sábado, 27 de abril de 2019

Um Jugo Impossível de Levar

(Comentário Êxodo 20)

O capítulo 15 do livro de Atos mostra-nos como o Espírito Santo respondeu à tentativa que se pretendera fazer para pôr os crentes sob a lei, como regra de vida. "Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido, se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés" (versículo 5). Isto não era mais do que o silvo da antiga serpente fazendo-se ouvir nas sugestões sinistras e desanimadoras desses primitivos legalistas. Mas vejamos como o assunto foi resolvido pela poderosa energia do Espírito Santo e a voz unânime dos doze apóstolos e de toda a Igreja. "E, havendo grande contenda, levantou-se Pedro e disse-lhes: Varões irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu, dentre vós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho e cressem". — O quê? As exigências e as maldições da lei de Moisés? Não; bendito seja Deus, esta não era a mensagem que Deus queria fazer chegar aos ouvidos de pecadores perdidos. Ouvissem, então, o quê"? "OUVISSEM DA MINHA BOCA A PALAVRA DO EVANGELHO E CRESSEM". Aqui estava a mensagem que correspondia ao caráter e natureza de Deus. Ele nunca teria perturbado os homens com uma linguagem triste de exigências e proibições. Esses fariseus não eram Seus mensageiros — muito pelo contrário. Não eram portadores de boas novas, nem anunciadores da paz, e portanto os seus pés eram tudo menos "formosos" aos olhos d'Aquele que Se deleita em misericórdia.

"Agora, pois", continua o apóstolo, "porque tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportara". Esta linguagem era grave e forte. Deus não queria pôr "um jugo sobre a cerviz" daqueles cujos corações haviam sido libertados pelo evangelho da paz. Antes pelo contrário, desejava exortá-los a permanecerem na liberdade de Cristo e a não se meterem "outra vez debaixo do jugo da servidão" (Gálatas 5:1). Não enviaria aqueles a quem havia recebido em Seu seio de amor "ao monte palpável" para os aterrorizar com a "escuridão", "trevas", e "tempestade" (Hebreus 12:18). Isso seria impossível. "Mas cremos", diz Pedro, "que seremos salvos PELA GRAÇA DO SENHOR JESUS CRISTO, como eles também" (Atos 15:11). Tanto os judeus, que tinham recebido a lei, como os gentios, que nunca a receberam, deviam agora ser "salvos" pela "graça". E não somente deviam ser "salvos pela graça", mas estar "firmes" na graça (Romanos 5:2) e crescer na graça (2 Pe 3:18). Ensinar outra coisa era tentar a Deus. Esses fariseus subvertiam os próprios fundamentos da fé cristã; e o mesmo fazem todos aqueles que procuram pôr os crentes debaixo da lei. Não existe mal ou erro mais abominável aos olhos de Deus do que o legalismo. Escutai a linguagem enérgica — os acentos de justa indignação—de que se serve o Espírito Santo, a respeito desses doutores da lei: "Eu quereria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando" (Gálatas 5:12).

Mas, deixai-me perguntar, os pensamentos do Espírito Santo mudaram a este respeitou? Será que Deus agora quer pôr um jugo sobre a cerviz do pecador? E segundo a Sua vontade graciosa que a lei seja lida aos ouvidos dos pecadores? Responda o leitor a estas interrogações à luz do capítulo 15 de Atos e da Epístola aos Gálatas. Estas Escrituras, ainda mesmo que não houvesse outras, são suficientes para provar que a intenção de Deus nunca foi que os Gentios "ouvissem a palavra" da lei. Se fosse essa a Sua intenção, o Senhor teria, certamente, escolhido alguém para a proclamar aos seus ouvidos. Mas não; quando proclamou a Sua "lei terrível", Ele falou numa só língua; porém quando proclamou as boas novas de salvação, pelo sangue do Cordeiro, falou na língua "de todas as nações que estão debaixo do céu". Falou de tal modo que, cada um, na sua própria língua em que havia nascido, pudesse ouvir a doce história da graça (Atos 2:1).

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Não somos Justificados pela Lei

(Comentário Êxodo 20)

Muitos, contudo, admitem que não podemos obter vida pela lei, mas sustentam, ao mesmo tempo, que a lei é a nossa regra de vida. Ora, o apóstolo declara que "Todos aqueles... que são das obras da lei, estão debaixo da maldição" (Gálatas 3:10). Pouco importa a sua condição individual, se estão sobre o terreno da lei, acham-se, necessariamente, sob a maldição. Pode ser que alguém diga: "Eu estou regenerado, e, portanto, não estou exposto à maldição." Porém, se a regeneração não retira o homem do terreno da lei, não pode pô-lo para lá dos limites da maldição da lei. Se o cristão estiver debaixo da lei, está exposto, necessariamente, à maldição da lei. Mas, que tem que ver a lei com a regeneração? Onde é que vemos que se trate da regeneração no capítulo 20 de Êxodos? A lei tem apenas uma pergunta a fazer ao homem—uma pergunta curta, solene e direta —, a saber: "És tu o que deverias ser?" Se a resposta é negativa, a lei não pode senão lançar os seus terríveis anátemas sobre o homem e matá-lo. E quem reconhecerá mais prontamente e mais profundamente que, em si mesmo, não é aquilo que deveria ser senão o homem verdadeiramente regenerado? Portanto, se está debaixo da lei, está, inevitavelmente, debaixo da maldição. Não é possível que a lei diminua as suas exigências ou se misture com a graça. Os homens procuram sempre baixar o seu padrão; sentem que não podem elevar-se à medida da lei, e, então, procurar rebaixá-la até si; porém este esforço é vão: a lei permanece em toda a sua pureza, majestade e inflexibilidade austera, e não aceitará nada menos que uma obediência perfeita; qual é o homem, regenerado ou não, que pode intentar obedecer assim? Dir-se-á: "Nós temos a perfeição em Cristo". Sem dúvida, mas não é pela lei, mas, sim, pela graça; e não podemos, de nenhum modo, confundir as duas dispensações. As Escrituras ensinam-nos claramente que não somos justificados pela lei; nem a lei é a nossa regra de vida. Aquilo que só pode amaldiçoar nunca poderá justificar, e aquilo que só pode matar nunca poderá ser uma regra de fé. Seria como se um homem tentasse fazer fortuna valendo-se de uma ação de falência movida contra si.

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Lei Condena o Pecador

(Comentário Êxodo 20)

É, portanto, claramente impossível que alguém possa obter a vida e a justificação por meio daquilo que só pode amaldiçoá-lo; e a menos que a condição do pecador e o caráter da lei sejam inteiramente alterados, a lei não pode fazer mais que amaldiçoá-lo. A lei não é indulgente com as fraquezas, e não reconhece a obediência sincera, embora imperfeita. Se fosse este o caso, não seria aquilo que é, "santa, justa e boa" (Rm 7:12). É justo que o pecador não possa obter vida pela lei porque a lei é aquilo que é. Se o pecador pudesse obter vida pela lei, a lei não seria perfeita, ou então ele não seria pecador. É impossível que o pecador possa obter vida por meio de uma lei perfeita, porque, embora seja perfeita, tem de condená-lo: a sua perfeição absoluta manifesta e sela a ruína e condenação do homem. "Por isso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado" (Romanos 3:20). O apóstolo não diz que o pecado é pela lei, mas somente que por ela vem o conhecimento do pecado. "Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei" (Romanos 5:13). O pecado existia, e precisava apenas da lei para o manifestar na forma de "transgressão". É como se eu dissesse a meu filho: "não deves tocar nessa faca". A minha proibição revela a tendência do seu coração para fazer a sua própria vontade.

O apóstolo João diz que o "o pecado é iniquidade" (1 João 3:4). A palavra "transgressão" não traduz o verdadeiro pensamento do Espírito Santo nesta passagem, como aparece em algumas versões (1). Para que haja transgressão é necessário que seja estabelecida uma regra ou linha de conduta definida; porque transgressão quer dizer cruzar uma linha proibida; essa linha têmo-la na lei. Tomemos por exemplo algumas das suas proibições: "Não matarás", "Não cometerás adultério", "Não furtarás". Aqui tenho, pois, uma regra ou linha posta diante de mim; porém descubro que tenho em mim mesmo os próprios princípios contra os quais estas proibições são expressamente dirigidas. Ainda mais, o próprio fato de me ser proibido matar mostra que o homicídio está em minha natureza. Não havia necessidade de me ser proibido fazer uma coisa que eu não tinha inclinação para fazer; porém, a revelação da vontade de Deus, quanto ao que eu deveria ser, mostra a tendência da minha vontade para ser aquilo que não devo. Isto é bem claro, e está perfeitamente de acordo com todo o ensino apostólico sobre este assunto.

(1) Ao contrário da King James Version (inglês), que emprega a palavra transgressão, as traduções em português de João Ferreira de Almeida e de Antônio Pereira de Figueiredo empregam o vocábulo iniquidade, o qual nos parece estar mais conforme com o original (N. do T.).

C. H. Mackintosh

sábado, 20 de abril de 2019

O Propósito da Lei

(Comentário Êxodo 20)

A verdade é que, como nos ensina o apóstolo, a lei veio para que a ofensa abundasse (Rm 5:20). Isto mostra-nos claramente o verdadeiro objetivo da lei: veio a propósito para que o pecado se fizesse excessivamente maligno (Romanos 7:13). Era, em certo sentido, como um espelho perfeito enviado para revelar ao homem o seu desarranjo moral. Se eu me puser diante de um espelho com o meu vestuário desarranjado, o espelho mostra-me o desarranjo, mas não o põe em ordem. Se eu fizer descer sobre um muro tortuoso um prumo, o prumo mostra a tortuosidade, mas não a altera. Se eu sair numa noite escura com uma luz, esta revela-me todos os obstáculos e dificuldades que se acham no caminho, mas não os remove. Além disso, o espelho, o prumo e a luz não criam os males que revelam distintamente: nem os criam nem os afastam, apenas os revelam. O mesmo acontece com a lei: não cria o mal no coração do homem nem tampouco o tira; mas revela-o com infalível exatidão.

"Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum; mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência se a lei não dissesse: Não cobiçarás" (Romanos 7:7). O apóstolo não diz que não teria tido "concupiscência". Não, mas apenas que não a teria conhecido. A "concupiscência" existia; mas ele estava às escuras quanto ao fato, até que a lei, como a luz do Deus Onipotente, brilhou nos recessos tenebrosos do seu coração e revelou o mal que nele havia. Assim como um homem numa câmara escura pode estar rodeado de poeira e confusão sem contudo poder ver nada por causa da escuridão. Mas deixai que os raios de sol penetrem ali e ele distinguirá imediatamente tudo. São os raios de sol que formam o pó? Certamente que não. O pó encontra-se ali, e os raios de sol apenas o detectam e revelam. Isto é apenas uma simples ilustração dos efeitos da lei: julga o caráter e a condição do homem. Julga o pecador e encerra-o debaixo da maldição: vem para julgar o que ele é e amaldiçoa-o se ele não é o que ela lhe diz que deve ser.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 17 de abril de 2019

A Lei e a Graça

(Comentário Êxodo 20: A LEI)

É da maior importância compreender o verdadeiro caráter e o objeto da lei moral, como nos é apresentada neste capítulo. Existe uma tendência no homem para confundir os princípios da lei com graça, de sorte que nem a lei nem a graça podem ser perfeitamente compreendidas, e assim a lei fica despojada da sua austera e inflexível majestade, e a graça fica privada de todos os seus atrativos divinos. As santas exigências de Deus ficam sem resposta, e as profundas e múltiplas necessidades do pecador permanecem insolúveis pelo sistema anômalo criado por aqueles que tentam confundir a lei com a graça. Com efeito, nunca podem confundir-se, visto que são tão distintas quanto o podem ser duas coisas. A lei mostra-nos o que o homem deveria ser; enquanto que a graça demonstra o que Deus é. Como poderão, pois, ser unidas num mesmo sistema? Como poderia o pecador ser salvo por meio de um sistema formado em parte pela lei e em parte pela graça? Impossível: ele tem de ser salvo por uma ou por outra.

A lei tem sido às vezes chamada "a expressão do pensamento de Deus". Mas esta definição é inteiramente inexata. Se a considerássemos como a expressão daquilo que o homem deveria ser, estaríamos mais perto da verdade. Se eu considerar os dez mandamentos como a expressão do pensamento de Deus, então, pergunto, não há nada mais no pensamento de Deus senão "farás" isto e "não farás" aquilo? Não há graça, nem misericórdia nem bondade? Deus não manifestará aquilo que é, nem revelará os segredos profundos desse amor que enche o Seu coração? Não existe nada mais no coração de Deus senão exigências e proibições severas? Se fosse assim, teríamos de dizer que "Deus é lei" em vez de dizermos que "Deus é amor". Porém, bendito seja o Seu nome, existe muito mais em Seu coração do que jamais poderão expressar os "dez mandamentos" pronunciados no monte fumegante. Se quero saber o que Deus é, devo olhar para Cristo; "porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Colossenses 2:9). "Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo" (João 1:17). Certamente, na lei achava-se uma certa medida de verdade; continha a verdade quanto àquilo que o homem deveria ser. Como tudo que emana de Deus, a lei era perfeita — perfeita para alcançar o fim a que era destinada; porém esse fim não era, de modo nenhum, revelar, perante pecadores culpados, a natureza e o caráter de Deus. Não havia graça nem misericórdia. "Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia" (Hebreus 10:28). "O homem que fizer estas coisas viverá por elas" (Levítico 18:5; Romanos 10:5). "Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las" (Deuteronômio 27:26; Gálatas 3:10). Nada disto era graça. Com efeito, o monte Sinai não era o lugar para se procurar tal coisa. Jeová revelou-Se ali em majestade terrível, no meio da obscuridade, trevas, tempestade, trovões e relâmpagos. Estas circunstâncias não são aquelas que acompanham uma dispensação de graça e misericórdia; mas eram próprias de uma dispensação de verdade e justiça: e a lei não era mais que isso.

Na lei Deus declara o que o homem deveria ser, e pronuncia a maldição sobre ele se o não for. Ora quando o homem se examine à luz da lei descobre que é precisamente aquilo que a lei condena. Como poderá ele, portanto, obter a vida por meio da lei? A lei propõe a vida e a justiça como os fins a alcançar, guardando-a; mas mostra-nos, desde o primeiro momento, que nos encontramos num estado de morte e iniquidade. Precisamos desde o primeiro momento das mesmíssimas coisas que a lei propõe alcançar-nos no fim. Como vamos nós, portanto, obtê-las? Para cumprir aquilo que a lei requer é preciso que eu tenha vida; e para ser o que a lei exige devo possuir a justiça; e se eu não tiver vida e justiça sou "maldito". Porém, o fato é que eu não tenho uma nem a outra. Que devo então fazer? Eis a questão. Que respondam aqueles que querem ser "doutores da lei" (1 Timóteo 1:7): que dêem uma resposta própria para uma consciência reta, curvada sob o sentido duplo da espiritualidade e inflexibilidade da lei e a sua carnalidade desesperada.

C. H. Mackintosh

terça-feira, 16 de abril de 2019

Um Compromisso Presunçoso

(Comentário Êxodo 19)

Contudo, Israel não estava disposto a ocupar esta posição. Em vez de se regozijarem com "a santa promessa" de Deus, aventuraram-se a tomar o voto mais presunçoso que lábios humanos podiam pronunciar. "Então, todo o povo respondeu a uma voz e disse: Tudo o que o Senhor tem falado faremos" (versículo 8). Esta linguagem era ousada. Não disseram, "esperamos fazer" ou "procuraremos fazer" o que o Senhor disser; o que teria mostrado certo grau de desconfiança em si mesmos. Mas não: pronunciaram-se da maneira mais absoluta: "Faremos". Nem tampouco isto era a linguagem de alguns espíritos presunçosos, cheios de confiança em si mesmos que presumiam representar toda a congregação. Não; "Todo o povo respondeu a uma voz". Abandonaram unânimes a "santa promessa" — o "concerto santo." E agora, veja-se o resultado. Logo que Israel pronunciou o seu "voto" singular, assim que decidiu "fazer" tudo o que o Senhor mandasse, deu-se uma mudança no aspecto das coisas. "E disse o Senhor a Moisés: Eis que eu virei a ti numa nuvem espessa... e marcarás limites ao povo em redor, dizendo: Guardai-vos, que não subais o monte, nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte certamente morrerá". Vemos nesta passagem uma mudança notável: Aquele que acabava de dizer, "... vos levei sobre asas de águias e vos trouxe a mim", agora oculta-Se "numa nuvem espessa" e diz: "Marcarás limites ao povo em redor". Os acentos agradáveis de graça são trocados pelos "trovões e relâmpagos" do monte fumegante. O homem havia ousado falar das suas miseráveis obras na presença da magnificente graça de Deus. Israel dissera: "Faremos", e portanto é preciso que sejam postos à distância de forma a poder ver-se claramente o que é que podem fazer. Deus toma o lugar de distância moral; e o povo não pensa de modo nenhum em encurtá-la, porque todos estão cheios de temor e tremendo; e não era de admirar, porque a visão era "terrível" — tão terrível que "Moisés disse: Estou todo assombrado e tremendo" (Hebreus 12:25). Quem poderia suportar a vista desse "fogo consumidor", que era a justa expressão da santidade divina? "...O Senhor veio de Sinai, e lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o monte Parã, e veio com dez milhares de santos; à sua direita havia para eles o fogo da lei" (Deuteronômio 33:2). O termo "fogo", aplicado à lei, mostra a sua santidade. "O nosso Deus é um fogo consumidor" (Hebreus 12:29) — que não transige com o mal em pensamento, palavras ou ações.

Desta forma, pois, Israel cometeu um erro fatal em dizer, "faremos". Isto era fazer um voto que não podiam, ainda mesmo que quisessem, cumprir; e nós conhecemos aquele que disse "melhor é que não votes do que votes e não pagues" (Eclesiastes 5:5). O próprio caráter do voto implica a competência de o cumprir; e onde está a competência do homem? Para um pecador desamparado fazer um voto, seria o mesmo que um homem falido passar um cheque sobre um banco. Aquele que faz um voto nega a verdade quanto à sua própria condição e natureza. Está arruinado, que poderá fazer? Encontra-se inteiramente sem forças, e não pode querer nem fazer nada bom. Israel cumpriu o seu voto? Fizeram tudo que o Senhor lhes havia mandado? O bezerro de outro, as tábuas feitas em pedaços, o sábado profanado, as ordenações menosprezadas e abandonadas, os mensageiros de Deus apedrejados, o Cristo rejeitado e crucificado, e a resistência ao Espírito, são provas esmagadoras de como o homem violou os seus votos. Acontecerá assim sempre que a humanidade caída fizer votos.

Não se regozija o leitor cristão no fato de que a sua salvação eterna não descansa sobre os seus miseráveis votos e resoluções, mas sim sobre a "oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez"? (Hebreus 10:10). Oh, sim, é sobre este fato que está fundado o nosso gozo, que nunca pode falhar. Cristo tomou todos os nossos votos sobre Si Mesmo e cumpriu-os gloriosamente para todo o sempre. A Sua vida de ressurreição corre nos Seus membros e produz neles resultados que os votos e as exigências da lei não podiam produzir. Ele é a nossa vida e a nossa justiça. Que o Seu nome seja precioso para os nossos corações e que a Sua causa domine sempre a nossa vida. Que a nossa comida e a nossa bebida seja gastar e gastarmo-nos no Seu glorioso serviço.

Não posso terminar este capítulo sem mencionar uma passagem do Livro de Deuteronômio, que pode oferecer alguma dificuldade para certos espíritos e que se relaciona com o assunto que acabamos de tratar. "Ouvindo, pois, o Senhor a voz das vossas palavras, quando me faláveis a mim, o Senhor me disse: Eu ouvi a voz das palavras deste povo, que te disseram; em tudo falaram eles bem" (Deuteronômio 5:28). Poderia parecer, segundo estas palavras, que o Senhor aprovava que eles tivessem feito um voto; porém, se o leitor se der ao trabalho de ler todo o contexto, desde o versículo 24 ao versículo 27, verá imediatamente que não se trata de um voto, mas da expressão do seu terror por causa das consequências do seu voto. Não podiam suportar aquilo que lhes era ordenado. "Se ainda mais ouvíssemos a voz do Senhor, nosso Deus, morreríamos. Porque, quem há, de toda a carne, que ouviu a voz do Deus vivente falando do meio do fogo, como nós, e ficou vivo? Chega-te tu, e ouve tudo o que disser o Senhor nosso Deus; e tu nos dirás tudo o que te disser o Senhor nosso Deus, e o ouviremos, e o faremos". Era esta a confissão da sua incapacidade para se encontrarem com o Senhor sob o aspecto terrível a que o seu legalismo orgulhoso os havia levado. É impossível que o Senhor possa aprovar o abandono de graça imutável por um fundamento movediço de "obras da lei".

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 12 de abril de 2019

O Pacto da Graça

(Comentário Êxodo 19: ISRAEL AO PÉ DO MONTE SINAI)

Eis-nos agora chegados a um ponto muito importante na história de Israel. O povo fora conduzido ao pé do "monte palpável, aceso em fogo" (Hebreus 12:18). A cena de glória milenial, que nos apresenta o capítulo anterior, desaparecera. Fora apenas um momento breve de sol durante o qual fora proporcionada uma viva imagem do reino; porém o sol desvaneceu-se rapidamente e grossas nuvens amontoaram-se sobre esse "monte palpável", onde Israel, num espírito funesto e insensível de legalismo, abandonou o pacto de graça de Jeová pela aliança das obras do homem. Impulso fatal! Que foi seguido dos resultados mais funestos. Até aqui, como temos visto, nenhum inimigo pôde subsistir diante de Israel — nenhum obstáculo pôde deter a sua marcha vitoriosa. Os exércitos de Faraó haviam sido destruídos; Amaleque e o seu povo haviam sido passados a fio de espada: tudo fora vitória, porque Deus interviera a favor do Seu povo, em conformidade com as promessas que fizera a Abraão, Isaque e Jacó.

Nos primeiros versículos do capítulo que temos perante nós, o Senhor resume de uma maneira tocante aquilo que tem feito por Israel: "Assim falarás à casa de Jacó e anunciarás aos filhos de Israel: Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a mim; agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes o meu concerto, então sereis a minha propriedade peculiar de entre todos os povos; porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo" (versículos 3 a 6). Note-se que o Senhor disse: "a minha voz" e "o meu concerto". Que dizia essa "voz" e que implicava esse "concerto"? A voz de Jeová tinha-se feito ouvir para impor as leis e as ordenações de um legislador severo e inflexível? De modo nenhum. Falou para dar liberdade aos cativos—para prover um refúgio da espada do destruidor—,para preparar um caminho para que os remidos pudessem passar, para fazer descer pão do céu, para fazer brotar água da rocha. Tais foram as expressões graciosas e inteligíveis da "voz" do Senhor até ao momento em que Israel acampou defronte do monte.

Quanto ao Seu "concerto" era um concerto de pura graça. Não impunha condições, não pedia nada, não punha nenhum fardo sobre os ombros nem jugo no pescoço. Quando "o Deus da glória apareceu" a Abrão em Ur dos caldeus (Atos 7:2), de certo que não lhe disse "farás isto" e "não farás aquilo". Oh! não; uma tal linguagem não seria segundo o coração de Deus. Ele prefere muito mais pôr uma mitra limpa sobre a cabeça do pecador do que pôr um jugo de ferro sobre o seu pescoço (Zacarias 3:5; Deuteronômio 28:48). A Sua palavra a Abraão foi: "DAR-TE-EI". A terra de Canaã não podia ser adquirida pelas obras do homem, mas devia ser dada pela graça de Deus. Assim era; e, no princípio do livro do Êxodo vemos Deus descendo em graça para cumprir a Sua promessa aos descendentes de Abrão. O estado em que encontrou essa posteridade não importava, tanto mais que o sangue do cordeiro Lhe dava um fundamento perfeitamente justo para realizar a Sua promessa. Evidentemente não havia prometido a terra de Canaã à posteridade de Abrão com base em qualquer coisa que houvesse antevisto neles, porque isto teria destruído a verdadeira natureza de uma promessa. Em tal caso teria sido um pacto e não uma promessa: "ora as promessas foram feitas a Abraão", não por um pacto (veja-se Gálatas 3).

Por isso, no princípio desse capítulo 19, faz-se lembrar ao povo a graça com que o Senhor havia tratado com eles até ali, e recebem também a garantia daquilo que ainda hão-de ser, contanto que continuem a atender a "voz" celestial de misericórdia e a permanecer no "pacto" de graça. "Sereis a minha propriedade peculiar de entre todos os povos". Como podiam eles conseguir isto? Podiam consegui-lo aos tropeções pela escada da própria justiça e do legalismo? Seriam uma "propriedade peculiar" quando amaldiçoados pelas maldições de uma lei transgredida—violada antes mesmo de a haverem recebido? Seguramente que não. Logo, como ia ser esta "propriedade peculiar"? Permanecendo naquela posição em que o Senhor os viu quando obrigou o profeta ambicioso a exclamar: "Que boas são as tuas tendas, ó Jacó! Que boas as tuas moradas, ó Israel! Como ribeiros se estendem, como jardins ao pé dos rios; como árvores de sândalo o Senhor a plantou, como cedros junto às águas. De seus baldes manarão águas, e a sua semente estará em muitas águas; e o seu rei se exalçará mais do que Agague, e o seu reino será levantado. Deus o tirou do Egito; as suas forças são como as do unicórnio; consumirá as gentes, seus inimigos, e quebrará seus ossos, e com as suas setas os atravessará" (Números 24:5-8).

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Ensinamento para o Servo de Cristo

(Comentário Êxodo 18)

O abandono de um posto divinamente indicado nunca é o fruto de humildade. Pelo contrário, a mais profunda humildade manifestar-se-á na permanência nesse posto em simples dependência de Deus. Quando recuamos ante algum serviço sob o fundamento de inaptidão é uma prova segura de estarmos ocupados com o ego — com nós próprios. Deus não nos chama para o serviço com base na nossa capacidade, mas, sim, na Sua; por isso, a menos que eu esteja ocupado com pensamentos a meu respeito ou com desconfiança n'Ele, não preciso abandonar qualquer posição de serviço ou testemunho por causa das muitas dificuldades relacionadas com ela. Todo o poder pertence a Deus, e Ele quer esse poder atue por meio de um só instrumento ou mediante setenta; o poder é ainda o mesmo: contudo, se um instrumento recusa o cargo, tanto pior é para ele. Deus não obrigará ninguém a ocupar um lugar de honra, se não confiar em Si para o manter nele. O caminho está sempre aberto para poder descer do seu cargo e lançar-se no lugar onde a vil incredulidade quer colocar-nos.

Aconteceu assim com Moisés: queixou-se do fardo que devia levar, e o fardo foi imediatamente removido; porém com ele foi tirada também a grande honra de poder levá-lo. "E disse o Senhor a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel, de quem sabes que são anciãos do povo e seus oficiais; e os trarás perante a tenda da congregação, e ali se porão contigo. Então, eu descerei, e ali falarei contigo, e tirarei do Espírito que está sobre ti, e o porei sobre eles; e contigo levarão o cargo do povo, para que tudo sozinho o não leves" (Números 1:16-17). Nenhum novo poder foi introduzido. Era o mesmo Espírito, quer fosse num ou em setenta. Não havia mais valor ou virtude na natureza de setenta homens do que na de um só homem. "O Espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita" (João 6:63). Nada se ganhou, quanto ao poder, mas Moisés perdeu muito da sua dignidade.

Na segunda parte do capítulo onze de Números vemos como Moisés profere palavras de incredulidade, as quais lhe valeram uma severa reprimenda da parte do Senhor. "Seria pois encurtada a mão do Senhor? Agora verás se a minha palavra te acontecerá ou não" (versículo 23). Se o leitor comparar os versículos 11 a 15 com os versículos 21 e 22, verá que existe uma relação solene e clara. O homem que recua perante a responsabilidade, com fundamento na sua própria fraqueza, corre grande perigo de pôr em dúvida a suficiência e plenitude dos recursos de Deus.

Esta cena ensina uma lição muito preciosa para todo o servo de Cristo que possa ser tentado a sentir-se só ou sobrecarregado com o seu trabalho. Convém que um tal servo se lembre que, onde o Espírito Santo está operando um só instrumento é tão bom e eficaz como setenta instrumentos; e onde Ele não opera, setenta não têm mais valor do que um só. Tudo depende da energia do Espírito Santo. Com Ele um só homem pode fazer tudo, sofrer tudo e suportar tudo.

Sem Ele setenta homens nada podem fazer. Que o servo solitário se recorde, para conforto e ânimo do seu coração fatigado, que, contanto que tenha consigo a presença e poder do Espírito Santo, não tem motivo para queixar-se da sua carga nem de suspirar por diminuição do seu trabalho. Se Deus honra um homem dando-lhe muito trabalho a fazer, regozije-se o tal no seu trabalho e não murmure; porque se murmurar pode perder rapidamente a sua honra. Deus não tropeça com dificuldades quando se trata de achar instrumentos. Até das pedras podia levantar filhos a Abrão, e pode suscitar de essas mesmas pedras os instrumentos necessários para o cumprimento da sua obra gloriosa.

Ah! quem tivera um coração mais disposto a servi-Lo! Um coração paciente, humilde, consagrado e despido de si mesmo! Um coração pronto a servir com outro se disposto a servir só; um coração cheio de tal maneira de amor por Cristo, que encontra o seu gozo —o seu maior gozo—em servi-Lo, seja em que esfera for e qualquer que seja o caráter do serviço. Esta é certamente a necessidade especial dos dias em que nos caiu a nossa sorte. Que o Espírito Santo desperte em nossos corações um sentimento mais profundo da preciosidade excelente do nome de Jesus e nos habilite a dar uma resposta mais clara, completa e inequívoca ao amor imutável de Seu coração!

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Chefes para a Administração

(Comentário Êxodo 18)

Desde o versículo 13 até ao fim do capítulo fala-se da nomeação de chefes para ajudarem Moisés na administração dos negócios da congregação. Isto foi feito por sugestão de Jetro, que temia que Moisés desfalecesse totalmente em consequência do seu trabalho. Em relação com este fato, pode ser útil considerar a nomeação dos setenta anciãos em Números, Capítulo 11. Vemos ali o espírito de Moisés esmagado sob o peso da responsabilidade que pesava sobre si, e dá lugar à angústia do seu coração nas seguintes palavras: "Por que fizeste mal a teu servo, e por que não achei graça aos teus olhos, que pusesses sobre mim a carga de todo este povo? Concebi eu, porventura, todo este povo? Gerei-o eu, para que me dissesses que o levasse ao colo, como o aio leva o que cria, à terra que juraste a seus pais?... Eu sozinho não posso levar a todo este povo, por que muito pesado é para mim. E, se assim fazes comigo, mata-me, eu te peço, se tenho achado graça aos teus olhos; e não me deixes ver o meu mal" (Números 1:11-15).

Em todo este caso vemos como Moisés se retira de um lugar de honra. Se aprouve a Deus fazer dele o único instrumento da administração da Assembleia, isso foi para ele uma maior honra e um alto privilégio. É verdade que era uma grande responsabilidade; porém a fé teria reconhecido que Deus era amplamente suficiente para tudo. Todavia, Moisés perde o ânimo (servo abençoado como era) e diz, "eu sozinho não posso levar todo este povo, porque muito pesado é para mim". Mas ele não fora incumbido de levar todo o povo sozinho, porque Deus estava consigo. O povo não era demasiado pesado para Deus; era Ele que os suportava. Moisés era apenas o instrumento. Da mesma forma poderia ter dito que a sua vara levava o povo, porque o que era ele senão um simples instrumento nas mãos de Deus, da mesma forma que a vara o era nas suas? É neste ponto que os servos de Cristo falham constantemente; e a sua falta é tanto mais perigosa quanto é certo que se reveste da aparência de humildade. Fugir de uma grande responsabilidade dá a impressão de falta de confiança pessoal e de uma profunda humildade de espírito; porém, tudo que nos interessa saber é se Deus tem imposto essa responsabilidade. Sendo assim, Ele estará incontestavelmente conosco no seu desempenho; e, com a Sua companhia, podemos suportar todas as coisas. Com o Senhor o peso de uma montanha não é nada; sem Ele o peso de uma simples pena é esmagador. É uma coisa muito diferente se um homem, na vaidade do seu espírito, se apressa em tomar um fardo sobre os seus ombros, um fardo que Deus nunca teve intenção de ele levar, e, portanto, nunca o dotara para o conduzir; podemos, portanto, esperar vê-lo esmagado sob o peso. Porém, se é Deus que põe sobre ele esse fardo, Ele torna-o não só apto a conduzi-lo como lhe dá as forças necessárias.

C. H. Mackintosh

sábado, 6 de abril de 2019

O Judeu, o Gentio e a Igreja de Deus

(Comentário Êxodo 18)

Chegamos agora ao fim de uma parte verdadeiramente notável do Livro de Êxodo. Vimos como Deus, no exercício da Sua perfeita graça, visitou e redimiu o Seu povo, tirando-o da terra do Egito e livrando-o primeiro da mão do Faraó e depois da mão de Amaleque. Demais, vimos no maná um símbolo de Cristo descendo do céu; e na rocha uma figura de Cristo ferido pelo Seu povo; e na água que brotava da rocha um símbolo do Espírito Santo. Então segue-se, em ordem notável e formosa, uma figura da glória vindoura, dividida nas suas três partes principais, a saber: Os judeus, os gentios e a Igreja de Deus.

Durante a época de rejeição de Moisés pelos seus irmãos, ele foi posto de parte e favorecido com uma noiva — a companheira da sua rejeição. No princípio deste livro fomos levados a ver o caráter da relação de Moisés com esta esposa. Foi para ela "esposo sanguinário". Isto é precisamente o que Cristo é para a Igreja. A sua união com Ele é baseada na morte e ressurreição; e ela é chamada à comunhão dos Seus sofrimentos. É, como sabemos, durante a época da incredulidade de Israel, e da rejeição de Cristo, que a Igreja é formada; e quando estiver completa, segundo os desígnios de Deus e houver entrado nela a plenitude dos gentios (Romanos 11:25), Israel entrará outra vez em cena.

Assim foi com Zípora e o antigo Israel. Moisés enviara-a para junto de seu sogro durante o perigo da sua missão junto de Israel; e logo que este saiu como povo inteiramente livre, lemos que "Jetro, sogro de Moisés, tomou a Zípora, a mulher de Moisés, depois que ele lha enviara, com seus dois filhos, dos quais um se chamava Gérson; porque disse: Eu fui peregrino em terra estranha; e o outro se chamava Eliézer, porque disse: O Deus de meu pai foi minha ajuda e me livrou da espada de Faraó. Vindo, pois, Jetro, o sogro de Moisés, com seus filhos e com sua mulher a Moisés no deserto ao monte de Deus, onde se tinha acampado, disse a Moisés: Eu, teu sogro Jetro, venho a ti, com tua mulher e seus dois filhos com ela. Então, saiu Moisés ao encontro de seu sogro, e inclinou-se, e beijou-o, e perguntaram um ao outro como estavam, e entraram na tenda. E Moisés contou a seu sogro todas as coisas que o Senhor tinha feito a Faraó e aos egípcios por amor de Israel, e todo o trabalho que passaram no caminho, e como o Senhor os livrara. E alegrou-se Jetro de todo o bem que o Senhor tinha feito a Israel, livrando-o da mão dos egípcios. E Jetro disse: Bendito seja o Senhor, que vos livrou das mãos dos egípcios e da mão de Faraó; que livrou a este povo de debaixo da mão dos egípcios. Agora sei que o Senhor é maior que todos os deuses: porque na coisa em que se ensoberbeceram, os sobrepujou. Então, tomou Jetro, o sogro de Moisés, holocaustos e sacrifícios para Deus; e veio Arão, e todos os anciãos de Israel, para comerem pão com o sogro de Moisés diante de Deus" (versículos 2 a 12).

Esta cena é profundamente interessante. Toda a congregação se reuniu, em triunfo, perante o Senhor: o gentio apresentou sacrifícios, e, para completar o quadro, a esposa do libertador juntamente com os filhos que Deus lhe havia dado, são introduzidos. É, em resumo, uma ilustração particularmente admirável do reino vindouro.

"O Senhor dará graça a glória" (SI 84:11). Vimos nas páginas anteriores deste livro muito da operação da "graça"; e aqui temos um quadro formoso de "glória" da autoria do Espírito Santo—um quadro que deve ser considerado particularmente importante por nos mostrar as várias esferas em que será manifestada essa glória.

"Os judeus, os gentios e a Igreja de Deus" são termos bíblicos que nunca poderão ser esquecidos sem transtornar o curso perfeito da verdade que Deus revelou na Sua Palavra. Existiram sempre desde que o mistério da Igreja foi inteiramente desenrolado pelo ministério do apóstolo Paulo e existirão através do milênio. Por isso, devem ter lugar na mente de todo o estudante espiritual da Escritura Sagrada.

O apóstolo ensina-nos, claramente, na sua Epístola aos Efésios, que o mistério da Igreja não foi dado a conhecer noutros séculos aos filhos dos homens como lhe fora revelado a ele. Mas, embora não houvesse sido diretamente revelado, acha-se representado em figura de uma maneira ou de outra; como, por exemplo, no casamento de José com uma mulher egípcia e no casamento de Moisés com uma mulher da Etiópia (uma mulher cusita; Números 12:1). O tipo ou sombra de uma verdade é uma coisa muito diferente de uma revelação direta e positiva da mesma verdade. O grande mistério da Igreja não foi revelado até que Cristo, em glória celestial, o revelou a Saulo de Tarso. Por isso, todos aqueles que procuram o desenrolar deste mistério na lei, nos profetas ou nos Salmos, achar-se-ão ocupados em labor ininteligente. Quando, contudo, o encontram revelado claramente na Epístola aos Efésios, podem, com interesse e proveito, traçar os seus símbolos nas Escrituras do Velho Testamento.

Deste modo, temos nos primeiros versículos deste capítulo uma cena milenial. Todas as esferas de glória se abrem em visão perante nós. "Os judeus" estão aqui como as grandes testemunhas na terra da fidelidade, da misericórdia e do poder de Jeová. E isto precisamente que os judeus foram em séculos passados, é o que são atualmente e o que serão para sempre. "O gentio" lê no livro dos desígnios de Deus quanto aos judeus as suas mais profundas lições. Segue a história maravilhosa desse povo peculiar e eleito — "um povo terrível desde o seu princípio" (Isaías 18:2). Vê tronos e impérios derrubados e nações destruídas até os seus fundamentos, todo o homem e todas as coisas são compelidas a abrir caminho para que seja estabelecida a supremacia desse povo sobre o qual Deus pôs o Seu afeto. "Agora sei que o Senhor é maior que todos os deuses; porque na coisa em que se ensoberbeceram, os sobrepujou" (versículo 11); é o testemunho de um gentio quando a página da história judaica está aberta perante si.

Por fim, "a Igreja de Deus" coletivamente, como é ilustrada por Zípora, e os seus membros individualmente, conforme os vemos em figura nos filhos de Zípora, são apresentados como ocupando a mais íntima ligação com o libertador. Tudo isto é perfeito na sua ordem. Se nos pedirem provas, responderemos: "Falo como a entendidos, julgai vós mesmos o que digo" (1 Coríntios 10:15).

Não pode fundar-se uma doutrina sobre um símbolo; porém, quando uma doutrina é revelada [no Novo Testamento], pode discernir-se o símbolo dela [no Antigo Testamento] com exatidão e estudá-la com proveito. Em todos os casos o discernimento espiritual é essencialmente necessário, quer seja para compreender a doutrina quer para discernir o símbolo: "...o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2:14).

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Cristo: o nosso Grande Intercessor

(Comentário Êxodo 17)

É edificante notar o contraste entre Moisés no cume do outeiro e Cristo no trono. As mãos do nosso grande Intercessor nunca poderão estar pesadas. A Sua intercessão nunca poderá vacilar. Ele vive sempre para interceder por nós (Hebreus 7:25). A sua intercessão é incessante e eficaz. Havendo tomado o Seu lugar nas alturas, no poder da justiça divina, o Senhor atua por nós, segundo o que Ele é e conforme a perfeição infinita do que fez. As Suas mãos nunca poderão abaixar, nem pode ter necessidade de alguém para as suster. A perfeição da Sua advocacia está baseada sobre o Seu perfeito sacrifício. Apresenta-nos perante Deus, vestidos das Suas próprias perfeições, de forma que, embora tenhamos que cobrir sempre o nosso rosto com o pó, com o sentimento daquilo que somos, o Espírito só pode testemunhar perante nós daquilo que o Senhor é perante Deus e daquilo que nós somos n'Ele. Não estamos na carne, mas no Espírito (Romanos 8:9). Estamos no corpo, quanto ao fato da nossa condição; mas não estamos na carne, quanto ao princípio da nossa posição. Além disso, a carne está em nós, apesar de estarmos mortos para ela; mas não estamos na carne, porque estamos vivos com Cristo.

Notemos também que Moisés tinha a vara de Deus com ele no outeiro — a vara com que havia ferido a rocha. Esta vara era a expressão ou símbolo do poder de Deus, o qual é visto igualmente na expiação e na intercessão. Quando a obra de expiação foi cumprida, Cristo tomou o Seu lugar no céu e enviou o Espírito Santo para fazer a Sua morada na Igreja; de forma que existe uma ligação inseparável entre a obra de Cristo e a obra do Espírito. Em cada uma delas é feita a aplicação do poder de Deus.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 3 de abril de 2019

A Luta do Cristão Contra a Carne

(Comentário Êxodo 17)

Algumas pessoas procuram esquecer o fato do combate do cristão com a carne. Encaram a regeneração como uma transformação completa ou renovação da velha natureza. Segundo este princípio segue-se, necessariamente, que o crente não tem nada com que lutar. Se a minha natureza é renovada, contra o que tenho de lutar? Não há nada com que lutar no íntimo, visto que a minha velha natureza está renovada, e nenhum poder exterior pode prejudicar-me, porquanto não há nada que lhe corresponda no meu íntimo. O mundo não possui atrativos para aquele cuja carne foi inteiramente transformada, e Satanás não tem com que ou sobre que possa atuar. Pode dizer-se a todos aqueles que sustém esta teoria que parece esquecerem o lugar que Amaleque ocupa na história do povo de Deus. Tivesse Israel concebido a ideia que, uma vez destruídas as hostes do Faraó, o seu conflito havia acabado, e teriam sido tristemente confundidos quando Amaleque veio sobre eles. O fato é que o conflito deles começou só então. Assim é para o crente, porque "... tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso" (1 Coríntios 10:11). Porém não poderia haver nenhuma "figura" nem "aviso" em "tudo isto" para aquele cuja velha natureza fosse feita de novo. Com efeito, uma tal pessoa teria muito pouca necessidade de qualquer dessas provisões graciosas que Deus preparou no Seu reino para aqueles que são os seus súbditos.

Somos ensinados claramente na Palavra de Deus que o crente traz consigo aquilo que corresponde a Amaleque, a saber "a carne" — "o homem velho", a mente carnal (Romanos 6:6; 8:7; Gálatas 5:17). Ora, se o cristão, sentindo os movimentos da sua velha natureza, começa por pôr em dúvida se é cristão, não somente se torna a si próprio extremamente infeliz como se priva das vantagens da sua posição diante do inimigo. A carne existe no crente e estará nele até ao fim da sua carreira. O Espírito Santo reconhece inteiramente a sua existência, como podemos ver em várias passagens do Novo Testamento. Em Romanos, capítulo 6:12, lemos: "Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências". Um tal preceito seria de todo descabido se a carne não existisse no crente. Seria inoportuno dizer-nos para não deixarmos que o pecado reinasse sobre nós, se o pecado não habitasse de fato em nós. Existe uma grande diferença entre habitar e reinar. O pecado habita no crente, porém reina no descrente.

Contudo, embora habite em nós, temos, graças a Deus, um princípio de poder sobre ele. "Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça" (Romanos 6:14). A mesma graça que, mediante o sangue da cruz, tirou o pecado, garante-nos a vitória e dá-nos poder sobre o seu princípio de ação em nós.

Morremos para o pecado, e por isso o pecado não tem reivindicações sobre nós. "Aquele que está morto está justificado do pecado". "Sabendo isto: que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado" (Romanos 6:6-7). "E, assim, Josué desfez a Amaleque e a seu povo ao fio de espada". Tudo foi vitória, e a bandeira de Jeová flutuou sobre as hostes triunfantes, tendo a formosa e acalentadora inscrição "Jeová-nissi" — "o Senhor é minha bandeira". A certeza da vitória deve ser tão completa como a compreensão do perdão, visto que as duas cosias são baseadas igualmente sobre o fato que Jesus morreu e ressuscitou. É no poder deste fato que o crente goza de uma consciência purificada e subjuga o pecado em si. A morte de Cristo havendo satisfeito todas as exigências de Deus quanto ao nosso pecado, a Sua ressurreição torna-se a origem de poder em todos os pormenores da luta. O Senhor morreu por nós e agora vive em nós. A sua morte dá-nos paz e a Sua ressurreição dá-nos poder.

C. H. Mackintosh

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