segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Israel Vitorioso e o Exército de Faraó Destruído

(Comentário Êxodo 14)

O fim do nosso capítulo mostra-nos Israel vitorioso nas praias do Mar Vermelho e o exército do Faraó submergido nas suas águas. Os temores dos israelitas e a jactância dos egípcios eram igualmente desprovidos de fundamento. A obra gloriosa do Senhor havia destruído tanto uns como os outros. As mesmas águas que serviram de muro aos remidos de Deus, serviram de sepultura para Faraó. É sempre assim: aqueles que andam por fé acham um caminho por onde transitar, ao passo que todos aqueles que tentam imitá-los encontram uma sepultura. Trata-se de uma verdade solene, que não é, de modo nenhum, diminuída pelo fato que Faraó atuava em hostilidade declarada e positiva contra Deus quando intentou atravessar o Mar Vermelho. Descobrir-se-á sempre a verdade que todos aqueles que intentam imitar as obras da fé serão confundidos. Felizes daqueles que, embora fracos, podem andar por fé. Seguem por um caminho de bem-aventurança infalível — um caminho que, embora possa ser marcado por falhas e fraquezas, é, todavia, começado, prosseguido e acabado com Deus. Possamos nós entrar mais e mais na realidade divina, calma elevação e santa independência desta senda.

Não devemos deixar esta parte do Livro do Êxodo sem nos referirmos à passagem da 1 Epístola aos Coríntios 10:1-2, em que se faz referência à nuvem e ao mar.

"Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem; e todos passaram pelo mar; e todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar". Esta passagem encerra a instrução preciosa e profunda para o cristão, pois que o apóstolo continua, dizendo: "E essas coisas foram-nos feitas em figura" (versículo 6), dando-nos assim autorização divina para interpretarmos o batismo de Israel "na nuvem e no mar" de uma maneira simbólica; e nada, seguramente, pode ter uma significação mais profunda e prática. Foi como povo batizado desta maneira que os israelitas empreenderam a sua peregrinação através do deserto, para qual foi feita provisão de "um manjar espiritual" e "uma mesma bebida espiritual" pela mão d'Aquele que é amor. Em suma: era simbolicamente um povo morto para o Egito e tudo que lhe dizia respeito. A nuvem e o mar foram para eles aquilo que a cruz e a sepultura de Cristo são para nós. A nuvem punha-os ao abrigo dos seus inimigos e o mar separava-os do Egito—da mesma maneira, a cruz protege-nos de tudo que podia ser contra nós, e nós achamo-nos do lado celestial da sepultura de Jesus. É aqui que começa a nossa peregrinação através do deserto. E aqui que começamos a saborear o maná celestial e a beber das correntes que brotam da "rocha espiritual", enquanto que, como povo de peregrinos, caminhamos para a terra do repouso da qual Deus nos tem falado.

Desejo aqui chamar a atenção do leitor para a importância de compreender a diferença entre o Mar Vermelho e o Jordão. Os dois acontecimentos têm o seu antítipo na morte de Cristo. Porém, no primeiro vemos separação do Egito; no último vemos introdução na terra de Canaã. O crente não somente está separado deste presente século mau, por meio da cruz de Cristo, como foi vivificado da sepultura de Cristo, ressuscitado juntamente com Ele e assentado nos lugares celestiais, em Cristo (Efésios 2:5-6). Por isso, ainda que esteja rodeado pelas coisas do Egito, ele encontra-se, quanto à sua experiência atual, no deserto; enquanto que, ao mesmo tempo, é levado pela energia da fé àquele lugar onde Jesus está sentado à destra de Deus. Assim, o crente não só é perdoado de todos os seus pecados, como está associado com Cristo ressuscitado nos céus: não só é salvo por Cristo, como está unido a Ele para sempre. Nada menos do que isto podia satisfazer o amor de Deus ou realizar os Seus propósitos a respeito da Igreja.

Prezado leitor, compreendemos nós estas coisas? Acreditamo-las? Manifestamos o poder delas? Bendita a graça que as tornou invariavelmente certas para cada membro do corpo de Cristo, quer seja só um olho, uma pálpebra, uma mão ou um pé. A verdade destas coisas não depende, portanto, da sua manifestação por nós, nem de as realizarmos ou compreendermos, mas, sim, do "PRECIOSO SANGUE DE CRISTO", que cancelou toda a nossa culpa e lançou o fundamento de todos os desígnios de Deus a nosso respeito. Eis descanso verdadeiro para todo o coração quebrantado e toda a consciência sobrecarregada.

C. H. Mackintosh

sábado, 29 de dezembro de 2018

O Anjo de Deus e a Coluna de Nuvem

(Comentário Êxodo 14)

"E o Anjo de Deus, que ia diante do exército de Israel, se retirou, e ia atrás deles; também a coluna de nuvem se retirou diante deles e se pôs atrás deles. E ia entre o campo dos egípcios e o campo de Israel; e a nuvem era escuridade para aqueles e para estes esclarecia a noite; de maneira que em toda a norte não chegou um ao outro" (versículos 19- 20). O Senhor colocou-Se exatamente entre Israel e o inimigo—isto era verdadeira proteção. Antes que Faraó pudesse tocar num cabelo da cabeça de Israel, teria que atravessar o pavilhão do Todo-Poderoso —, sim, o Próprio Todo-Poderoso. É assim que Deus sempre Se interpõe entre o Seu povo e todo o inimigo, de forma que "toda a ferramenta preparada contra" eles "não prosperará" (Isaías 54:17). Ele pôs-Se entre nós e os nossos pecados, e é nosso privilégio encontrá-Lo entre nós e todo aquele ou coisa que possa ser contra nós. Este é o único meio de encontrarmos tanto a paz de coração como a paz de consciência. O crente pode buscar os seus pecados com ansiedade e diligência sem conseguir encontrá-los. Por quê? Porque Deus está entre ele e os seus pecados. O Senhor lançou para trás das Suas costas todos os nossos pecados; enquanto que, ao mesmo tempo, faz brilhar sobre nós a luz do Seu semblante.

Da mesma maneira, o crente pode buscar as suas dificuldades, e não as encontrar, porque Deus está entre ele e as dificuldades. Se, portanto, em vez de nos determos com os nossos pecados e as nossas dores, nos apoiássemos somente em Cristo, o cálice amargoso seria adoçado e muitas horas negras seriam iluminadas. A verdade é que muitas vezes descobrimos que nove décimos das nossas dores e provações se compõem de males antecipados ou imaginários, que só existem no nosso espírito desordenado, porque é incrédulo. Deus permita que o leitor conheça a paz inabalável tanto do coração como da consciência, que resulta de ter a Cristo, em toda a Sua plenitude, entre si e todos os seus pecados e todas as suas dores.

É, ao mesmo tempo, solene e interessante notar o aspecto duplo da "coluna de nuvem", neste capítulo. E a nuvem era escuridão para os egípcios, mas para Israel "esclarecia a noite". Que semelhança com a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo! Verdadeiramente, essa cruz tem, do mesmo modo, um duplo aspecto. Constitui a base da paz do crente; e, ao mesmo tempo, sela a condenação de um mundo culpado. O mesmíssimo sangue que purifica a consciência do crente e lhe dá paz mancha este mundo e consuma o seu pecado. A mesmíssima missão do Filho de Deus, que despojou o mundo da sua capa e o deixa inteiramente sem desculpa, veste a Igreja de um manto formoso de justiça e enche a sua boca de louvor incessante. O próprio Cordeiro de Deus que encherá de terror, com a grandeza da Sua ira, todas as tribos e povos da terra, conduzirá pela Sua mão bondosa o rebanho que comprou com o Seu precioso sangue através de verdes pastos e a águas tranquilas (comparem-se Apocalipse 6:15 -17 com 7:17).

C. H. Mackintosh

domingo, 23 de dezembro de 2018

Deus Abre o Caminho para a Fé

(Comentário Êxodo 14)

Assim, também, no caso de Israel, vemos que com o mandamento para marcharem veio o suprimento da graça. "E tu, levanta a vara, e estende a tua mão sobre o mar, e fende-o, para que os filhos de Israel passem pelo meio do mar em seco" (versículo 16). Eis aqui a senda da fé. A mão de Deus abre o caminho para podermos dar o primeiro passo, e isto é tudo que a fé sempre precisa. Deus não dá nunca direção para dois passos ao mesmo tempo. Devemos dar um passo, e então recebemos luz para o segundo. Deste modo o coração é mantido em permanente dependência de Deus. "Pela fé, passaram o Mar Vermelho, como por terra seca" (Hebreus 11:29). E evidente que o Mar não foi dividido em toda a sua extensão de uma só vez. Se assim tivesse sido, eles teriam sido conduzidos "por vista" e não "por fé". Não é preciso fé para se empreender uma viagem quando se vê o caminho em toda a sua extensão; mas é necessária fé para alguém se pôr ao caminho quando não vê mais do que o primeiro passo. O Mar divida-se à medida que Israel avançava, de forma que, para cada novo passo, eles dependiam de Deus. Tal era o caminho por onde marchavam os remidos do Senhor, guiados pela Sua mão. Passaram pelas grandes águas da morte e descobriram que estas águas "foram-lhes como muro à sua direita e à sua esquerda" (versículo 22).

Os egípcios não puderam avançar num caminho como este. Entraram nele porque o viram aberto — para eles era uma questão de vista e não de fé"...o que intentando os egípcios se afogaram" (Hb 11:29).Quando as pessoas tentam fazer aquilo que só a fé pode conseguir, encontram a derrota e a confusão. O caminho pelo qual Deus faz marchar o Seu povo é um caminho que nunca pode ser trilhado pela natureza — "... carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus" (1 Coríntios 15:50); tampouco podem caminhar pelo caminho de Deus. A fé é a grande regra característica do reino de Deus, e é só pela fé que podemos andar nos caminhos de Deus. "Sem fé é impossível agradar a Deus" (Hebreus 11:6). Deus é grandemente glorificado quando avançamos com Ele com os olhos vendados, por assim dizer, porque esta é a prova de que temos mais confiança na Sua vista do que na nossa. Se sei que Deus vela por mim, posso muito bem cerrar os olhos e avançar em santa calma e segurança. Nas ocupações humanas sabemos que quando a sentinela está no seu posto, os outros podem dormir tranquilos. Quanto melhor podemos nós descansarmos perfeita segurança quando sabemos que Aquele que não tosqueneja nem dorme tem o Seu olhar fixo em nós (Sl 121:4) e os Seus braços eternos em volta de nós!

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A Ordem de Deus para Marchar

(Comentário Êxodo 14)

Contudo, quando Deus, na Sua muita misericórdia, abre o caminho, a fé pode andar nele; então deixa o caminho do homem, para andar no caminho de Deus.

"Então, disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem" (versículo 15). É quando aprendemos a estar "quietos" que podemos, efetivamente, ir para diante. Tentar ir para diante sem termos aprendido a estar "quietos" é ter a certeza de cairmos no ridículo da nossa loucura e fraqueza. E, portanto, verdadeira sabedoria, em todas as ocasiões de dificuldade e perplexidade, permanecermos tranquilos—esperando unicamente em Deus, que certamente nos abrirá um caminho; e então poderemos "marchar" em paz e tranquilidade. Não existe a incerteza quando é Deus quem nos abre o caminho; pelo contrário, todo o caminho de nossa própria invenção será um caminho de dúvida e hesitação. O homem natural pode avançar, com certa aparência de firmeza e decisão, no seu próprio caminho; porém, um dos elementos da nova natureza é a desconfiança em si própria, em contraste com a confiança em Deus como seu próprio elemento. É quando os nossos olhos têm visto a salvação de Deus que podemos seguir este caminho; contudo não poderemos vê-lo claramente antes de sermos convencidos da inutilidade dos nossos próprios e fracos esforços.

A expressão "verei a salvação de Deus" encerra beleza e força peculiar. O próprio fato de sermos chamados para ver a salvação de Deus é prova de que a salvação está completa. Ensina-nos que a salvação é uma obra realizada e revelada por Deus, para ser vista e gozada por nós. Não é uma obra em parte de Deus e em parte do homem. Se fosse assim, não poderia ser chamada a salvação de Deus. Para poder ser chamada a salvação de Deus é preciso que seja desprovida de tudo que pertence ao homem. O único efeito possível dos esforços humanos será obscurecer aos nossos olhos a salvação de Deus.

"Dize aos filhos de Israel que marchem".

O próprio Moisés parece ter ficado perplexo, como se depreende da interrogação "Por que clamas a mim?" Moisés podia dizer ao povo "estai quietos e vede o livramento do Senhor", enquanto o seu próprio espírito clamava a Deus angustiado. Todavia, de nada vale clamar quando devemos atuar; do mesmo modo que de nada servirá atuar quando devemos estar em expectativa. E contudo tal é sempre o nosso método. Intentamos avançar quando devemos estar quietos, e ficamos quietos quando devemos avançar. No caso de Israel, podia perguntar-se: "Para onde devemos ir?" Segundo as aparências, havia uma barreira intransponível no caminho a qualquer movimento. Como poderiam eles atravessar o mar? Esta era a dificuldade que a natureza jamais poderia resolver. Contudo, podemos estar certos que Deus nunca dá um mandamento sem, ao mesmo tempo, comunicar o poder para lhe obedecermos. O verdadeiro estado do coração pode ser posto à prova pelo mandamento; porém a alma que, pela graça, estiver disposta a obedecer receberá poder do alto para o fazer. Quando Cristo mandou ao homem com a mão mirrada que a estendesse, ele poderia naturalmente ter dito: "Como posso eu estender um braço que está morto para mim?" Contudo, ele não levantou nenhuma objeção, porque com o mandamento, e da mesma origem, veio o poder para obediência.

C. H. Mackintosh

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O Senhor é Quem Peleja

(Comentário Êxodo 14)

"O Senhor pelejará por vós, e vos calareis".

Que bendita segurança! Quão própria para tranquilizar o espírito em face das dificuldades mais aterradoras e dos maiores perigos! O Senhor não só se coloca entre nós e os nossos pecados, como também entre nós e as nossas circunstâncias. No primeiro caso dá-nos paz de consciência; enquanto que no segundo dá paz aos nossos corações. Estas duas coisas são perfeitamente distintas, como muito bem sabe todo o cristão experimentado. Muitos têm paz de consciência, sem terem paz de coração. Acharam, pela graça e mediante a fé, Cristo, na eficácia divina do Seu sangue, entre eles e todos os seus pecados; mas não podem, do mesmo modo simples, vê-Lo na Sua sabedoria, amor e poder, entre eles e as suas circunstâncias. Disto resulta uma diferença essencial na condição prática das suas almas, bem como no caráter do seu testemunho. Nada pode contribuir tanto para glorificar o nome de Deus como aquele repouso tranquilo de espírito que dimana do fato de O termos entre nós e tudo que pode ser causa de ansiedade para os nossos corações. "Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti" (Isaías 26:3).

Mas, pode perguntar-se, não devemos fazer nada? A resposta pode ser dada com outra pergunta, a saber: que podemos nós fazer? Todos os que realmente se conhecem têm de responder: Nada. Se, portanto, nada podemos fazer, não será melhor que permaneçamos "quietos?" Se o Senhor está atuando por nós não será melhor ficarmos detrás d'Ele? Correremos adiante d'Ele? Devemos importunar com a nossa atividade a Sua esfera de ação e intrometermo-nos no Seu caminhou? É inútil que dois trabalhem quando um só é competente para fazer tudo. Ninguém pensaria em trazer uma vela acesa par acrescentar brilho ao sol do meio-dia: e todavia o homem que tal fizesse podia ser tido na conta de sábio em comparação com aquele que pretende ajudar Deus com a sua atividade precipitada.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Permanecer Quietos e Ver a Salvação do Senhor

(Comentário Êxodo 14)

Isto é verdadeiro a nosso respeito em cada fase da nossa história. E verdadeiro quando, como pecadores, sob o sentimento desconcertante que o pecado produz na consciência, somos tentados a recorrer aos nossos próprios feitos, com o fim de conseguirmos alívio. E então que, verdadeiramente, devemos estar "quietos" de forma a podermos ver "a salvação de Deus". Pois que poderíamos nós fazer no caso da expiação pelo pecado? Poderíamos nós ter estado com o Filho de Deus na cruz?- Poderíamos nós ter descido com Ele ao lago horrível e charco de lodo? (Sl 40:2). Teríamos nós podido abrir caminho até essa rocha eterna sobre a qual, na ressurreição, Ele firmou os Seus pés? Todo o espírito reto reconhecerá imediatamente que um tal pensamento seria uma atrevida blasfêmia. Deus está sozinho na redenção; e quanto a nós, só temos que "estar quietos e ver a salvação de Deus". O próprio fato de ser a salvação de Deus prova que o homem nada tem a fazer nela.

O preceito é verdadeiro a nosso respeito, uma vez que temos entrado na carreira cristã. Em cada nova dificuldade, quer seja pequena ou grande, a nossa sabedoria consiste que estamos quietos —renunciar às nossas próprias obras e achar o nosso doce repouso na salvação de Deus. Tampouco podemos estabelecer categorias entre as dificuldades. Não podemos dizer que há dificuldades tão insignificantes que podem ser evitadas por nós; ao passo que noutras nada senão a mão de Deus nos pode valer. Não, todas estão de igual modo fora do nosso alcance.

Somos tão incapazes de mudar a cor de um cabelo como de remover uma montanha, de formar uma folha de erva como de criar um mundo. Todas estas coisas são igualmente impossíveis para nós, e todas são igualmente possíveis para Deus. Portanto, devemo-nos abandonar, com fé sincera, Àquele "que se curva para ver o que está nos céus" (Sl 113:6). Às vezes sentimo-nos transportados de uma maneira triunfante através das maiores provações, enquanto que noutras ocasiões desanimamos, trememos, e sucumbimos sob as circunstâncias normais da vida. E por quê? Porque no primeiro caso somos constrangidos a alijar o nosso fardo sobre o Senhor; enquanto que no último caso intentamos, loucamente, levá-lo nós próprios. O cristão é, em si próprio, se ele apenas o compreender, como um receptor esgotado, no qual uma moeda e uma pena têm o mesmo ímpeto.

C. H. Mackintosh

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A Salvação do Senhor

(Comentário Êxodo 14)

"Moisés, porém, disse ao povo: Não temais; estai quietos, e vede o livramento do Senhor, que hoje vos fará: porque aos egípcios, que hoje vistes, nunca mais vereis para sempre. O Senhor pelejará por vós e vós calareis" (versículos 13 -14). Eis aqui a atitude que a fé toma em face da provação: "estai quietos". Para a carne e o sangue isto é impossível. Todos os que conhecem, em alguma medida, a impaciência do coração humano, ante a perspectiva de provações e aflições, poderão fazer uma ideia do que significa estar quieto. A nossa natureza quer fazer alguma coisa. E por isso correrá de um lado para o outro: quer ter parte na obra; e embora possa pretender justificar os seus atos desprezíveis, fazendo-os acompanhar do título pomposo e vulgar de emprego legítimo de meios, na realidade eles são apenas os frutos claros e positivos da incredulidade que sempre põe Deus de parte, e nada vê senão as nuvens escuras da sua própria criação. A incredulidade cria e aumenta as dificuldades, e, então, leva-nos a procurarmos vencê-las por meio das nossas atividades inúteis e precipitadas, as quais, na realidade, apenas lançam poeira em redor de nós, e assim nos impede de vermos a salvação de Deus. Pelo contrário, a fé eleva a alma acima das dificuldades até Deus, e habilita-nos a estarmos "quietos". Nada ganhamos com os nossos esforços impacientes e inquietos. "Não podemos fazer um cabelo branco ou preto, tampouco podemos juntar um côvado à nossa estatura" (Mateus 5:36, 6:27). Que poderia Israel fazer junto do Mar Vermelho? Podia secá-lo? Podia aplanar as montanhas? Podia aniquilar as hostes do Egito? Impossível. Encontravam-se encerrados dentro de um muro impenetrável de dificuldades, à vista do qual a natureza não podia fazer mais que tremer e sentir a sua completa impotência. Porém, para Deus era precisamente o momento de atuar. Quando a incredulidade é afastada da cena, Deus pode intervir; e, para podermos ver os Seus atos, nós temos de estar "quietos". Cada movimento da natureza é, com efeito, um impedimento para a nossa percepção e gozo da intervenção divina a nosso favor.

C. H. Mackintosh

domingo, 9 de dezembro de 2018

A Incredulidade dos Israelitas e a Nossa

(Comentário Êxodo 14)

Talvez nos sintamos admirados com a linguagem de Israel na ocasião que estamos a considerar. Podemos ter dificuldade em a compreender; porém quanto mais conhecemos os nossos corações incrédulos, tanto mais compreendemos como somos maravilhosamente semelhantes a eles. Parece que haviam esquecido a recente manifestação do poder de Deus em seu favor. Haviam presenciado o julgamento dos deuses do Egito e visto o poder desse país abatido com o golpe da mão onipotente do Senhor. Haviam visto a mesma mão despedaçar as cadeias da escravidão do Egito e apagar os fornos de tijolo. Haviam visto todas estas coisas, e logo que aparece uma nuvem escura no horizonte a sua confiança é perdida e os seus corações fraquejam: e então pronunciam a sua incredulidade nestas palavras: "Não havia sepulcros no Egito, para nos tirares de lá... melhor nos fora servir aos egípcios do que morrermos neste deserto" (versículos 11 -12). É assim que a cega incredulidade erra sempre e esquadrinha em vão os caminhos de Deus. A incredulidade é a mesma em todos os tempos; é a mesma que levou David a dizer, em um dia mau: "Ora, ainda algum dia perecerei pela mão de Saul; não há coisa melhor para mim do que escapar apressadamente para a terra dos filisteus" (1 Samuel 27:1). E qual foi o resultado? Saul caiu na montanha de Gilboa; e o trono de David foi estabelecido para sempre. A incredulidade levou Elias, o tisbita, num momento de profundo abatimento, a fugir para salvar a sua vida das ameaças coléricas de Jezabel. E qual foi o resultado? Jezabel morreu estatelada no solo, e Elias foi levado para o céu num carro de fogo.

O mesmo aconteceu com Israel no seu primeiro momento de provação. Pensaram verdadeiramente que o Senhor havia tanto trabalho para os libertar do Egito apenas para os deixar morrer no deserto.

Imaginavam que, se haviam sido preservados pelo sangue do cordeiro da páscoa, era apenas para que pudessem ser sepultados no deserto. Assim raciocina sempre a incredulidade; induz-nos a interpretar Deus em presença da dificuldade, em vez de interpretar a dificuldade na presença de Deus. A fé coloca-se através da dificuldade e encontra Deus ali, em toda a Sua fidelidade, amor e poder. O crente tem o privilégio de estar sempre na presença de Deus: foi introduzido ali pelo sangue do Senhor Jesus Cristo, e nada que possa tirá-lo dali deve ser permitido.

Nunca poderá perder aquele próprio lugar, porquanto o seu chefe (cabeça) e representante, Cristo, o ocupa em seu nome. Porém, embora não possa perder esse lugar, pode perder, com muita facilidade, o gozo do lugar, a experiência e o poder de o possuir. Sempre que as dificuldades se interpõem entre o seu coração e o Senhor, não está, evidentemente, gozando a presença do Senhor, mas sofrendo em presença das suas dificuldades. O mesmo sucede quando uma nuvem se interpõe entre nós e o sol, privando-nos, por um pouco de tempo, da alegria dos seus raios de luz. A nuvem não impede que o sol brilhe, apenas impede gozarmos dele. Acontece precisamente assim sempre que permitimos que as provações e dores, as dificuldades e perplexidades, ocultem das nossas almas os raios resplandecentes do semblante do nosso Pai celestial, os quais brilham com fulgor invariável na face de Jesus Cristo.

Não existe dificuldade grande demais para o nosso Deus; pelo contrário, quanto maior é a dificuldade, tanto mais lugar há para Ele agir no Seu caráter de Deus de toda a graça e poder. Sem dúvida, a posição de Israel tal como se acha descrita nos primeiros versículos deste capítulo, era de grande provação—esmagadora para a carne e o sangue. Porém, a verdade é que o Criador dos céus e da terra estava ali, e eles apenas tinham que recorrer a Ele.

Contudo, prezado leitor, quão depressa falhamos quando chega a provação! Estes sentimentos soam agradavelmente aos ouvidos, e têm uma aparência agradável sobre o papel; e, graças a Deus, são divinamente verdadeiros; porém, a questão mais importante é praticá-los quando chega a oportunidade. É quando são postos em prática que se pode experimentar o seu poder e a sua bem-aventurança. "Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus" (Jo7:17).

C. H. Mackintosh

sábado, 8 de dezembro de 2018

O Propósito de Deus

(Comentário Êxodo 14)

Não existe sequer uma posição em toda a peregrinação dos remidos de Deus cujos limites não hajam sido cuidadosamente traçados pela mão da sabedoria infalível e o amor infinito. O alcance e a influência peculiar de cada posição são calculados com cuidado. Os Pi-Hairotes e os Migdoles estão dispostos de maneira a estarem em relação com a condição moral daqueles que Deus está conduzindo através dos caminhos sinuosos e dos labirintos do deserto, e também para que manifestem o Seu próprio caráter. A incredulidade sugere com frequência esta pergunta: "Porque é isto assim?" Deus sabe; e, sem dúvida, revelará a razão, sempre que essa revelação promova a Sua glória e o bem do Seu povo. Quantas vezes somos tentados a perguntar porque e com que fim nos achamos nesta ou naquela circunstância! Quantas vezes ficamos perplexos quanto à razão de nos vermos expostos a esta ou àquela prova! Quão melhor seria curvarmos as nossas cabeças em humilde submissão, dizendo, "está bem", e "tudo acabará bem"! Quanto à Deus Quem determina a nossa posição, podemos estar certos que é uma posição sensata e salutar; e até mesmo quando nós, louca e obstinadamente, escolhemos uma posição, o Senhor, em Sua misericórdia, domina a nossa loucura e faz com que as influências das circunstâncias da nossa própria escolha operem para nosso bem espiritual.

É quando os filhos de Deus se encontram nos maiores apertos e dificuldades que têm o privilégio de ver as mais preciosas manifestações do caráter e da atividade de Deus; e é por esta razão que Ele os coloca frequentemente numa situação de prova, a fim de poder mostrar-Se de um modo mais notável. O Senhor podia ter conduzido Israel através do Mar Vermelho para muito além do alcance das hostes de Faraó, muito antes que este houvesse saído do Egito, porém isto não teria glorificado inteiramente o Seu nome, nem teria confundido de uma maneira tão completa o inimigo, sobre o qual queria ser "glorificado" (versículo 17). Também nós perdemos muitas vezes de vista esta preciosa verdade, e o resultado é que os nossos corações fraquejam na hora da provação. Se tão somente pudéssemos encarar as crises graves como uma oportunidade de Deus pode mostrar, em nosso favor, a suficiência da graça divina, as nossas almas conservariam o seu equilíbrio, e Deus seria glorificado, até mesmo no profundo das águas.

C. H. Mackintosh

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Uma Situação sem Saída

(Comentário Êxodo 14)

"Os que descem ao mar em navios, mercando nas grandes águas, esses vêem as obras do Senhor e as suas maravilhas no profundo" (Sl 107:23-24).

Quão verdadeiras são estas palavras! E contudo como os nossos corações covardes têm horror a essas "grandes águas"! Preferimos os fundos rasos, e, por consequência, deixamos de ver "as obras" e "as maravilhas" do nosso Deus; pois estas só podem ser vistas e conhecidas "no profundo".

É nos dias de provação e dificuldades que a alma experimenta alguma coisa da bem-aventurança profunda e incontável de poder confiar em Deus. Se tudo fosse sempre fácil nunca se poderia fazer esta experiência. Não é quando o barco desliza suavemente à superfície do lago tranquilo que a realidade da presença do Mestre é sentida; mas sim, quando ruge o temporal e as ondas varrem a embarcação. O Senhor não nos oferece a perspectiva de isenção de provações e tribulações; pelo contrário, diz-nos que teremos tanto umas como as outras; porém, promete estar conosco sempre; e isto é muito melhor que vermo-nos livres de todo o perigo. A compaixão do Seu coração conosco é muito mais agradável do que o poder da Sua mão por nós. A presença do Senhor com os Seus servos fiéis, enquanto passavam pelo forno de fogo ardente, foi muito melhor do que a manifestação do Seu poder para os preservar dele (Daniel 3). Desejamos com frequência ser autorizados a avançar na nossa carreira sem provações, mas isto acarretaria grave prejuízo. A presença do Senhor nunca é tão agradável como nos momentos de maior dificuldade.

Assim aconteceu no caso de Israel, como vemos neste capítulo. Encontram-se numa dificuldade esmagadora — foram chamados a mercadejar "nas grandes águas"; vêem esvair-se-lhes "toda a sua sabedoria" (Salmos 107:27). Faraó, arrependido de os haver deixado sair do seu país, decide fazer um esforço desesperado para os trazer de novo. "E aprontou o seu carro e tomou consigo o seu povo; e tomou seiscentos carros escolhidos, e todos os carros do Egito, e os capitães sobre eles todos... E, chegando Faraó, os filhos de Israel levantaram seus olhos, e eis que os egípcios vinham atrás deles, e temeram muito; então, os filhos de Israel chamaram ao Senhor" (versículos 6-10). Aqui estava uma cena no meio da qual o esforço humano era inútil. Tentar livrarem-se por qualquer coisa que pudessem fazer, era a mesma coisa que se tentassem fazer retroceder as ondas alterosas do oceano com uma palha. O mar estava diante deles, o exército de Faraó por detrás, e de ambos os lados estavam as montanhas; e tudo isto, note-se, havia sido permitido e ordenado por Deus. O Senhor havia escolhido o terreno para acamparem "diante de Pi-Hairote, entre Migdol e o mar, diante de Baal-Zefom". Depois, permitiu que faraó os alcançasse. E por quê? Precisamente para Se manifestar na salvação do Seu povo e na completa destruição dos seus inimigos. "Aquele que dividiu o Mar Vermelho em duas partes; porque a sua benignidade é para sempre. E fez passar Israel pelo meio dele; porque a sua benignidade é para sempre. Mas derribou a Faraó com o seu exército no Mar Vermelho, porque a sua benignidade é para sempre" (Sl 136:13-15).

C. H. Mackintosh

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

O Senhor ia Adiante Deles

(Comentário Êxodo 13)

"Assim, partiram de Sucote, e acamparam em Etã, à entrada do deserto. E o Senhor ia adiante deles, de dia numa coluna de nuvem, para os guiar pelo caminho, e de noite numa coluna de fogo, para os alumiar, para que caminhassem de dia e de noite. Nunca tirou de diante da face do povo a coluna de nuvem, de dia, nem a coluna de fogo, de noite" (versículos 20 a 22). O Senhor não só escolheu o caminho para o Seu povo, como desceu para os acompanhar e tornar-Se conhecido deles segundo as suas necessidades. Não somente os conduziu a salvo fora do Egito, como desceu, com efeito, no Seu carro de viagens, para ser seu companheiro através das vicissitudes da sua jornada através do deserto. Isto era graça divina. Os israelitas não foram apenas libertados da fornalha do Egito e então deixados para que fizessem o melhor que pudessem a sua jornada para Canaã; esse não era o método de Deus para com eles. Ele sabia que eles tinham diante de si uma jornada perigosa e árdua, com serpentes e escorpiões, ciladas e dificuldades, no deserto árido e estéril; e, bendito seja o Seu nome para sempre, não quis que eles fossem sozinhos. Quis ser seu companheiro e participar de todos os seus perigos e dores; sim, "Ele foi adiante deles"; foi "guia, defesa, e glória, para os libertar de todo o temor". Mas, ah! como eles afligiram Aquele bendito Senhor com a sua dureza de coração! Tivessem ele caminhado humildemente, confiantes e alegres, com Ele, e a sua marcha teria sido vitoriosa desde o princípio ao fim. Com o Senhor adiante deles, nenhum poder podia ter interrompido a sua marcha triunfante desde o Egito a Canaã. O Senhor tê-los-ia levado e colocado de posse da Sua herança, segundo as Suas promessas, e pelo poder da Sua destra; nem um só cananeu teria sido deixado para ser um espinho para Israel. E assim acontecerá quando o Senhor estender a Sua mão, pela segunda vez, para libertar o Seu povo [Israel] do poder de todos os seus opressores. Que o Senhor apresse esse tempo!

C. H. Mackintosh

domingo, 2 de dezembro de 2018

O Caminho do Deserto Próximo ao Mar Vermelho

(Comentário Êxodo 13)

Os últimos versículos deste capítulo dão-nos um exemplo formoso e tocante do cuidado terno do Senhor pelas necessidades do Seu povo. "Pois Ele conhece a nossa estrutura, lembra-se de que somos pó" (Salmos 103:14).

Quando redimiu Israel e os pôs em relação com Ele, o Senhor, na Sua graça insondável e infinita, tomou a Seu cargo todas as suas necessidades e fraquezas. Pouco importava o que eles eram ou o que necessitavam, visto que Aquele que se chama "EU SOU" estava com eles em toda a riqueza inexaurível desse nome: estava com eles para os conduzir do Egito à terra de Canaã, e aqui vêmo-Lo escolher o melhor caminho para eles. "E aconteceu que, quando Faraó deixou ir o povo, Deus não os levou pelo caminho da terra dos filisteus, que estava mais perto; porque Deus disse: Para que, porventura, o povo não se arrependa, vendo a guerra, e tornem ao Egito. Mas Deus fez rodear o povo pelo caminho do deserto perto do Mar Vermelho" (versículos 17-18).

O Senhor, em Sua graça e condescendência, ordenou as coisas de tal maneira para o Seu povo que eles não encontraram, ao princípio, provas demasiadamente difíceis que podiam ter o efeito de desanimar os corações e fazê-los retroceder. "O caminho do deserto" era uma rota muito mais demorada; mas Deus tinha várias lições importantes para ensinar ao Seu povo, as quais só podiam ser aprendidas no deserto. Mais tarde, este fato é recordado nas seguintes palavras: "E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te tentar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os seus mandamentos ou não. E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram; para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas que tudo o que sai da boca do Senhor viverá o homem. Nunca se envelheceu a tua veste sobre ti, nem se inchou o teu pé nestes quarenta anos" (Deuteronômio 8:2-4). Tão preciosas lições nunca poderiam ser aprendidas no "caminho da terra dos filisteus". Nesse caminho, eles podiam ter aprendido o que era a guerra, logo no princípio da sua carreira; porém no "caminho do deserto" aprenderam o que era a carne, com toda a sua perversidade, sua incredulidade e rebelião. Mas Aquele que se chama EU SOU estava com eles em toda a Sua paciência, sabedoria perfeita, e poder infinito. Ninguém senão Ele podia ter suprido as necessidades da situação. Ninguém senão Ele podia suportar a vista das profundezas do coração humano. Abrir o meu coração em qualquer parte, salvo na presença da graça infinita, equivaleria lançar-me em desespero. O coração humano é apenas um inferno em miniatura. Que graça sem limites, pois, ser libertado da sua terrível profundidade!

C. H. Mackintosh

sábado, 1 de dezembro de 2018

Resgatados pelo Sangue de Cristo

(Comentário Êxodo 13)

O anjo destruidor passou pela terra do Egito para destruir todos os primogênitos; porém os primogênitos de Israel escaparam por meio da morte de um substituto enviado por Deus. Por consequência, estes aparecem perante nós, neste capítulo, como um povo vivo, consagrado a Deus. Salvos por meio do sangue do cordeiro, eles têm o privilégio de consagrar as suas vidas Aquele que as redimiu. Assim, era só como redimidos que possuíam vida. Foi somente a graça de Deus que fez com que houvesse diferença a favor deles, e dera-lhes o lugar de homens vivos na Sua presença. No seu caso, certamente, não havia lugar para jactância; porque, quanto aos seus méritos ou dignidade pessoal, aprendemos neste capítulo que foram postos ao mesmo nível das coisas impuras e inúteis. "Porém tudo que abrir a madre da jumenta resgatarás com cordeiro; e, se o não resgatares cortar-lhe-ás a cabeça; mas todo o primogênito do homem entre teus filhos resgatarás" (versículo 13). Havia duas classes de animais, a saber: os limpos e os imundos; e o homem é contado aqui com os últimos. O cordeiro tinha de responder pelos imundos; e se o jumento não fosse resgatado, a sua cabeça tinha de ser cortada; de forma que o homem não redimido era posto ao mesmo nível do animal imundo, e isto, também, numa condição que não podia ser mais insignificante e obscura. Que quadro humilhante do homem na sua condição natural! Oh! se os nossos pobres e orgulhosos corações pudessem compreender melhor esta verdade! Então regozijar-nos-íamos sinceramente com o privilégio glorioso de sermos lavados da nossa culpa no sangue do Cordeiro de Deus e de termos deixado para sempre a nossa vileza pessoal na sepultura, onde foi posto o nosso Substituto.

Cristo era o Cordeiro limpo, sem mácula. Nós éramos imundos. Mas, adorado seja para todo o sempre o Seu nome incomparável, Ele tomou o nosso lugar; e foi feito pecado na cruz e tratado como tal. Aquilo que nós devíamos sofrer por todos os séculos incontáveis da eternidade, sofreu-o Ele por nós na cruz. Ali, e então, Ele sofreu tudo que nós merecíamos, para que nós pudéssemos gozar para sempre aquilo que Lhe é devido. Ele recebeu o que nós merecíamos, para que nós pudéssemos receber os Seus méritos. Aquele que era puro tomou, por um pouco de tempo, o lugar dos imundos, a fim de que os imundos pudessem tomar para todo o sempre o lugar dos puros. Assim, embora quanto à natureza sejamos representados pela figura repugnante de um jumento com a cabeça partida, pela graça somos representados por um Cristo ressuscitado e glorificado no céu. Que contraste maravilhoso! Deita por terra a glória do homem e glorifica as riquezas do amor de redenção. Reduz ao silêncio a jactância vazia do homem e põe na sua boca um cântico de louvor a Deus e ao Cordeiro, que ressoará nas cortes do céu através dos séculos eternos (¹).

(¹) É interessante notarmos que por natureza temos o grau de um animal imundo; pela graça estamos ligados com Cristo, o Cordeiro imaculado. Não pode haver mais baixo que o lugar que nos pertence por natureza e nada mais elevado que o lugar que nos pertence por graça. Pensai, por exemplo, num jumento com a cabeça decepada - eis o que vale um homem sem Deus. Pensai no "precioso sangue de Cristo": eis o que vale um homem redimido. "Para vós, os que credes, é precioso" (1 Pedro 2:7). Quer dizer, todos quantos são lavados no sangue participam da preciosidade de Cristo. Assim como Ele é "a pedra viva", eles são "pedras vivas"; do mesmo modo que Ele é "a pedra preciosa", eles são "pedras preciosas". Os remidos recebem vida e dignidade d'Ele e n'Ele. São como Ele é. Cada pedra do edifício é preciosa, porque é comprada nada menos nada mais que com "o sangue do Cordeiro". Deus permita que o Seu povo conheça melhor o seu lugar e os seus privilégios em Cristo!

É forçoso recordar aqui as palavras do apóstolo Paulo aos Romanos: "Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado, mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências. Nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas apresentai-vos a Deus; como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça" (Rm 6:8-14). Não só estamos resgatados do poder da morte e da sepultura, mas unidos Àquele que nos resgatou pelo preço enormíssimo da Sua própria vida, para que pudéssemos, na energia do Espírito Santo, consagrar a nossa nova vida, com todas as suas faculdades, ao Seu serviço, de forma a que o Seu nome precioso seja glorificado em nós, segundo a vontade de Deus, nosso Pai.

C. H. Mackintosh

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O Verdadeiro Cristianismo

(Comentário Êxodo 13)

O verdadeiro Cristianismo não é senão a manifestação da vida de Cristo implantada em nós pela operação do Espírito Santo, segundo os desígnios eternos de Deus de graça soberana; e todas as nossas obras antes desta implantação de nova vida não são mais que "obras mortas" (Hebreus 6:1), das quais a nossa consciência deve ser purificada do mesmo modo que das "más obras" (Hebreus 9:14).

A expressão "obras mortas" inclui todas as obras que os homens fazem com o fim de obter a vida. Se alguém busca a vida, é evidente que ainda não a tem. É possível que seja muito sincero em a buscar, mas a sua própria sinceridade forma evidente o fato que, por enquanto, ainda não a alcançou. Assim, pois, todo o esforço feito com o fim de obter a vida é obra morta, tanto mais que é feito sem a vida de Cristo, a única vida verdadeira, e a única fonte de onde podem emanar as boas obras. E note-se que não é uma questão de "obras más"; ninguém pensaria em obter a vida por tais meios. Não! Pelo contrário, ver-se-á como as pessoas recorrem constantemente às "obras mortas" a fim de aliviarem a Sua consciência sob a sensação das "obras más", ao passo que a revelação divina nos ensina que a consciência necessita de ser purificada tanto de umas como das outras.

Além disso, quanto à justiça, lemos que "todas as nossas justiças são como o trapo da imundícia" (Isaías 64:6). Não é dito aqui apenas que "todas as nossas iniquidades são como trapo da imundícia". Quem ousaria dizer o contrário? Porém o fato é que os melhores frutos que podemos produzir, sob a forma de piedade e da justiça, são representados nas páginas da verdade eterna como "obras mortas" e "trapo da imundícia". Os mesmos esforços que fazemos para conseguir a vida provam que estamos mortos; e os nossos esforços para alcançarmos a justiça provam apenas que estamos vestidos com trapos de imundícia. É só como possuidores da vida eterna e da justiça divina que podemos andar no caminho das boas obras que Deus nos preparou. As obras mortas e os trapos imundos não podem ser permitidos nesse caminho. Ninguém senão "os resgatados do Senhor" (Isaías 51:11) pode passar por ele. Era na qualidade do povo remido que Israel guardava a festa dos pães asmos e santificava os primogênitos ao Senhor. Já consideramos a primeira destas ordenações; quanto a esta última é rica em instruções.

C. H. Mackintosh

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Farás saber a teu Filho

(Comentário Êxodo 13)

Depois é apresentada a razão por que estas duas cerimônias deviam ser praticadas. "E, naquele mesmo dia, farás saber a teu filho, dizendo: Isto é pelo que o Senhor me tem feito, quando eu saí do Egito... Se acontecer que teu filho no tempo futuro te pergunte, dizendo: Que é isto? Dir-lhe-ás: O Senhor nos tirou com mão forte do Egito, da casa da servidão. Porque sucedeu que, endurecendo-se Faraó, para não nos deixar ir, o Senhor matou todos os primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito do homem até ao primogênito dos animais; por isso, eu sacrifico ao Senhor os machos de tudo o que abre a madre; porém, a todo primogênito de meus filhos eu resgato".

Quanto mais compreendemos, pelo poder do Espírito Santo, a redenção que há em Cristo Jesus, tanto mais decidida será a nossa separação, e real será a nossa consagração. O esforço para alcançar uma ou outra destas coisas antes que a redenção seja conhecida é o trabalho mais inútil que pode imaginar-se. Todo o nosso trabalho deve ser feito "pelo que o SENHOR tem feito", e não para obtermos d'Ele alguma coisa. Os esforços para se conseguir a vida e a paz provam que ainda somos estranhos ao poder do sangue; ao passo que os frutos de uma redenção experimentada são para louvor d'Aquele que nos redimiu. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas" (Efésios 2:8-10). Deus preparou-nos um caminho de boas obras para que andássemos nelas; e por meio da Sua graça prepara-nos para andarmos nesse caminho. É somente como salvos que podemos andar num tal caminho. Fosse de outra maneira, poderíamo-nos gloriar; mas visto que nós próprios somos tanto obra de Deus como o caminho no qual andamos, não há lugar algum para jactância.

C. H. Mackintosh

Santifica-me todo Primogênito

(Comentário Êxodo 13)

Os primeiros versículos deste capítulo ensinam-nos claramente que o afeto pessoal e a santidade são frutos do amor divino produzidos naqueles que são os seus felizes objetos. A consagração dos primogênitos e a festa dos pães asmos são apresentados aqui na sua relação imediata com a libertação de Israel do país do Egito. "Santifica-me todo primogênito, o que abrir toda madre entre os filhos de Israel, de homens e de animais; porque meu é. E Moisés disse ao povo: Lembrai-vos deste mesmo dia, em que saístes do Egito, da casa da servidão; pois, com mão forte o Senhor vos tirou daqui; portanto, não comereis pão levedado" (versículos 2-3). E logo em seguida: "Sete dias comerás pães asmos; e ao sétimo dia haverá festa ao Senhor. Sete dias se comerão pães asmos, e o levedado não se verá contigo, nem ainda fermento será visto em todos os teus termos" (versículos 6-7).

C. H. Mackintosh

domingo, 25 de novembro de 2018

Quem Podia Comer a Páscoa?

(Comentário Êxodo 12)

Terminaremos os nossos comentários sobre esta parte do capítulo passando por alto os versículos 43 a 49. Estes versículos ensinam-nos que, embora fosse privilégio de todo o verdadeiro israelita comer a páscoa, nenhum estrangeiro incircunciso podia participar dela. "Nenhum filho de estrangeiro comerá dela... toda a congregação de Israel o fará". A circuncisão era necessária antes que a páscoa pudesse ser comida. Por outras palavras: é preciso que a sentença de morte seja lavrada sobre a natureza antes de nos podermos nutrir de Cristo inteligentemente, quer seja como o fundamento de paz ou o centro de união. A circuncisão tem o seu antítipo na cruz.

Só os varões eram circuncidados. A mulher era representada no varão. Assim, na cruz, Cristo representou a Sua Igreja, e, por isso, a Igreja está crucificada com Cristo; contudo, vive pela vida de Cristo, conhecida e manifestada na terra pelo poder do Espírito Santo. "Porém, se algum estrangeiro se hospedar contigo e quiser celebrar a Páscoa ao Senhor, seja-lhe circuncidado todo o macho, e então, chegará a celebrá-la, e será como o natural da terra; mas nenhum incircunciso comerá dela" (versículo 48). "Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Romanos 8:8).

A ordenação da circuncisão formava a grande linha de demarcação entre o Israel de Deus e todas as nações que havia à face da terra; e a cruz do Senhor Jesus Cristo forma a linha da demarcação entre a Igreja e o mundo. Fosse qual fosse a posição que um homem ocupava ou as vantagens que tivesse não podia ter parte em Israel até que se submetesse à operação do corte da sua carne. Um mendigo circuncidado estava mais perto de Deus que um rei incircunciso. Assim também agora não pode haver participação nos gozos dos remidos de Deus, senão pela cruz de nosso Senhor Jesus Cristo; e essa cruz abate todas as pretensões, derriba todas as distinções e une todos os remidos numa congregação santa de adoradores lavados pelo sangue. A cruz forma uma barreira tão elevada e uma defesa de tal modo impenetrável que nem um sequer átomo da terra ou da velha natureza pode atravessá-la para se misturar com "a nova criação". "E tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo" (2 Coríntios 5:18).

Porém, na instituição da páscoa não só foi sustentado o princípio de separação entre Israel e os estranhos, como a unidade de Israel foi também claramente posta em vigor. "Numa casa se comerá; não levarás daquela carne fora da casa, nem dela quebrareis osso" (versículo 46). Existe nesta passagem uma figura tão formosa quanto o podia ser de "um corpo e um Espírito" (Efésios 4:4). A Igreja de Deus é uma só. Deus contempla-a como tal, sustém-na como tal, e manifestá-la-á como tal à vista de anjos, homens e demônios, apesar de tudo quanto se tem feito para pôr obstáculos a essa unidade santa. Bendito seja Deus, a unidade da Sua Igreja está tão bem guardada como o é a sua justificação, aceitação e segurança eterna. "Ele guarda todos os seus ossos; nem sequer um deles se quebra" (Salmos 34:20). "Nenhum dos seus ossos será quebrado" (João 19:36). Apesar da rudeza e zelo da soldadesca romana, e não obstante todas a influências hostis que têm estado em operação, através dos séculos, o corpo de Cristo é um só e a sua unidade nunca poderá ser quebrada. "HÁ UM SÓ CORPO E UM SÓ ESPÍRITO" (Efésios 4:4); e isto, além disso, aqui, no mundo. Feliz daqueles que têm recebido fé para reconhecer esta preciosa verdade e fidelidade para a porem em prática, nestes últimos dias, não obstante as dificuldades quase insuperáveis que acompanham a sua profissão e prática! Creio que Deus reconhecerá e honrará os tais.

Que o Senhor nos guarde do espírito da incredulidade que nos induziria a julgar por vista, em vez de julgarmos à luz da Sua Palavra imutável!

C. H. Mackintosh

sábado, 24 de novembro de 2018

O Vestido de Israel

(Comentário Êxodo 12)

Contudo, não esgotamos ainda o ensino desta tão instrutiva ordenação. Consideramos a posição de Israel e a comida de Israel, vamos agora falar do estado de Israel.

"Assim, pois, o comereis: Os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o vosso cajado na mão; e o comereis apressadamente; esta é a Páscoa do Senhor" (versículo 11). Deviam comer a páscoa como um povo que estava preparado para deixar atrás de si o país da morte e das trevas, da ira e do juízo, e marchar em demanda da terra da promessa — a herança que lhes estava reservada. O sangue que os havia preservado da sorte dos primogênitos do Egito era também o fundamento da sua libertação da escravidão do Egito; e agora só lhes restava porem-se em marcha e andar com Deus para a terra que manava leite e mel. É verdade que não haviam ainda atravessado o Mar vermelho; tampouco haviam andado o "caminho de três dias". Contudo, eram já, em princípio, um povo redimido, um povo separado, um povo de peregrinos, um povo esperançoso, um povo que dependia de Deus; e era preciso que os seus trajos estivessem de harmonia com a sua presente condição e o destino futuro. Os lombos cingidos indicavam uma separação rigorosa de tudo aquilo que os rodeava e mostravam que eles eram um povo preparado para servir. Os pés calçados mostravam que estavam prontos a abandonar o seu estado presente; enquanto que o cajado era o emblema significativo de um povo de peregrinos numa atitude de apoio em qualquer coisa que estava fora de si mesmos. Que característicos preciosos! Prouvera a Deus que fossem vistos em cada membro da família dos Seus remidos.

Prezado leitor, meditemos "estas coisas" (l Tm 4:15). Pela graça de Deus, experimentamos a eficácia purificadora do sangue de Jesus; neste estado é nosso privilégio alimentarmo-nos da sua adorável Pessoa e deleitarmo-nos nas Suas "riquezas incompreensíveis" (Efésios 3:8), tendo parte nos Seus sofrimentos e sendo feitos "conforme à sua morte" (Fp 3:10). Mostremo-nos, pois, com pães asmos e ervas amargosas, os lombos cingidos, os sapatos nos pés, e o cajado na mão. Numa palavra: que sejamos notados como um povo santo, um povo crucificado, vigilante e diligente—um povo que marcha, claramente, ao encontro de Deus no caminho para a glória—, "destinado para o reino". Que Deus nos conceda penetrar na profundidade e no poder de todas estas coisas; de forma que não sejam apenas teorias, ou princípios de conhecimento bíblico e simples interpretação; mas, sim, realidades vivas, divinas, conhecidas por experiência e manifestadas na vida, para glória de Deus.

C. H. Mackintosh

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

A Comunhão e a Paz

(Comentário Êxodo 12)

"E nada dele deixareis até pela manhã; mas o que dele ficar até pela manhã, queimareis no fogo" (versículo 10). Este mandamento ensina-nos que a comunhão da congregação de Israel não devia ser, de modo nenhum, separada do sacrifício sobre o qual se baseava essa comunhão. O coração deve guardar sempre a lembrança viva de que toda a verdadeira comunhão está inseparavelmente ligada com a redenção efetuada. Crer que se pode ter comunhão com Deus sobre qualquer outro fundamento é imaginar que Deus pode ter comunhão com o pecado que há em nós; e pensar em comunhão com o homem, com base em qualquer outro fundamento, é apenas formar uma união impura, da qual nada pode resultar senão confusão e iniquidade. Em suma: é necessário que tudo esteja fundamentado sobre o sangue e inseparavelmente ligado com ele. Este é o significado simples da ordenação que mandava comer o cordeiro da páscoa na mesma noite em que o sangue havia sido derramado. A comunhão não pode ser separada do seu fundamento.

Portanto, que belo quadro nos oferece a congregação de Israel protegida pelo sangue e comendo em paz o cordeiro assado com pães asmos e ervas amargosas! Nenhum temor de juízo, nenhum temor da ira do Senhor, nenhum temor da tempestade terrível da justa vingança, que, à meia-noite, ia varrer, veementemente, toda a terra do Egito! Tudo estava em paz profunda atrás das portas manchadas de sangue. Nada tinham a temer de fora; e nada dentro podia perturbá-los, salvo o fermento, que teria dado um golpe mortal em toda a sua paz e bem-aventurança. Que exemplo para a Igreja! Que exemplo para o cristão! Que Deus nos ajude a contemplarmo-lo com um olhar iluminado e um espírito dócil!

C. H. Mackintosh

domingo, 18 de novembro de 2018

As Ervas Amargas

(Comentário Êxodo 12)

Vemos nas "ervas amargosas", que deviam acompanhar os pães asmos, a significação e mesma utilidade moral. Não podemos desfrutar da participação dos sofrimentos de Cristo sem recordarmos o que tornou necessários esses sofrimentos, e esta recordação deve, necessariamente, produzir um espírito de mortificação e submissão, ilustrado, de um modo apropriado, nas ervas amargosas da festa da páscoa. Se o cordeiro assado representa Cristo sofrendo a ira de Deus em Sua Própria Pessoa na cruz, as ervas amargosas mostram que o crente reconhece a verdade que Ele sofreu por nós. "O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" (Isaías 53:5).

Por causa da leviandade dos nossos corações é bom compreendermos a profunda significação das ervas amargosas. Quem poderá ler os Salmos 6, 22, 38, 69, 88, e 109, sem compreender, em alguma medida, o significado dos pães asmos com ervas amargosas? Uma vida praticamente santa, unida a uma profunda submissão de alma, deve ser o fruto da comunhão verdadeira com os sofrimentos de Cristo, porque é de todo impossível que o mal moral e a leviandade de espírito possam subsistir na presença desses sofrimentos.

Mas, pode perguntar-se se não sente a alma um gozo profundo no conhecimento que Cristo levou os nossos pecados, e que esgotou, inteiramente, por nós, o cálice da ira justa de Deus? Por certo que é assim. E este é o fundamento inabalável de todo o nosso gozo. Mas, poderemos nos esquecer que foi "por nossos pecados" que Ele sofreu? Poderemos perder de vista a verdade, poderosa para subjugar a alma, que o bendito Cordeiro de Deus inclinou a Sua cabeça sob o peso das nossas transgressões? Certamente que não. Devemos comer o nosso cordeiro com ervas amargosas; as quais, não se esqueça, não representam as lágrimas de um sentimentalismo desprezível e superficial, mas sim as experiências profundas e verdadeiras de uma alma que compreende com inteligência espiritual o significado e efeito prático da cruz.

Contemplando a cruz, descobrimos nela aquilo que elimina a nossa culpa e dá doce paz e gozo. Porém, vemos que ela põe de lado, inteiramente, também, a natureza humana—representa a crucificação da "carne" e a morte do "homem velho" (veja-se Romanos, 6:6; Gálatas 2:20; 6:14; Colossenses 2:11). Estas verdades, nos seus resultados práticos, implicam muitas coisas "amargosas" para a nossa natureza: exigem a renúncia própria, a mortificação dos nossos membros que estão sobre a terra (Colossenses 3:5), e a consideração do "homem velho" como morto para o pecado (Romanos 6). Todas estas coisas podem parecer terríveis de encarar; porém, uma vez que se há entrado na casa cujas portas estão manchadas com o sangue vêem-se de uma maneira muito diferente. As mesmas ervas que, para o gosto de um egípcio, eram, sem dúvida, tão amargosas, formavam uma parte integral da festa de redenção de Israel. Aqueles que são remidos pelo sangue do Cordeiro, e conhecem o gozo da comunhão com Ele, consideram como uma "festa" tirar o mal e ter a velha natureza no lugar da morte.

C. H. Mackintosh

sábado, 17 de novembro de 2018

Os Pães Asmos

(Comentário Êxodo 12)

Mas como devia ser comido este cordeiro? "...com pães asmos; com ervas amargosas a comerão". O fermento é empregado, invariavelmente, através das Escrituras, como símbolo do mal. Nunca é usado nem no Velho nem no Novo Testamento como simbolizando alguma coisa pura, santa ou boa. Assim, neste capítulo, a celebração da festa com "pães asmos" é figura da separação prática do mal como resultado próprio de havermos sido lavados dos nossos pecados no sangue do Cordeiro e a própria consequência da comunhão com os Seus sofrimentos. Nada senão pão perfeitamente livre de fermento podia ser compatível com o cordeiro assado. Uma simples partícula daquilo que era figura destacada do mal teria destruído o caráter moral de toda a ordenação. Como poderíamos associar qualquer espécie de mal com a nossa comunhão com Cristo nos Seus sofrimentos? Seria impossível. Todos aqueles que, pelo poder do Espírito Santo, têm compreendido a significação da cruz, não terão dificuldade, pelo mesmo poder, de afastar entre eles o fermento. "Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Peio que façamos festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade" (1 Coríntios 5:7-8). A festa de que se fala nesta passagem é a mesma que, na vida e conduta da Igreja, corresponde à festa dos pães asmos. Esta durava "sete dias"; e a Igreja, coletivamente, e o crente individualmente, são chamados para andar em santidade prática, durante os sete dias, ou seja todo o tempo da sua carreira aqui na terra; e isto, note-se, como resultado imediato de haverem sido lavados no sangue, e tendo comunhão com os sofrimentos de Cristo.

O israelita não deitava fora o fermento a fim de ser salvo, mas, sim, porque estava salvo; e se deixasse de o deitar fora, não comprometia com isso a sua segurança por meio do sangue, mas simplesmente a comunhão com a assembleia. "Por sete dias não se ache nenhum fermento nas vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, aquela alma será cortada da congregação de Israel, assim o estrangeiro como o natural da terra" (versículo 19). O corte de uma alma da congregação corresponde precisamente à suspensão de um cristão da comunhão, quando acede àquilo que é contrário à santidade da presença de Deus. Deus não pode tolerar o mal. Um simples pensamento impuro interrompe a comunhão da alma; e enquanto a mancha produzida por este pensamento não for tirada pela confissão, baseada na intercessão de Cristo, não é possível restabelecer a comunhão (vide 1 João 1:5 -10). O cristão sincero regozija-se nisto; e dá louvores em memória da santidade de Deus (Sl 97:12). Ainda que pudesse, não diminuiria, nem por um momento, o estalão: é seu gozo inexcedível andar na companhia d Aquele que não andará nem por um momento com uma simples partícula de "fermento".

Graças a Deus, nós sabemos que nada poderá jamais partir em dois o laço que une o verdadeiro crente com Ele. Somos salvos pelo Senhor, não com uma salvação temporária ou condicional, mas "com uma eterna salvação" (Isaías 45:17). Porém, salvação e comunhão não são a mesma coisa. Muitas pessoas estão salvas, e não o sabem; e muitas, também, estão salvas sem terem o gozo da salvação. É impossível que eu sinta o gozo de estar sob a verga da porta manchada de sangue, se houver fermento em minha casa. É um axioma na vida divina. Oxalá fosse escrito em nossos corações! A santidade prática, embora não seja a base da nossa salvação, está intimamente ligada com o gozo da salvação. O israelita não era salvo pelos pães asmos, mas, sim, pelo sangue; e todavia o fermento tê-lo-ia cortado da comunhão. E assim quanto ao cristão, ele não é salvo por sua santidade prática, mas pelo sangue; porém se se entrega ao mal, em pensamento, por palavras, ou ações, não terão verdadeiro gozo da salvação, nem verdadeira comunhão com a pessoa do Cordeiro.

É nisto, sem dúvida, que está o segredo de uma boa parte da esterilidade espiritual e falta de paz constante que se observa entre os filhos de Deus. Não praticam a santidade: não guardam a festa dos "pães asmos" (Êxodo 23:15). O sangue acha-se sobre as ombreiras da porta, porém o fermento dentro de suas casas impede-os de gozarem a segurança que o sangue concede. A permissão do mal destrói a nossa comunhão, embora não quebre o laço que nos une eternamente a Deus. Aqueles que pertencem à Igreja de Deus devem ser santos. Não somente foram libertados da culpa e das consequências do pecado, como também da sua prática, do seu poder e do amor do pecado. O próprio fato de haverem sido libertados pelo sangue do cordeiro da páscoa impunha aos israelitas a obrigação de deitarem fora de suas casas o fermento. Não podiam dizer, segundo a linguagem terrível do antinomianismo, "agora que estamos livres, podemos conduzir-nos como nos aprouver". De modo nenhum! Se haviam sido salvos pela graça, era para andarem em santidade. A alma que se aproveita da liberdade da graça divina e da redenção que há em Cristo Jesus para "continuar no pecado" prova claramente que não compreende nem a graça nem a redenção.

A graça não somente salva a alma com uma eterna salvação, como lhe dá uma natureza que se deleita em tudo que pertence a Deus, porque é divina. Nós somos feitos participantes da natureza divina, a qual não pode pecar, porque é nascida de Deus. Andar na energia desta graça é, na realidade, "guardar" a festa dos pães asmos. Não existe "fermento velho" nem "fermento da malícia" (1 Coríntios 5:8) na nova natureza, porque é nascida de Deus e Deus é santo e "Deus é amor". Por isso é evidente que não é com o fim de melhorar a nossa velha natureza, que é irreparável, nem tampouco de obtermos a nova natureza, que tiramos de nós o mal, mas, sim, porque temos o mal em nós. Nós temos a vida e, no poder desta vida, tiramos o mal. É somente quando estamos libertados da culpa do pecado que compreendemos ou exibimos o verdadeiro poder da santidade. Tentar consegui-lo por qualquer outro meio é esforço inútil. A festa dos pães asmos só pode ser guardada sob o abrigo perfeito do sangue.

C. H. Mackintosh


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Como a Páscoa Deveria Ser Comida

(Comentário Êxodo 12)

Veremos agora em pormenor os princípios que nos são apresentados na festa da páscoa. A assembleia de Israel, sob o sangue, tinha de ser organizada pelo Senhor de uma maneira digna de Si Próprio. Quanto à sua segurança contra o juízo, como vimos já, nada era necessário senão o sangue; mas quanto à comunhão que resultava desta segurança eram necessárias outras coisas, que não podiam ser descuradas com impunidade.

E, portanto, lemos, em primeiro lugar: "E naquela noite comerão a carne assada no fogo, com pães asmos; com ervas amargosas a comerão. Não comereis dele nada cru, nem cozido em água, senão assado ao fogo" (versículos 8 a 9). O cordeiro em torno do qual a congregação estava reunida, e com o qual fazia festa, era um cordeiro assado — um cordeiro que tinha sido submetido à ação do fogo. Vemos neste pormenor "Cristo a nossa páscoa" expondo-Se a Si Mesmo à ação do fogo da santidade e da justiça de Deus, que acharam n'Ele um objeto perfeito. Ele pôde dizer: "Provaste o meu coração; visitaste-me de noite; examinaste-me e nada achaste; o que pensei, a minha boca não transgredirá" (SI 17:3).Tudo n'Ele era perfeito. O fogo provou-O e não havia impureza. "A cabeça com os pés e com a fressura". Quer dizer, o centro da Sua inteligência; a Sua vida exterior com tudo quanto lhe pertencia — tudo foi submetido à ação do fogo, e tudo foi achado perfeito.

A maneira como o cordeiro devia ser assado é profundamente significativa, como o são em pormenor as ordenações de Deus. Nada deve ser passado por alto, porque está cheio de significação — "não comereis dele nada cru, nem cozido em água". Se o cordeiro tivesse sido comido assim não teria sido a expressão da grande verdade que prefigurava segundo o propósito divino, isto é: que o nosso Cordeiro da páscoa deveria sofrer, na cruz, o fogo da justa ira de Deus; uma verdade, aliás, preciosa para a alma. Não estamos somente sob a proteção eterna do sangue do Cordeiro, como as nossas almas se alimentam pela fé da pessoa do Cordeiro. Muitos de nós enganamo-nos a este respeito. Estamos prontos a contentarmo-nos por estarmos salvos por meio da obra que Cristo cumpriu a nosso favor sem mantermos uma santa comunhão com Ele Próprio. O Seu coração amoroso nunca poderá contentar-se com isto. Ele trouxe-nos para perto de Si para que pudéssemos apreciá-Lo, alimentarmo-nos d'Ele e regozijarmo-nos n'Ele. Cristo apresenta-Se perante nós como Aquele que sofreu o fogo intenso da ira de Deus, a fim de ser, neste caráter maravilhoso de Cordeiro, alimento para as nossas almas redimidas.

(C. H. Mackintosh)

A Páscoa: o Centro de Comunhão

(Comentário Êxodo 12)

Consideremos agora o segundo aspecto da páscoa, como centro ao redor do qual a assembleia estava reunida em tranquila, santa e feliz comunhão. Israel salvo pelo sangue, era uma coisa; e Israel alimentando-se do cordeiro, era outra muito diferente. Estavam salvos somente pelo sangue; porém o objeto em volta do qual estavam reunidos era, evidentemente, o cordeiro assado. Esta distinção não é, de modo nenhum, absurda. O sangue do Cordeiro constitui o fundamento tanto da nossa ligação com Deus como da nossa conexão uns com os outros. É como aqueles que são lavados pelo sangue que somos levados a Deus e ficamos em comunhão uns com os outros. Aparte a expiação perfeita de Cristo não podia haver evidentemente comunhão nem com Deus nem com a assembleia.

Contudo não devemos esquecer o fato que é para um Cristo vivo nos céus que os crentes são reunidos pelo Espírito Santo. Estamos unidos a um Chefe vivo — fomos levados a uma "pedra viva" (1 Pedro 2:4). O Senhor é o nosso centro. Havendo achado paz pelo Seu sangue, nós reconhecemos que Ele é o nosso grande centro de reunião e o laço que nos une. "Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles" (Mateus 18:20). O Espírito Santo é o único que promove a reunião; Cristo é o único objetivo em volta do qual nos reunimos; e a nossa assembleia, assim convocada, deve ser caracterizada pela santidade, de maneira que o Senhor nosso Deus possa habitar entre nós. O Espírito Santo só nos pode reunir para Cristo; não nos pode reunir em torno de um sistema, um nome, uma doutrina ou uma ordenação. Ele reúne para uma Pessoa, e essa Pessoa é Cristo glorificado no céu. É isto que deve dar um caráter peculiar à assembleia (igreja) de Deus. Os homens podem associar-se sobre qualquer base, em volta de qualquer centro ou com qualquer fim que mais lhes agrade; porém, quando o Espírito Santo promove a associação, fá-lo sobre o fundamento da redenção efetuada e em redor da Pessoa de Cristo, com o fim de edificar um templo santo para Deus (1 Coríntios 3:16-17; 6:19; Efésios 2:21-22; 1 Pedro 2:4-5).

C. H. Mackintosh

terça-feira, 13 de novembro de 2018

A Morte de Cristo na Cruz

(Comentário Êxodo 12)

Desejo recordar também ao leitor que a vida de obediência de Cristo não é apresentada nas Escrituras como meio de alcançar o nosso perdão. Foi a Sua morte na cruz que abriu as comportas eternas do amor, que, de outra maneira, ficariam fechadas para sempre. Se o Senhor Jesus continuasse até este próprio momento percorrendo as cidades de Israel e "fazendo bem" (Atos 10:38) o véu do templo continuaria inteiro, para impedir a entrada do adorador na presença de Deus. Foi a Sua morte que rasgou essa misteriosa cortina "de alto abaixo" (Marcos 15:38). Foi pelas suas "pisaduras", e não pela Sua vida de obediência, que nós "fomos sarados" (Isaías 53:5; 1 Pedro 2:24); e foi na cruz que Ele suportou essas "pisaduras", e não em nenhuma outra parte. As Suas próprias palavras, pronunciadas durante o curso da Sua vida bendita, são mais que suficientes para tomar este ponto claro. "Importa, porém, que eu seja batizado com um certo batismo, e como me angustio até que venha a cumprir-se!" (Lucas 12:50).

A que se refere esta declaração senão à Sua morte na cruz como cumprimento desse batismo que abriu uma saída justa através da qual o Seu amor pudesse correr livremente até aos culpados filhos de Adão? De outra vez, o Senhor diz: "Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer fica só" (João 12:24). Ele era esse precioso "grão de trigo"; e teria ficado para sempre "só", se, apesar de haver incarnado, não tivesse, por meio da Sua morte sobre o madeiro, tirado tudo aquilo que pudesse impedir a união do Seu povo Consigo na ressurreição. "Mas se morrer, dá muito fruto." O leitor nunca poderá considerar com demasiada atenção este assunto tão solene e tão importante. Existem nele dois pontos relativos a esta questão, que convém recordar sempre, a saber: que não podia haver união possível com Cristo senão na ressurreição; e que Cristo sofreu somente na cruz pelos pecados. Não devemos imaginar, de modo nenhum, que Cristo nos uniu a Si por meio da incarnação. Isto não era possível. Como poderia a nossa carne pecaminosa unir-se assim com Ele? O corpo do pecado tinha de ser desfeito pela morte.

O pecado tinha de ser tirado, exigia-o a glória de Deus; todo o poder do inimigo devia ser abolido. Como poderia conseguir-se isto? Somente pela submissão do precioso, imaculado Cordeiro de Deus na morte da cruz. "Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse feias aflições, o príncipe da salvação deles" (Hebreus 2:10). "...Eis que eu expulso demônios, e efetuo curas, hoje e amanhã, e no terceiro dia sou consumado" (Lucas 13:32). As expressões "consagrasse", e "consumado" nas passagens acima mencionadas não se relacionam com Cristo de uma maneira abstrata, porquanto, como Filho de Deus, Ele era perfeito desde toda a eternidade, e no tocante à Sua humanidade foi de igual modo absolutamente perfeito. Contudo, como príncipe da nossa salvação — como Aquele que havia de trazer muitos filhos à glória, dando assim muito fruto —, e para associar Consigo um povo redimido, Ele teve de chegar ao "terceiro dia" a fim de ser "consumado" ou "consagrado"; desceu sozinho ao "lago horrível, um charco de lodo"; porém, pôs imediatamente os Seus "pés sobre a rocha" da ressurreição, e associou "muitos filhos" Consigo (Sl 40:1-3); combateu sozinho na batalha; porém, como vencedor poderoso, espalha à Sua roda, em rica profusão, os despojos da vitória, para que nós pudéssemos ajuntá-los e desfrutar deles eternamente.

Além disso, não devemos considerar a cruz de Cristo como um simples incidente numa vida de expiação pelo pecado. A cruz foi o grande e único ato de expiação pelo pecado: "Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro" (1 Pedro 2:24). Não os levou em parte alguma mais.

Não foi na manjedoura que os tomou sobre Si, nem no jardim do Getsêmani, nem no deserto, mas SOMENTE "SOBRE O MADEIRO". O Senhor nada teve a ver com o pecado, salvo na cruz; e foi ali que Ele inclinou a Sua bendita cabeça e deu a Sua preciosa vida sob o peso acumulado dos pecados do Seu povo. Nem tampouco jamais sofreu às mãos de Deus, salvo na cruz; e ali o Senhor escondeu o Seu rosto d'Ele porque O fez "pecado por nós" (2 Coríntios 5).

Esta série de pensamentos, e as várias passagens a que se faz referência, podem, talvez, ajudar o leitor a compreender mais claramente o poder divino das palavras: "vendo eu sangue passarei por cima de vós". Era absolutamente necessário que o cordeiro fosse sem mácula, pois de contrário como poderia satisfazer o olhar santo do Senhor? Porém, se o sangue não tivesse sido derramado o Senhor não poderia ter passado por cima do Seu povo, porque "sem derramamento de sangue não há remissão" (Hebreus 9:22). Teremos outra vez ocasião de meditar sobre este assunto, se o Senhor permitir, de uma maneira mais clara e apropriada nas figuras de Levítico. É um assunto que requer a atenção profunda de todos aqueles que amam o Senhor Jesus Cristo em sinceridade.

C. H. Mackintosh

domingo, 11 de novembro de 2018

O Sangue de Cristo: o Fundamento da Paz do Crente

(Comentário Êxodo 12)

A nossa inclinação natural é buscarmos em nós ou nas coisas alguma coisa que possa constituir, junto com o sangue de Cristo, o fundamento da nossa paz. Existe uma falta lamentável de compreensão e clareza sobre este ponto vital, como se verifica pelas dúvidas e receios com que muitos do povo de Deus são afligidos. Somos inclinados a pensar nos frutos do Espírito em nós, em vez de pensarmos na obra de Cristo por nós, como fundamento da nossa paz.

Vamos ver agora o lugar que ocupa a obra do Espírito Santo na cristandade; porém, esta obra nunca é apresentada nas Escrituras como sendo a base em que assenta a nossa paz. O Espírito Santo não fez a paz, mas Cristo. Não é dito que o Espírito seja a nossa paz, mas sim Cristo. Deus não mandou anunciar a paz pelo Espírito Santo, mas por Jesus Cristo (comparem-se Atos 10:36; Efésios 2:14,17; Colossenses 1:20). Jamais poderemos compreender com demasiada nitidez esta diferença importante. E só pelo sangue de Cristo que obtemos a paz, justificação perfeita e justiça divina; ele purifica a nossa consciência, introduz-nos no lugar santíssimo, faz com que Deus seja justificado recebendo o pecador contrito, e dá-nos o direito a todos os gozos, todas as honras e todas as glórias do céu (veja-se Romanos 3:24 -26; Efésios 2:13-18; Colossenses l:20a22;Hb 9:14; 10:19; 1 Pedro 1:19; 2:24; 1 João l:7; Ap 7:14-17).

Ao procurar pôr "o precioso sangue de Cristo" no seu lugar divinamente marcado, espero sinceramente que ninguém suponha que pretendo escrever uma só palavra que possa menosprezar a importância da obra do Espírito Santo. Deus me livre disso! O Espírito Santo revela-nos Cristo, faz-nos conhecê-Lo, permite-nos alegrarmo-nos e alimentarmo-nos d'Ele; é o Espírito Quem toma das decisões de Cristo e no-las mostra. O Espírito é o poder de comunhão, o selo, a testemunha, a garantia, e a unção. Em resumo; todas as benditas operações do Espírito são absolutamente essenciais. Sem Ele não podemos ver, saber, nem ouvir, nem sentir, nem experimentar, nem gozar, nem manifestar nada de Cristo. Tudo isto é bem claro. A doutrina das operações do Espírito é claramente exposta nas Escrituras, e é recebida e compreendida por todo o crente fiel e bem esclarecido.

Todavia, não obstante tudo isto, a obra do Espírito não é o fundamento da paz; porque, se o fosse, não poderíamos desfrutar de uma paz segura até à vinda de Cristo, visto que a obra do Espírito, na Igreja, não terminará, propriamente falando, até então. O Espírito prossegue a Sua obra no crente: ".. .O mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis" (Romanos 8:26), e esforça-Se por nos fazer chegar àquela estatura para a qual havemos sido chamados, a saber: uma perfeita semelhança, em todas as coisas, à imagem do "Filho"; Ele é o único autor de todo o desejo bom, de toda a aspiração santa, todo afeto puro, de toda a experiência divina, e de toda a convicção sã; porém, é evidente que a sua obra em nós não estará completa antes de termos deixado a cena presente deste mundo para tomarmos o nosso lugar com Cristo na glória. Assim como o servo de Abraão não terminou a sua missão a respeito de Rebeca antes de a ter apresentado a Isaque.

Não sucede assim com a obra de Cristo por nós. Essa obra está absoluta e eternamente completa. O Senhor pôde dizer: "Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer" (João 17:4). E logo depois: "Está consumado" (João 19:30). Contudo o Espírito Santo não pode dizer que tem acabado a Sua obra. Como verdadeiro vigário de Cristo na terra, continua trabalhando no meio das diversas influências adversas que rodeiam a esfera da Sua atividade e no coração dos filhos de Deus para os fazer chegar de uma maneira prática e experimental à altura do modelo divinamente eleito. Porém, nunca ensina a alma a depender da Sua obra para ter paz na presença de Deus. A Sua missão é falar de Jesus: não fala de Si Mesmo. "Ele", diz Cristo,"...há de receber do que é meu e vo-lo há de dar" (João 16:14). Se, portanto, é somente pelo ensino do Espírito que alguém pode compreender o verdadeiro fundamento da paz, e se o Espírito nunca fala de Si Mesmo, é evidente que só pode apresentar a obra de Cristo como o fundamento sobre o qual a alma deve descansar para sempre; ainda assim, é em virtude dessa obra que o Espírito faz a Sua morada e cumpre as Suas maravilhosas operações no coração do crente. Ele nos revela Cristo e nos faz capazes de compreendê-lo e gozar dEle.

Por isso, o cordeiro da páscoa, como fundamento da paz de Israel, é um tipo admirável e magnífico de Cristo, como fundamento da paz do crente. Nada havia a acrescentar ao sangue posto sobre a ombreira da porta; tampouco nada mais há a acrescentar ao sangue posto sobre o propiciatório. Os "pães asmos" e as "ervas amargosas" eram coisas necessárias, mas não como formando, no todo ou em parte, o fundamento da paz. Deviam ser usadas no interior da casa e constituíam os sinais característicos da comunhão; porém, O FUNDAMENTO DE TUDO ERA O SANGUE DO CORDEIRO. Foi ele que salvou os israelitas da morte e os introduziu numa nova cena de vida, de luz e de paz, formando o laço de união entre Deus e o Seu povo redimido. Como povo ligado com Deus sobre o fundamento da redenção cumprida, era seu alto privilégio serem colocados debaixo de certas responsabilidades; mas essas responsabilidades não formavam o laço de união, mas eram a consequência natural dele.

C. H. Mackintosh

sábado, 10 de novembro de 2018

"Vendo Eu Sangue..."

(Comentário Êxodo 12)

Note-se que o israelita não descansa sobre os seus próprios pensamentos, nos seus sentimentos ou na sua experiência, a respeito do sangue. Isto teria sido descansar sobre um fundamento fraco e movediço. Os seus pensamentos e os seus sentimentos podiam ser profundos ou superficiais: mas, quer fossem profundos, quer superficiais, nada tinham que ver com o fundamento da sua paz. Deus não havia dito: "vendo vós o sangue, e avaliando-o como ele deve ser avaliado, eu passarei por cima de vós". Isto teria bastado para lançar um israelita em profundo desespero quanto a si próprio, visto que é impossível para o espírito humano apreciar o valor do precioso sangue do Cordeiro de Deus. O que dava paz era a certeza de que os olhos do Senhor estavam postos sobre o sangue, e que Ele apreciava o seu valor. Isto tranquilizava o coração. O sangue estava de fora da porta, e o israelita encontrava-se dentro de casa, de modo que não podia ver aquele sangue; mas Deus o via, e isso era perfeitamente suficiente.

A aplicação deste fato à questão da paz do pecador é bem clara. O Senhor Jesus Cristo, havendo derramado o Seu precioso sangue, em expiação perfeita pelo pecado, levou esse sangue à presença de Deus, e fez ali aspersão dele; e o testemunho de Deus assegura o crente de que as coisas estão liquidadas a seu favor—liquidadas, não pelo apreço que ele dá ao sangue, mas, sim, pelo próprio sangue, que tem um tão grande valor para Deus, que, por causa desse sangue, sem mais um jota ou um til, Ele pode perdoar com justiça todo o pecado e aceitar o pecador como um ser perfeitamente justo em Cristo. Como poderia alguém desfrutar paz segura se a sua paz dependesse da sua apreciação do sangue?- Seria impossível! A melhor apreciação que o espírito humano possa tomar do sangue estará sempre infinitamente abaixo do seu valor divino; e, portanto, se a nossa paz dependesse da apreciação que lhe devíamos dar, nós jamais poderíamos gozar de uma paz segura, e seria o mesmo que se a buscássemos pelas obras da lei (Romanos 9:32; Gálatas 2:16; 3:10). O fundamento de paz ou há de ser somente o sangue, ou então nunca teremos paz. Juntar-lhe o valor que nós lhe damos, é derrubar todo o edifício do cristianismo, precisamente como se conduzíssemos o pecador ao pé do monte Sinai e o puséssemos debaixo do concerto da lei. Ou o sacrifício de Cristo é suficiente ou não é. Se é suficiente, por que essas dúvidas e temores? As palavras dos nossos lábios confessam que a obra está cumprida, mas as dúvidas e temores do coração declaram que não. Todo aquele que duvida do seu perdão perfeito e eterno, nega, tanto quanto lhe diz respeito, o cumprimento do sacrifício de Cristo.

Há muitas pessoas que fogem da ideia de pôr em dúvida deliberada e abertamente a eficácia do sangue de Cristo, mas que, todavia, não têm uma paz segura. Estas pessoas dizem estar completamente convencidas da suficiência do sangue de Cristo, desde que possam estar certas de ter parte nele — desde que possam ter a verdadeira fé. Há muitas almas preciosas nesta infeliz condição. Ocupam-se mais da sua fé e dos seus interesses do que com o sangue de Cristo e a palavra de Deus. Por outras palavras, olham para o seu íntimo, em vez de olharem para Cristo. Isto não é o procedimento da fé, e, por conseguinte, carecem de paz. O israelita protegido pela umbreira da porta manchada de sangue podia dar a estas almas uma lição muito apropriada — não fora salvo pelo interesse que tinha no sangue nem pelos seus pensamentos acerca dele, mas simplesmente pelo próprio sangue. Sem dúvida, ele tinha uma parte bem-aventurada no sangue; assim como os seus pensamentos também estavam postos nele; porém, Deus não havia dito: "Vendo eu o vosso apreço pelo sangue passarei por cima de vós". Ah! não; o SANGUE, com o seu mérito exclusivo e eficácia divina estava posto perante Israel; e se eles tivessem tentado pôr só que fosse um bocado de pão asmo ao lado do sangue, como base de segurança, teriam feito do Senhor mentiroso e negado a suficiência do Seu remédio.

C. H. Mackintosh

terça-feira, 6 de novembro de 2018

O Sangue sobre as Ombreiras e na Verga das Casas

(Comentário Êxodo 12)

"E tomarão do sangue e pô-lo-ão em ambas as ombreiras e na verga da porta, nas casas em que o comerem. E naquela noite comerão a carne assada no fogo, com pães asmos; com ervas amargosas a comerão.
Não comereis dele nada cru, nem cozido em água, senão assado ao fogo; a cabeça com os pés e com a fressura" (versículos 7-9).

O cordeiro da páscoa é-nos apresentado sob dois aspectos, a saber: como fundamento da paz e como centro de unidade. O sangue na verga das portas assegurava a paz de Israel: "...vendo eu sangue, passarei por cima de vós" (versículo 13). Nada mais era necessário, senão a aspersão do sangue, para se desfrutar paz em relação com o anjo destruidor. A morte devia fazer a sua obra em todas as casas do Egito. "Aos homens está ordenado morrerem uma vez" (Hebreus 9:27). Porém, Deus, em Sua grande misericórdia, encontrou um substituto imaculado para Israel, sobre o qual foi executada a sentença de morte. Assim, as exigências de Deus e a necessidade de Israel foram cumpridas por uma e mesma coisa, a saber: o sangue do cordeiro. O sangue fora das portas era prova de que tudo estava perfeita e divinamente arrumado; e, portanto, dentro reinava perfeita paz. Uma sombra de dúvida no coração dum israelita teria sido uma desonra para o fundamento divino da paz—o sangue da expiação.

É verdade que cada um daqueles que se achavam dentro de casa, em cuja porta o sangue havia sido posto, deveria sentir, necessariamente, que se tivesse de receber a justa retribuição dos seus pecados, a espada do anjo destruidor cairia irremediavelmente sobre si; porém o cordeiro havia sofrido em seu lugar. Este era o fundamento sólido da sua paz. O juízo que lhe competia caíra sobre uma vítima designada por Deus e, crendo isto, podia comer em paz dentro de casa. Uma dúvida sequer teria feito do Senhor mentiroso; pois Ele havia dito: "vendo eu sangue, passarei por cima de vós". Isto era suficiente. Não era uma questão de mérito pessoal. O ego nada tinha a ver com o assunto. Todos os que se achavam protegidos pelo sangue estavam salvos. Não estavam apenas num estado de salvos, mas salvos. Não esperavam nem oravam para ser salvos, sabiam que isso era um fato assegurado, em virtude da autoridade daquela palavra que permanecerá de geração em geração. Demais, não se achavam em parte salvos e em parte expostos ao juízo: estavam completamente salvos. O sangue do cordeiro e a palavra do senhor constituíam o fundamento da paz de Israel naquela noite terrível em que os primogênitos do Egito foram abatidos. Se um simples cabelo da cabeça de um israelita pudesse ser tocado, isso teria anulado a palavra do Senhor e declarado nulo o sangue do cordeiro. É da máxima importância ter-se um conhecimento claro daquilo que constitui o fundamento da paz do crente na presença de Deus. São associadas tantas coisas à obra consumada de Cristo, que as almas se vêem envolvidas na confusão e incerteza quanto à sua aceitação. Não discernem o caráter absoluto da redenção pelo sangue de Cristo na sua aplicação a si mesmas. Parece que ignoram que o perdão dos seus pecados descansa sobre o simples fato de se ter efetuado perfeita expiação: um fato comprovado, à vista de todos os entes inteligentes criados, pela ressurreição de entre os mortos do Substituto do pecador. Sabem que não existe outro meio de salvação senão pelo sangue da cruz, porém demônios sabem isto também, e de nada lhes aproveita. O que necessitamos saber é que estamos salvos. O israelita sabia não somente que havia segurança no sangue, mas que estava em segurança. E em segurança por quê? Era devido a alguma coisa que havia feito, ou sentido, ou pensado? - De modo nenhum; mas, sim porque Deus havia dito: "vendo eu sangue passarei por cima de vós". O israelita descansava sobre o testemunho de Deus; acreditava naquilo que Deus havia dito, porque Deus o havia dito: "esse confirmou que Deus é verdadeiro."

C. H. Mackintosh

Postagens populares