (Isaías 45:17). Porém, salvação e comunhão não são a mesma coisa. Muitas pessoas estão salvas, e não o sabem; e muitas, também, estão salvas sem terem o gozo da salvação. É impossível que eu sinta o gozo de estar sob a verga da porta manchada de sangue, se houver fermento em minha casa. É um axioma na vida divina. Oxalá fosse escrito em nossos corações! A santidade prática, embora não seja a base da nossa salvação, está intimamente ligada com o gozo da salvação. O israelita não era salvo pelos pães asmos, mas, sim, pelo sangue; e todavia o fermento tê-lo-ia cortado da comunhão. E assim quanto ao cristão, ele não é salvo por sua santidade prática, mas pelo sangue; porém se se entrega ao mal, em pensamento, por palavras, ou ações, não terão verdadeiro gozo da salvação, nem verdadeira comunhão com a pessoa do Cordeiro.

É nisto, sem dúvida, que está o segredo de uma boa parte da esterilidade espiritual e falta de paz constante que se observa entre os filhos de Deus. Não praticam a santidade: não guardam a festa dos "pães asmos" (Êxodo 23:15). O sangue acha-se sobre as ombreiras da porta, porém o fermento dentro de suas casas impede-os de gozarem a segurança que o sangue concede. A permissão do mal destrói a nossa comunhão, embora não quebre o laço que nos une eternamente a Deus. Aqueles que pertencem à Igreja de Deus devem ser santos. Não somente foram libertados da culpa e das consequências do pecado, como também da sua prática, do seu poder e do amor do pecado. O próprio fato de haverem sido libertados pelo sangue do cordeiro da páscoa impunha aos israelitas a obrigação de deitarem fora de suas casas o fermento. Não podiam dizer, segundo a linguagem terrível do antinomianismo, "agora que estamos livres, podemos conduzir-nos como nos aprouver". De modo nenhum! Se haviam sido salvos pela graça, era para andarem em santidade. A alma que se aproveita da liberdade da graça divina e da redenção que há em Cristo Jesus para "continuar no pecado" prova claramente que não compreende nem a graça nem a redenção.

A graça não somente salva a alma com uma eterna salvação, como lhe dá uma natureza que se deleita em tudo que pertence a Deus, porque é divina. Nós somos feitos participantes da natureza divina, a qual não pode pecar, porque é nascida de Deus. Andar na energia desta graça é, na realidade, "guardar" a festa dos pães asmos. Não existe "fermento velho" nem "fermento da malícia" (1 Coríntios 5:8) na nova natureza, porque é nascida de Deus e Deus é santo e "Deus é amor". Por isso é evidente que não é com o fim de melhorar a nossa velha natureza, que é irreparável, nem tampouco de obtermos a nova natureza, que tiramos de nós o mal, mas, sim, porque temos o mal em nós. Nós temos a vida e, no poder desta vida, tiramos o mal. É somente quando estamos libertados da culpa do pecado que compreendemos ou exibimos o verdadeiro poder da santidade. Tentar consegui-lo por qualquer outro meio é esforço inútil. A festa dos pães asmos só pode ser guardada sob o abrigo perfeito do sangue.

C. H. Mackintosh


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