quarta-feira, 10 de abril de 2013

Deus Luta com Jacó

(Comentário Gênesis 32)

"Jacó porém ficou só; e lutou com ele um varão." Notemos que não foi Jacó quem lutou com um varão; mas um varão que lutou com Jacó. Esta cena é vulgarmente mencionada como um exemplo do poder de Jacó na oração. Que não é assim é evidente pela simples redação da passagem. O eu lutar com um homem, e um homem lutar comigo são duas ideias totalmente diferentes para a mente. Se sou eu quem luta com outro é porque pretendo dele alguma coisa; se, pelo contrário, é outro que luta comigo é porque deseja conseguir alguma coisa de mim. Ora, no caso de Jacó, o objetivo divino era levá-lo a ver que criatura pobre, fraca, inútil, ele era, e quando Jacó resistiu tenazmente ao tratamento divino, o varão "tocou a juntura de sua coxa; e se deslocou a juntura da coxa de Jacó, lutando com ele". A sentença de morte tem que ser lavrada sobre a carne — o poder da cruz tem que ser compreendido antes de podermos andar firmemente com Deus.
Até aqui temos seguido Jacó por entre todos os meandros e expedientes do seu extraordinário caráter — vimo-lo fazendo planos e pondo-os em prática durante a sua estadia de vinte anos com Labão; mas não foi antes de ter ficado só que teve uma verdadeira ideia da sua inutilidade. Então, havendo sido tocado o centro da sua força, ele pôde dizer, "não te deixarei ir". Como disse o poeta:

"Nenhum outro refúgio tenho;
Minha alma desamparada apega-se a Ti."

Isto foi uma nova era na história do suplantador e engenhoso Jacó. Até aqui ele havia-se agarrado aos seus meios e caminhos; mas agora é levado a dizer "não te deixarei ir". Bom, o leitor dirá que Jacó não se exprimiu assim até que "a juntura da sua coxa foi tocada". Este simples fato é suficiente para concretizar a verdadeira interpretação de toda a cena. Deus lutava com Jacó para o levar a este ponto. Já vimos que, quanto ao poder de Jacó na oração, tão depressa pronunciava algumas palavras a Deus mostrava logo o verdadeiro segredo da independência da sua alma, dizendo: "Eu o aplacarei (a Esaú) com o presente." Teria dito isto se tivesse realmente compreendido o significado do oração ou da verdadeira dependência em Deus? Certamente que não. Se tivesse esperado só em Deus, para aplacar Esaú, poderia ter dito: "eu o aplacarei com o presente?" Decerto que não! É preciso que Deus e a criatura conservem o seu lugar distinto, e sempre assim será com toda a alma que conhece a santa realidade de uma vida de fé.

Mas, oh! aqui está onde nós falhamos, se podemos falar uns pelos outros! Sob a fórmula plausível e aparentemente piedosa de usarmos meios, nós realmente encobrimos a infidelidade dos nossos pobres corações enganosos; pensamos que estamos esperando em Deus para abençoar os nossos meios, ao passo que, na realidade, O afastamos confiando nos meios, em vez de dependermos d'Ele, Oh! que os nossos corações possam compreender o mal deste procedimento! Possamos nós aprender a confiar mais simplesmente em Deus somente, para que assim a nossa história possa ser mais caracterizada por aquela santa elevação acima das circunstâncias através das quais estamos passando. Não é uma coisa fácil chegar a conhecer-se a nulidade da criatura até ao ponto de poder dizer-se: "não te deixarei ir se me não abençoares". Dizer isto do coração e permanecer no seu poder é o segredo de todo o verdadeiro poder. Jacó disse-o quando a juntura da sua coxa foi tocada; mas não antes. Lutou muito, até ceder, porque a sua confiança na carne era grande. Porém, Deus pode deprimir até ao pó o caráter mais ativo. Ele sabe como tocar a mola do poder da natureza, e escrever a sentença de morte inteiramente sobre ela; e até que isto não for feito não pode haver verdadeiro poder com Deus ou o homem. Temos de ser "fracos" para podermos ser "fortes". "O poder de Cristo" só pode "repousar sobre nós" em ligação com o conhecimento das nossas fraquezas. Cristo não pode pôr o selo da Sua aprovação sobre o poder da natureza, a sua sabedoria ou a sua glória: todas estas coisas têm de submergir-se para que Ele possa levantar-Se. A natureza humana nunca poderá constituir, de modo nenhum, uma base para manifestar a graça ou o poder de Cristo; pois se pudesse sê-lo então a carne podia gloriar-se na Sua presença; mas isto, como sabemos, nunca poderá ser. 

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