quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Culto

(Comentário Levítico 3O SACRIFÍCIO PACÍFICO: A COMUNHÃO)

Esse último ponto (a ligação entre a doutrina do sacrifício pacífico e a adoração cristã) está relacionado e baseado em outra verdade fundamental da "lei do sacrifício pacífico". "Mas a carne do sacrifício de louvores da sua oferta pacífica se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até amanhã." Quer dizer, a comunhão do adorador nunca deve separar-se do sacrifício sobre o qual a comunhão está baseada. Na medida em que se tenha energia espiritual para manter essa conexão, o culto (adoração) e a comunhão subsistirão em frescura e aceitação. Devemos estar perto do sacrifício, no espírito do nosso entendimento, nas afeições do nosso coração e na experiência das nossas almas. É isto que dará poder e duração ao nosso culto. Pode acontecer de começarmos qualquer ato ou expressão de culto com os nossos corações ocupados imediatamente com Cristo; e, antes de chegarmos ao fim, estarmos ocupados com o que estamos fazendo ou dizendo ou com as pessoas que nos escutam; e, desta forma, caímos naquilo que pode se chamar de "iniquidade nas nossas coisas santas". Isto é profundamente solene e deveria tornar-nos vigilantes. Começamos o culto no Espírito e acabamos na carne. Devemos ter sempre o cuidado de não nos apressarmos a proceder, nem por um momento, para além da energia do Espírito, porque o Espírito manter-nos-á sempre ocupados com Cristo. Se o Espírito Santo nos inspira "cinco palavras" de adoração ou de ações de graças, pronunciemos as cinco e calemo-nos. Se continuarmos a falar, estamos comendo a carne do nosso sacrifício além do tempo fixado; e isso, longe de ser "aceitável", é, na realidade, "uma abominação". Lembremo-nos disto e vigiemos. Não há necessidade para alarme. Deus quer que sejamos guiados pelo Espírito e assim cheios de Cristo em todo o nosso culto. Ele só pode aceitar aquilo que é divino; e, portanto, não quer que seja apresentado nada senão o que é divino.

"E, se o sacrifício da sua oferta for voto ou oferta voluntária, no dia em que oferecer o seu sacrifício se comerá; e o que dele ficar também se comerá no dia seguinte" (Levítico 7:16). Quando a alma se eleva a Deus em um ato voluntário de adoração, tal adoração provêm de uma maior medida de energia espiritual do que quando procede simplesmente de alguma graça particular do próprio momento. Se se há recebido uma favor especial da mão do Senhor, a alma eleva-se imediatamente em ação de graças. Neste caso, o culto é suscitado por e ligado com esse favor ou misericórdia, qualquer que possa ser, e acaba aí. Porém quando o coração é levado pelo Espírito Santo a qualquer expressão voluntária ou deliberada de louvor, o culto terá um caráter mais duradouro. De qualquer forma, o culto espiritual ligar-se-á sempre com o precioso sacrifício de Cristo.

"E o que ainda ficar da carne do sacrifício ao terceiro dia será queimado no fogo. Porque, se da carne do seu sacrifício pacífico se comer ao terceiro dia, aquele que a ofereceu não será aceito, nem lhe será imputado; coisa abominável será, e a pessoa que comer dela levará a sua iniquidade". Nada tem qualquer valor, segundo o juízo de Deus, senão aquilo que está intimamente ligado com Cristo. Pode existir muita aparência de culto, e ser, afinal, a mera excitação e expressão de sentimentos naturais. Pode haver uma grande aparente devoção, que é, simplesmente, devoção carnal. A natureza pode excitar-se, no campo religioso, de diversas maneiras, tais como pompa, cerimônias, procissões, atitudes, ricas vestimentas, uma liturgia eloquente e todos os atrativos de um esplêndido ritualismo; e, contudo, pode haver uma absoluta ausência de culto espiritual. Sim, acontece frequentemente que os mesmos gostos e inclinações que são excitados e satisfeitos por formas pomposas de um culto chamado religioso, encontrariam um alimento mais apropriado na ópera ou nos concertos.

Aqueles que sabem e que desejam lembrar-se que "Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-Lo em espírito e em verdade" (João 4:24) devem pôr-se em guarda contra tudo isso. A religião, assim chamada, reveste-se, em nossos dias, dos mais poderosos atrativos. Deixando para trás a grosseria da idade média, ela chama em seu auxílio todos os recursos de gosto requintado de um século iluminado e culto. A escultura, a música, e a pintura* vazam os seus ricos tesouros no seu seio, a fim de que ela possa, com isso, preparar um poderoso narcótico para embalar as multidões irrefletidas numa sonolência que só será interrompida pelos indescritíveis horrores da morte, do juízo e do lago de fogo. Ela pode também dizer: "Sacrifícios pacíficos tenho comigo; hoje paguei os meus votos... Já cobri a minha cama com cobertas de tapeçaria, com obras lavradas com linho fino do Egito; já perfumei o meu leito com mirra, aloés e canela" (Provérbios 7:14-17). Assim a religião corrompida seduz, por sua poderosa influência, aqueles que não querem escutar a voz celestial da sabedoria.

{*N. do T.: Este texto foi escrito no século XIX. Hoje em dia, vemos outros entretenimentos mundanos que foram introduzidas no culto religioso na cristandade, tais como teatro, dança e cinema.}
 
Guarde-se o leitor de tudo isso. Certifique-se de que o seu culto está inseparavelmente ligado com a obra da cruz. Veja se Cristo é o fundamento, Cristo o elemento e o Espírito Santo o poder do seu culto. Guarde-se de que o ato exterior do seu culto não se alongue para além deste poder íntimo. É necessária muita vigilância para se evitar esse mal. Os seus manejos secretos são dos mais difíceis de detectar e impedir. Podemos começar um hino no verdadeiro espírito de culto, e, por falta de poder espiritual, podemos, antes de chegar ao fim, cair no mal que corresponde ao ato cerimonial de comer a carne do sacrifício pacífico ao terceiro dia. A nossa única salvaguarda consiste em estarmos perto de Jesus. Se elevarmos os nossos corações em "ações de graças" por qualquer mercê especial, façamo-lo no poder do nome e do sacrifício de Cristo. Se as nossas almas se elevam em adoração "voluntária", que seja na energia do Espírito Santo. Deste modo o nosso culto terá aquele frescor, aquela fragrância e profundidade de tom, aquela elevação moral, que devem resultar do fato de se ter o Pai por objeto, o Filho por fundamento e o Espírito Santo como o poder de nosso culto.

Que assim seja, ó Senhor, com todos os que te adoram, até nos encontrarmos em corpo, alma e espírito na segurança da tua presença eterna, fora do alcance de toda a influência perniciosa do falso culto e da religião corrompida, e também fora do alcance dos diferentes impedimentos que provêm destes corpos de pecado e morte que trazemos em nós!

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NOTA: É interessante observar que, embora o sacrifício pacífico seja o terceiro na ordem dos sacrifícios, contudo "a Lei" dele é dada depois de todos. Esta circunstância não deixa de ter a sua importância. Em nenhum dos sacrifícios a comunhão do adorador é tão claramente revelada como no sacrifício pacífico. No holocausto vemos Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus. Na oferta de manjares, temos a perfeita humanidade de Cristo. Depois, passando à expiação do pecado, aprendemos que o pecado em sua raiz é inteiramente expiado. Na expiação da culpa, há plena provisão para os pecados na vida presente. Mas em nenhum é revelada a comunhão do adorador. A comunhão pertence ao "sacrifício pacífico"; e, daí, creio, a posição que ocupa a ''lei deste sacrifício". Aparece no fim de todas, ensinando-nos com isso que, quando se trata de uma questão de a alma se alimentar de Cristo, tem de ser um Cristo completo, considerado sob todas as fases possíveis da Sua vida — o Seu caráter, a Sua Pessoa, Sua Obra, e Seus ofícios. E, além disso, que, quando tivermos acabado para sempre com o pecado e os pecados, deleitar-nos-emos em Cristo e nos alimentaremos d'Ele por todos os séculos eternos. Seria, creio, uma falta grave no nosso estudo dos sacrifícios se deixássemos de considerar uma circunstância tão digna de ser notada como a que acabamos de frisar. Se a "lei do sacrifício pacífico" fosse dada pela ordem em que ocorre, o próprio sacrifício viria imediatamente depois da lei da oferta de manjares; porém em vez disso, são dadas "a lei da expiação do pecado" e "a lei da expiação da culpa" e, então, em conclusão, segue-se a "lei do sacrifício pacífico".

C. H. Mackintosh

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